O que eu esperava das esquerdas, nesses tempos distópicos de hoje?
Imaginava mais realismo, mais ações ativistas e menos festa. Mais cautela e menos triunfalismo.
Esperava que as esquerdas fossem se mobilizar nas ruas de verdade, pressionassem de forma séria pela queda de Jair Bolsonaro.
Esperava que as esquerdas, em vez de se acharem vencedoras, lutassem para vencer.
Esperava que os esquerdistas admitissem que perderam seus espaços sócio-políticos e que precisariam lutar para reconquistá-los.
Daí minha decepção.
As esquerdas se iludiram com o único espaço que os golpistas lhes reservaram para o recreio permanente da lacração: as redes sociais, na confortável atividade da memecracia.
Vejo memes aparentemente agressivos em oposição a Jair Bolsonaro. Mas como é tudo no âmbito do virtual, o presidente não sente sequer cócegas.
As esquerdas só se manifestam de vez em quando e, quando o fazem, é no clima de festa, de convescote, de micareta, tudo pelo espetáculo.
Acham que não podiam fazer protestos constantes para não cansar.
Mas o discurso que fazem de que "Lula está ganhando todas" é que está cansando tanto que o antipetismo ressurgiu com vigor. Vejo isso por onde andei e ando, seja Niterói, São Gonçalo, Rio de Janeiro, Nova Iguaçu, São Paulo e Belo Horizonte.
Lula teve mais uma vantagem jurídica: a anulação das acusações de que ele teria sonegado impostos nas reformas do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia, que não são de propriedade do petista.
Mas Luís Inácio Lula da Silva ganhou essa vantagem do Supremo Tribunal Federal como um atleta se livrando das acusações de doping.
Isso não faz Lula ser vencedor da campanha presidencial. Apenas o permite ter os direitos políticos que o autorizam a concorrer para as eleições presidenciais.
Vejo o Brasil como um país tenso, confuso e à beira de uma catástrofe. Acompanho os noticiários, junto as peças do quebra-cabeça. Penso como jornalista e cidadão, e como observador da realidade.
Daí que me decepciono com as esquerdas, que perderam a lucidez que tinham. Deixaram de ser lúcidas para se tornarem lúdicas.
Que as pautas culturais eram contaminadas dos "brinquedos culturais" da direita, que faziam as esquerdas, por exemplo, elegerem o "funk" como a "salvação revolucionária da humanidade", isso era verdade.
Mas havia oásis de lucidez nas pautas políticas e econômicas.
Hoje nem mais isso. Todo mundo tratando o contexto atual como "menos grave" e subestimando os problemas existentes.
Lula abriu mão do discurso realista e, em vez de dizer "Não sei se vou fazer o Brasil entrar na melhor fase, viveremos momentos difíceis", repetiu o discurso de 2002, de que "o Brasil vai ser feliz de novo".
E Lula foi imediatamente obter apoio dos golpistas do MDB. Com isso, eu não acredito que Lula vá manter intato o seu programa de governo.
Temo que Lula faça, por ironia, um arremedo ainda mais chinfrim de um governo de terceira via.
Ele não terá liberdade de ação. Afinal, o guru dos neoliberais, Milton Friedman, já havia afirmado que "não existe almoço grátis".
O MDB não vai apoiar Lula porque ele ficou "saradão". Vai apoiar Lula desde que ele não revogue o "pacote de maldades" de um dos líderes do partido fisiológico, Michel Temer.
E as esquerdas não percebem isso. Não percebem que seus espaços lhes foram tirados. As redes sociais são só um parquinho de diversões de esquerdistas que não reconquistaram o protagonismo político.
Por isso, ao me decepcionar com essas esquerdas, me justifico com o constrangimento que tenho com esse comportamento tóxico nos últimos anos.
Não existe vitória na marra. As esquerdas não estão no comando da realidade brasileira e Lula não tem, ainda, chances garantidas de sair vencedor.
Há um risco fortíssimo de derrota das esquerdas. Altíssimo, digamos com chances quase totais disso ocorrer.
As bolhas digitais é que, isoladas entre si, com esquerdistas tricotando consigo mesmos, pensam que estão com tudo, e ficam, dentro de suas caixinhas, espinafrando o bolsonarismo e a terceira via.
Arrogantes, as esquerdas alegam que a terceira via "não existe" ou "já nasceu derrotada". A campanha eleitoral nem começou, e isso é uma grande grosseria por parte das esquerdas.
As esquerdas não são competitivas. Acham que estão ganhando quando a realidade diz que elas perderam seu espaço.
Lula apenas reconquistou direitos políticos e pode concorrer à eleição. Mas isso não quer dizer que ele saiu vitorioso. Ter o doping negado não é ganhar medalha de ouro.
As pesquisas de intenção de voto são meramente especulativas e valem mais por um anti-bolsonarismo do que por um apoio incondicional a Lula. E isso se levarmos em conta de que essas pesquisas realmente existiram, o que é muito duvidoso.
Além disso, as esquerdas só têm as redes sociais como único espaço livre. Memecracia só tem o objetivo de rir e fazer lacração, mas não tem efeitos práticos para derrubar presidentes autoritários ou corruptos e nem substituir o ativismo de rua.
Já adverti para as esquerdas tomarem cuidado. E para Lula ser mais seletivo na sua "frente ampla".
Nada foi feito. E vejo as esquerdas e Lula completamente perdidos, querendo atirar para todos os lados, se julgando detentores de uma vitória que nem como promessa lhes vêm a caminho.
Vou votar no favorito da terceira via juntando duas lógicas: a de Leonel Brizola e a de Juscelino Kubitschek.
Assim como Brizola ficou furioso quando seu cunhado João Goulart, em 1961 - ano que foi tema de um de meus livros recentes - áceitou presidir o país sob o sistema parlamentarista, eu fiquei indignado com Lula se submetendo aos golpistas para se tornar eleitoralmente viável.
Como Kubitschek, me lembro de certa vez que ele abriu mão de apoiar o marechal Henrique Lott (que garantiu a posse do presidente em 1956, com um contragolpe em 1955), vendo seu baixo potencial de votos, para apoiar Juracy Magalhães, da UDN.
Por um lado, Brizola não fez a Campanha da Legalidade para ver Jango exercendo um poder decorativo, enquanto Tancredo Neves (avô de Aécio Neves) foi designado primeiro-ministro e governante de fato.
Por outro, Kubitschek queria que os udenistas fossem eleitos para criarem um governo desastrado para que o político mineiro pudesse voltar fortalecido na sucessão presidencial. Só depois Juscelino voltou atrás e retomou o apoio a Lott.
Esse é o meu raciocínio. Como o golpe está firme, a terceira via deveria ser eleita para lidar com o "bebê" que criaram em 2016.
E isso se dá porque as esquerdas são tomadas pelas classes médias festivas, que vivem na realidade ficcional das redes sociais.
As esquerdas passaram a viver no mundo da fantasia e não reconhecem os limites que Lula encontrará na frente. E esses limites são muitíssimos.
Lula demonstrou que não terá pulso firme para governar e está perdido entre obter apoio do empresariado e dos movimentos sociais. E, além disso, enfatiza mais os acordos com empresários, entre uma visita ou outra nas entidades ligadas a trabalhadores.
As esquerdas, movidas pelo espetáculo e mais afeitas às causas identitárias - que, com boa ou má-fé, são tidas equivocadamente como "caminhos" para a apreciação de causas trabalhistas - , é que pensam que Lula está num conto de fadas e é só derrubar os vilões do enredo para ele governar o país.
Daí minha decepção. O Brasil não está bem, mas as esquerdas pensam que está. E pensam que estão com tudo, quando nada lhes foi devolvido em espaços de ação e mobilização.
As esquerdas cruzaram os braços, e agem como o coelho da famosa fábula que, se achando vitorioso numa corrida, se acomodou e, descansando foi ultrapassado pela tartaruga.
Daí que fico imaginando o quanto o "Coelhula" tem sérios riscos de ser ultrapassado pelas tartarugas da terceira via.
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