ROMERO JUCÁ, ALOÍSIO MERCADANTE E LULA EM 2007. EM 2016, ROMERO JUCÁ ESTEVE ENVOLVIDO NO GOLPE QUE DERRUBOU DILMA ROUSSEFF.
Eu não vou votar em Lula para a Presidência da República em 2022. Vou votar na terceira via.
Isso significa que eu virei coxinha, tucanalha, neoliberaloide, reaça, ex-querdista e outros impropérios?
Não. Continuo tão esquerdista quanto antes e até mais do que as próprias esquerdas de hoje.
Mas eu não deveria votar em Lula?
Poderia, se não fosse a conduta que Lula está tendo e a ilusão triunfalista que contaminou as esquerdas.
Não vou votar em Lula porque não vejo segurança nos seus procedimentos.
Vamos juntar as peças do quebra-cabeça.
Houve golpe político em 2016, contra Dilma Rousseff. Aquilo não foi valentonismo (bullying) de coleguinhas que, depois, se seguiu a um pedido de desculpas.
Os períodos de Michel Temer e Jair Bolsonaro foram da pesada. Da perda de direitos trabalhistas à eclosão de convulsões sociais, temperada por incêndios que atingiram as florestas da Amazônia e do Pantanal e o Museu Nacional e a Cinemateca, vivemos momentos piores.
Não dá para sair por aí dizendo que "estamos vivendo na melhor das fases", por causa da alta produtividade de postagens nas redes sociais, que dá a falsa impressão de que múltiplas vozes estão "falando como nunca".
Num contexto em que a liberdade virou uma franquia da Folha de São Paulo, o que temos é uma realidade paralela nas redes sociais, que dão a falsa noção de que o Brasil virou sucursal do Paraíso.
As esquerdas caíram nessa armadilha e acreditam, ingenuamente, que estão com o poder, que o Supremo Tribunal Federal, o Poder Legislativo e a mídia corporativa devolveram o protagonismo político para os movimentos de esquerda.
E Lula anda fazendo alianças às cegas, sem critério, costurando estranhos acordos com aqueles que, pouco tempo atrás, desejavam vê-lo mofando na prisão.
Lula está tão empolgado com as alianças que até se um mosquito picar o presidente Jair Bolsonaro durante o sono, o inseto vira aliado do petista.
Em contradição a isso, Lula acha que vai fazer tudo de tudo em quatro anos, querendo ousar demais sem que haja condições objetivas para tanto, e ele se lambuza demais com sua popularidade, dentro de uma alegria maior que a festa.
E Lula anda falando demais. Vai para a mídia coronelista dizer que vai fazer regulação midiática. Vai para reuniões empresariais propondo impostos para ricos.
Esquece o Lula que o antipetismo está retomando toda a força, e Globo News e Folha de São Paulo estão renovando a munição para a artilharia.
Lula não está com o jogo ganho. As pesquisas que sugerem vantagem eleitoral são especulativas e o número de pessoas consultadas é sempre duvidoso.
Além disso, a anulação dos processos da Lava Jato contra Lula equivalem ao resultado negativo de doping. Autoriza a competição, mas não garante a vitória em si. Ter a acusação de doping negada não quer dizer que o atleta já está com a medalha de ouro nas mãos.
Eu fico preocupado com Lula fazendo acordos com o tucanato, com os "caciques" do MDB, com Romero Jucá e com tudo, e falando para rádios coronelistas do Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Lula acenando para o mercado, não de forma equilibrada, mas com fome exagerada, inflando uma frente ampla demais para garantir a sua liberdade de ação.
E isso somado à arrogância das esquerdas em supor que tanto Bolsonaro quanto a terceira via já estão derrotados na corrida presidencial.
As propostas políticas de Lula são as mais atraentes, não há sombra de dúvida, mas duvido que haja condições objsetivas para sua realização.
O golpe veio para ficar e esquecemos que Temer vendeu um satélite de monitoramento do céu brasileiro, entregando para estrangeiros que agora fazem espionagem do que nosso país anda fazendo politicamente.
O antipetismo voltou e sinto nas ruas o pessoal disparando raiva contra Lula. Vejo a imprensa corporativa já acionando seus "colonistas" para desqualificar o petista, com apetite redobrado em relação a 2003-2018.
Além disso, Lula pode até ser um grande líder, dentro de suas condições específicas. Mas é impossível que ele faça acordos com empresários, emedebistas e tucanos sem afetar seu programa de governo.
Nesses acordos, não é a democracia que está em jogo, mas uma certa domesticação política de Lula, que governará com as mãos atadas.
Lula esnoba a terceira via, mas ele mesmo corre o risco de fazer um programa de governo próximo ao que Luciano Huck iria fazer se fosse candidato à presidente da República.
Eu não vou votar em Lula, porque, além de eu não querer vê-lo fazendo "governo de terceira via", limitando seu projeto social a medidas supervalorizadas como o Auxílio Emergencial de R$ 600, eu também não quero vê-lo sofrendo surras e ameaças da oposição.
Getúlio Vargas, entre 1951 e 1954, João Goulart, entre 1961 e 1964 e Dilma Rousseff, entre 2014 e 2016, sofreram pressões políticas violentas, depois que, após aplicarem medidas político-econômicas relativamente conservadoras, tentaram avançar nas propostas progressistas.
Com Lula, vai ser a mesma coisa, só que com intensidade ainda pior.
Ele vai começar cumprindo a agenda da direita moderada com a qual negociou, mas quando se achar na vontade de ousar com suas propostas progressistas, o golpe será acionado contra ele.
Isso é o que me aflige, quando vejo as páginas de esquerda com um triunfalismo cego e arrogante, rindo da terceira via e de Bolsonaro, em vez de admitir que adversários também podem ser muito fortes.
Num dado momento, Lula até admitiu que Bolsonaro está firme. Em outro momento, Lula falou da necessidade de se eleger um Legislativo de esquerda, para respaldar o Executivo e permitir a realização de projetos e medidas políticas progressistas.
Mas, descontados esses momentos de lucidez, o que se vê é um Lula que pensa que está tudo bem no Brasil. Ele não adota uma postura realista de dizer que "estamos em dificuldades". Em vez disso, ele prefere dizer que "o Brasil viverá a melhor fase de toda sua História".
Não, não vai. As florestas estão queimadas. A cultura está sucateada. a economia vai mal. As riquezas naturais brasileiras são vendidas para gringos. Os direitos trabalhistas foram cancelados. Feminicídios e pistolagens dão o tom da necropolítica vigente há décadas no Brasil.
Como é que vamos ter uma "ótima fase"? Porque cantores canastrões de vozes afetadas tipo Whitney Houston, como Ivete Sangalo e Alexandre Pires, cantaram uma cover de Ivan Lins num programinha de TV?
Ou porque as videocassetadas e a memecracia garantem a felicidade plena dos brasileiros, que ainda por cima têm um "médium" vigarista e reacionário promovido a "herói da Pátria"?
Estamos em tempos distópicos e frágeis. Provavelmente nos livramos do tsunami do Cumbre Vieja, mas as tempestades de areia transformam o Centro do Brasil num inferno.
Dentro da "bolhinha" do Instagram está tudo às mil maravilhas, todo mundo interagindo, produzindo postagens, botando frasezinha motivadora, fotos antigas de passeio turístico, festa de aniversário etc.
Mas fora dessas "cavernas digitais", a realidade é crua e pesada.
E ver que nem as esquerdas nem Lula percebem isso é triste.
Lula está se envolvendo numa armadilha, e a vitória eleitoral dele pode ser uma vitória de Pirro, fazendo ele o papel de "Jair Bolsonaro da esquerda", no sentido da campanha hostil que enfrentará já em 2023, no caso de ser eleito presidente.
Lula não é o pacificador. Ele é o acirrador de conflitos. a fúria antipetista irá despertar com uma intensidade que nunca, na História do nosso país, se observou sequer nos piores momentos do governo Dilma.
Para mim, Lula não está em 2002, não dá para reviver esse tempo. A crise brasileira hoje é pesada, a tragédia idem. A tragédia da Plataforma P-36 da Petrobras matou 11 pessoas. A da Covid-19 está perto de matar 600 mil.
E tivemos outras tragédias, como as ambientais de Mariana e Brumadinho. E as tragédias feitas aos poucos, através de feminicídios, pistolagens, brigas familiares, mortes de moradores de rua, de LGBTQIA+, de negros e índios pobres etc.
Com os dados do senso apontando 213 milhões de brasileiros, a turma da necropolítica fica possessa e investe no extermínio gradual da população, usando até mesmo valores morais supostamente nobres, como ocorrem na pistolagem, em relação à Propriedade, e o feminicídio, em relação à Família.
Isso tudo ocorreu em 2002, mas hoje ocorre de maneira mais desafiadora e inescrupulosa.
Estamos num período muito ruim para Lula sair dizendo que "o Brasil vai ser feliz de novo".
Daí que não voto em Lula. Por respeito a sua história. Porque não quero ver ele levando surra da oposição e sendo golpeado no começo de alguma medida política mais progressista.
Deixemos a República para a terceira via, que participou do golpe de 2016, e que tem que cuidar do "bebê" que criou.
O Brasil não vai melhorar mesmo de vez, porque os estragos dos últimos anos foram muito grandes.
O pior para as esquerdas e para Lula será sonhar demais e acordar num pesadelo real. Esta é a minha preocupação e minha decisão em não votar em Lula em 2022.
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