Vivemos numa época de passagem de pano aqui e ali. Embora os tempos atuais confundam complacência com imparcialidade, subordinação com respeito, não é difícil enxergar a existência de interesses em jogo.
Em seu perfil no Instagram, Ivan Lins é mais um exemplo de como passar pano é uma tentativa de obter vantagens ou evitar algum declínio.
Ivan Lins continua firme em sua carreira, mas não tem o cartaz de mídia de antes. Se mantém em boa forma musical e continua produzindo as canções como sempre.
Mas ele, como tantos outros nomes da MPB autêntica, precisa elogiar nomes comerciais do momento, para ver se, através desses ídolos, volta a ter o cartaz dos tempos em que colocava músicas em trilhas de novelas da Rede Globo (que, aliás, chegaram ao fim).
E aí vemos Ivan Lins elogiando dois dos maiores canastrões musicais dos últimos tempos, Ivete Sangalo e Alexandre Pires, por conta da interpretação de uma canção de Ivan, "Lembra de Mim", com letra de Vítor Martins.
Veja o que Ivan escreveu, com desnecessário entusiasmo, sobre os dois crooners da música brega-popularesca:
"Que maravilha. E que honra! Ivete e Alexandre Pires - duas grandes vozes do nosso país - cantando "Lembra de Mim" (música minha e de Vitor Martins) no #MusicaBoaAoVivo. Se eles me pedissem uma música, eu fazia umas 15. Como acontecia quando Elis me pedia música. Mas só mandava uma, pra não confundir. Depois, com a Simone, Nana, a Fafá, a Leila, a Leny, a Gal... Nunca saía uma só. Eu era muito prolífico. Algumas dessas ainda tenho guardadas no meu cofre de pérolas.. rsrs".
Menos, menos, Ivan. Mas entendemos bem rasgar a seda de um pano bem passado.
Afinal, é a alma do negócio. Não são os ídolos popularescos, que sempre fazem sucesso, que são os "injustiçados". Injustiçada é a MPB, que em toda sua história sempre quis negociar com os ídolos brega-popularescos duetos ou regravações visando ingressar no fechado espaço destes.
Oficialmente, Ivete Sangalo e Alexandre Pires são incluídos no elenco de nomes medíocres dos anos 1990 que agora são chamados de "geniais". São os pseudo-sofisticados do brega-popularesco.
Só que, prestando atenção nessa dupla, eles são apenas adeptos do oversinging, aquela forma afetada de cantar, forçadamente emocional e cheia de firulas vocais, em que o cantor parece que está gritando.
Portanto, é uma sofisticação musical postiça, falsa, feita mais para as elites, para a burguesia consumir e para a crítica musical "isenta" ficar passando pano, nesse Brasil flanelinha de hoje.
E para quem não gostou destes comentários realistas, devemos nos lembrar que, no passado, tivemos realmente exemplos de cantores e cantoras grandiosos.
Posso destacar um cantor e uma cantora: Agostinho dos Santos e Elizeth Cardoso.
ELIZETH CARDOSO E AGOSTINHO DOS SANTOS EM 1958.
Agostinho dos Santos era de uma elegância vocal surpreendente e muitíssimo rara.
Sua intensidade no canto não pode ser confundida com oversinging, porque este é uma linha de montagem, ao passo que a voz de Agostinho dos Santos era realmente emotiva.
Agostinho dos Santos é conhecido por sucessos como "Balada Triste", e seu canto era o complemento perfeito para os arranjos orquestrados das canções gravadas por ele.
Outra façanha de Agostinho dos Santos foi ajudar o jovem Milton Nascimento a se lançar na carreira musical, apresentando ao mundo outro grandioso nome da nossa música.
Elizeth Cardoso também teve o mesmo dom, e era uma das mais elegantes em performance e voz, e foi através dela que João Gilberto ganhou fama tocando na versão que ela interpretou de "Chega de Saudade".
Elizeth e Agostinho não eram necessariamente bossanovistas, no sentido de integrar o movimento, mas quando gravavam canções bossanovistas, o faziam com honra, competência e espontaneidade impecáveis.
A memória curta das pessoas, infelizmente, não consegue enxergar a qualidade musical como se devia.
E vivemos uma época em que o sucesso comercial é tudo, apesar de ninguém assumir que isso tudo é comercial, é negócio, como se vê em Ivete Sangalo e Alexandre Pires.
Hoje em dia, o que vemos é a "fábrica de cantores" dos reality shows musicais, que não se pode comparar aos concursos de rádio que houveram no passado.
Isso porque os intérpretes iam muito além da função de crooners e, por mais que a indústria exercesse sua influência, os cantores e cantoras ultrapassavam seus limites.
O que não acontece hoje, em que o comercialismo é tão grande que os brasileiros se comportam como pessoas pequeninas que, estando sob as pernas de um gigante, pensam que o gigante não existe.
Daí que o comercialismo musical de hoje se tornou tão grande que as pessoas não percebem isso. E é triste ver a arrogância dos internautas de hoje, que acham que seus ídolos do momento são anti-comerciais.
Fica aqui meu lamento em relação ao comentário de Ivan Lins.
Comentários
Postar um comentário