As esquerdas lulistas nunca lutaram para reconquistar os espaços que perderam em 2016.
Se iludiram com o parquinho digital das redes sociais, onde os adeptos de Lula estão acostumados a só se comunicar entre si dentro da caixinha digital.
Iludidos com as próprias concordâncias e com o falso protagonismo nas bolhas digitais, movidas à confortável memecracia, os lulistas acham que estão vitoriosos.
Na caverninha onde vivem, eles não lutam para uma reconquista real dos espaços perdidos, mas superestimam as pequenas brechas que minimizaram os infortúnios que Lula sofreu entre 2016 e 2020.
As esquerdas estão iludidas com as pequenas brechas que a direita moderada deu a Lula e, arrogantes, acham que estão ganhando tudo, quando na verdade a vitória que imaginam simplesmente não existe.
É um erro estratégico que vai cobrar o preço muito caro, mas as esquerdas, olhando só para seus umbigos, se enlouquecem só de ouvir falar o termo "terceira via".
Colhi dois exemplos de como as esquerdas estão contaminadas com esse triunfalismo cego.
Um é o historiador Fernando Horta, que precipitadamente disse em um artigo no Brasil 247 que "Ciro hoje está no caixão".
Com uma arrogância que reflete o clima de "já ganhou" das esquerdas, Fernando Horta escreveu:
"Em momentos de polarização não sobrevive quem está no centro. Ou você está do lado das forças que elegem Luiz Inácio Lula da Silva ou você está do outro lado. Não existe terceira via".
Ora, a terceira via nem começou a se formar, nem estamos na campanha presidencial ainda.
Que moral tem pessoas como Fernando Horta e tantas outras de dizer que os adversários "não existem" meses antes da competição começar?
Outro comentário partiu da jornalista Cynara Menezes, em outro artigo publicado no Brasil 247.
Também guiada pelo triunfalismo de Lula e pela tendência geral dos lulistas não suportarem críticas a Lula, Cynara escreveu o seguinte texto:
"Os adversários do PT dizem que o partido “não aprendeu” com tudo o que sofreu nos últimos anos – “mensalão”, golpe contra Dilma, prisão de Lula, derrota para a presidência em 2018… Mas estes mesmos adversários agora abraçam como “estratégia eleitoral” atacar o ex-presidente o tempo todo como forma de decolar nas pesquisas de opinião. Ou seja, em vez de divulgar ideias e propostas, rebaixam o nível do debate político com o mesmo antipetismo descerebrado que nos trouxe até aqui. Quem foi mesmo que não aprendeu a lição?
Focar campanha política em ataques ao melhor situado nas pesquisas é uma espécie de derrota antecipada da tal “terceira via”. (...)".
O problema é que quem não aprendeu a lição com tudo o que sofreu nos últimos anos foi o próprio Lula.
Respeito o Lula como pessoa e até figura política, mas me decepcionei com ele porque eu esperava dele uma figura enérgica e não a pessoa que se tornou achando que tudo está bem.
Eu esperava que Lula reconhecesse que o Brasil está despencando do abismo, que já teve duas ameaças de golpe de Jair Bolsonaro, que sofreu os efeitos nefastos do golpe contra Dilma Rousseff e dos governos Michel Temer e Bolsonaro.
Esperava que Lula, em vez de dizer que "o Brasil vai viver a melhor fase de sua História", pelo menos fosse realista e dissesse "Ainda não vamos melhorar, desde 2016 o Brasil sofreu retrocessos e darei tudo de mim para botar o país nos eixos, sem garantir melhoras a curto prazo".
Esperava que Lula comandasse as passeatas constantes do povo brasileiro para pressionar o Congresso Nacional a derrubar Bolsonaro, tínhamos um período inteiro de maio a julho para derrubar o presidente, com protestos de verdade, greves e outras formas de pressão.
Em vez disso, o que tivemos? Desde quando o tal Movimento Fora Bolsonaro, comemorando o 19 de Junho, sucumbiu à paumolescência de marcar um novo protesto para a data distante de 24 de Julho.
O pessoal se esqueceu até do 26 de Junho, no qual aderiram em última hora, meio a contragosto, porque prefeririam ficar em casa brincando de memecracia nas redes sociais.
E isso é vexaminoso, pois os vovôs e vovós que foram estudantes em 1968 foram para as ruas protestar contra Bolsonaro e celebrar o 26 de Junho, que foi o dia da Passeata dos Cem Mil, o maior protesto contra a ditadura militar, ocorrido há 53 anos.
Se os vovôs e vovós, remanescentes daqueles jovens de 1968, foram para as ruas, para que os filhos e netos teriam que ficar em casa postando memes nas redes sociais ou tricotando entre si, celebrando um protesto da semana anterior com vídeos repetidos nesses espaços digitais?
As esquerdas lulistas estão com ciúme de Ciro Gomes, que pode ser até um dos políticos mais criticáveis do país, mas que neste caso atuou com muita prudência e coerência.
Ciro Gomes já foi temperamental, teria influenciado a então esposa Patrícia Pillar a exaltar o brega reaça Waldick Soriano - que, aviso aos navegantes, nunca foi o ídolo da moçada vanguardista Zona Sul da Ipanema dos anos 1970-1980 - e estar se aproximando da direita política.
Mas, de repente, no contexto da complexa realidade de hoje, Ciro Gomes passou a estar mais preparado do que o próprio Lula.
Vejamos o que ele disse, primeiro numa postagem no seu perfil no Twitter:
"Será que Lula tem condições de governar bem hoje em dia? Digo isso porque ele não renovou as suas ideias nem aprendeu com os seus erros. É só ver que ele está se juntando com os mesmos de sempre, incluindo aqueles que derrubaram Dilma".
No vídeo, Ciro Gomes reforçou a mesma ideia, com uma pequena variação nas palavras:
"Lembre que o Brasil mudou muito e Lula não renovou as ideias. Será que ele se corrigiu e não vai repetir aqueles erros terríveis que você só descobriu depois? O pior é que você nunca viu ele pedir perdão pelos erros e está vendo ele se juntar de novo às mesmas pessoas".
Neste caso, as esquerdas lulistas é que perderam a cabeça e partiram para a grosseria e para a arrogância profundas.
As esquerdas estão com medo, porque não toleram enfrentar adversários, não aceitam o debate verdadeiro e ficam atacando a "terceira via", que nem ainda nasceu e já estão julgando morta.
A falta de engajamento, a falta de autocrítica, a ilusão de quem só vive na memecracia das bolhas digitais faz com que os adeptos de Lula percam a cabeça e não aguentem sequer críticas a uma única tosse que o petista der numa entrevista.
Lula está preso em 2001-2002 e discursa como se o golpe político de 2016 não tivesse acontecido.
E aqui cabe uma crítica a Cynara Menezes e outros de ideias similares.
Quem não aprendeu com o golpe de 2016 foi o Lula, que foi pedir apoio a seus carrascos, como Romero Jucá e Edison Lobão, a políticos fisiológicos como José Sarney e ao "homem de Michel Temer", Eunício Oliveira.
Gente que se empenhou em tirar Dilma Rousseff do poder e contribuiu para que Lula fosse preso.
Os golpistas de 2016 não se limitam a políticos "amadores" como o Movimento Brasil Livre (ou Movimento Me Livre do Brasil), a Sérgio Moro, Deltan Dallagnol, Eduardo Cunha e Jair Bolsonaro.
O presidente Bolsonaro, aliás, não criou o golpe de 2016, não foi roteirista desse drama político, mas apenas um de seus atores. E foi o maior beneficiado do processo.
No entanto, devemos nos lembrar que o MDB foi o partido que atuou fortemente pelo golpe, derrubando sem escrúpulos a presidenta Dilma. Lula se esqueceu disso?
As esquerdas não conseguem explicar por que Lula foi articular alianças com os golpistas de 2016.
Preferem agir com a baixaria que acusam haver nos outros, como na Projeção Psicológica freudiana.
As esquerdas não têm um pingo de autocrítica, e por isso Lula (junto a seus adeptos) pode estar cultivando, mesmo sem querer, sua futura e vergonhosa derrota política, apostando num triunfalismo cego, arrogante e intolerante.
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