Corre nos círculos esquerdistas que a ex-presidenta Dilma Rousseff foi alvo de impeachment por ter sido mulher. É a tal tese da misoginia política.
Embora a tese possa fazer sentido pelo ponto de vista identitário, ela não condiz à realidade.
Vejamos. Se Janaína Pascoal, por exemplo, governasse o país, não haveria chance de impeachment. Janaína é mulher, mas ela agrada as elites neoliberais.
O que tirou Dilma do poder foi o mesmo motivo de João Goulart, 52 anos antes.
Tanto Jango quanto Dilma começaram conservadores, ele na fase parlamentarista, ela acolhendo em sua equipe o neoliberal Joaquim Levy.
Quando tentaram avançar, Jango impondo limites à remessa de lucro das empresas estrangeiras instaladas no Brasil, Dilma na recusa de passar pano nas tramas corruptas do deputado Eduardo Cunha, foram golpeados.
Em ambos os casos, falsos esquerdistas apareceram para bagunçar o coreto: Cabo Anselmo, com a "revolta dos marinheiros", e Rômulo Costa (Furacão 2000), com o "baile funk" de quinta coluna em Copacabana, Rio de Janeiro.
Dilma também tentou avançar com as conquistas para trabalhadores e mulheres, sancionando a "lei do feminicídio", que transformava esse crime como "hediondo", e determinando direitos trabalhistas para as empregadas domésticas.
Jango havia avançado com o plano de reforma agrária que iria começar com terrenos localizados à beira de rodovias em todo o Brasil.
E aí a burguesia não gostou dessas medidas e, em seus respectivos tempos, 1964 e 2016, tiraram os governantes do poder.
Mas por que as esquerdas, hoje tão iludidas e alucinadas, adotam a tese da misoginia?
Talvez seja para minimizar o teor político do golpe. Hoje Lula faz acordos com políticos que derrubaram Dilma em 2016, sob a desculpa de "recuperar a democracia".
Daí que nada como minimizar os efeitos do golpe de 2016, um termo reivindicado pelas próprias esquerdas, mas que hoje elas tratam como uma mera letra morta.
As próprias esquerdas mudaram sua narrativa quanto ao golpismo de 2016.
Hoje o golpismo de 2016 é atribuído apenas a pequenos agentes do reacionarismo sócio-político: Sérgio Moro, Deltan Dallagnol, MBL, Eduardo Cunha, entre outros de menor expressão.
Os "peixes grandes" do golpe de 2016, como Fernando Henrique Cardoso, José Sarney e vários emedebistas como Romero Jucá, Geddel Vieira Lima e Edison Lobão, e o pessedista Gilberto Kassab, foram isentos da nova narrativa.
É mais ou menos o que ocorre quando a vidraça da casa de alguém foi apedrejada. Os líderes da gangue planejaram isso, mas os membros menores executaram e passaram a levar sozinhos a culpa.
E é isso que faz de Lula a figura política mais decepcionante, na minha opinião.
Eu adverti neste blogue que Lula não poderia se aliar com qualquer um que prometesse coisas como pagar a rodada de cerveja ou promover a paz mundial.
Lula não disse que não embarcaria no primeiro ônibus que se aproximasse a ele?
E aí eu vejo o quanto ele decepcionou, quando eu, em 2020, imaginava que ele seria, realmente, o grande líder a recuperar dignamente o nosso país.
Quando vi que Lula estava articulando com Eunício Oliveira e Romero Jucá, decidi não votar mais no petista, porque sei que isso vai dar problema.
Lula não vai cancelar os retrocessos do governo Michel Temer. Uma parcela de seus aliados não vai gostar. Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara dos Deputados, deu piti quando Lula falou que promete romper com o teto dos gastos públicos.
O golpe político aconteceu, os retrocessos foram devastadores - mas gradualmente introduzidos para evitar assustar a multidão - , mas as próprias esquerdas se esquecem disso.
É triste ver que mesmo a luta legítima de parlamentares como Gleisi Hoffmann, Paulo Pimenta, Paulo Teixeira, Lindbergh Farias, Wadih Damous e outros foi esquecida pelas próprias esquerdas.
Hoje se passa pano nos golpistas do MDB e outros partidos direitistas, que não vão aceitar fazer o papel de degraus para a volta presidencial de Lula, porque querem algo em troca.
A acusação de que Dilma Rousseff foi deposta pela misoginia política e que o golpe de 2016 foi articulado por "um bando de moleques" serve para que a velha política fisiológica do MDB e similares seja consentida pelas próprias esquerdas.
Desta forma, as esquerdas imaginam que voltarão a 2002. Mas encontrarão uma época bem mais complicada e turbulenta em 2022.
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