Pode parecer estranho. Eu torci para o Lula Livre, para a absolvição das acusações da Operação Lava Jato, para Lula ter seu caminho para a volta à Presidência da República liberado e, de repente, não vou votar nele.
Contradição? Não.
É porque eu junto as peças do quebra-cabeças do golpe político de 2016.
Vejamos. Dilma Rousseff foi expulsa do poder, Michel Temer implantou medidas antipopulares e retrógradas, Jair Bolsonaro foi eleito e o Brasil está à beira de uma catástrofe em todos os sentidos.
Só que o problema é que o comportamento de Lula ficou tranquilão, e isso me decepcionou bastante.
E olha que, pouco tempo atrás, Lula parecia muito lúcido e coerente. Ele parecia uma voz realista e sensata nas esquerdas brasileiras.
Mas, de repente, o próprio Lula desandou.
Com o Brasil em decadência, devido às atrocidades cínicas de Temer e Bolsonaro, Lula parece que vive no país da fantasia.
E aí vejo o quanto Michel Temer foi esperto: deixou para as esquerdas um parque de diversões que são as redes sociais, para o pessoal brincar de fazer revolta com a memecracia e as tricotadas dos esquerdistas entre si.
Não precisa censurar mais a Internet, é preciso somente infantilizar os internautas. Assim como não é preciso proibir a leitura de livros, basta priorizar o foco nas obras analgésicas (auto-ajuda, religião, ficções de fantasia, dramalhões juvenis, diários de influencers etc).
Se é possível imbecilizar, para que proibir, não é mesmo?
E aí vemos as esquerdas presas em seus "brinquedos culturais": funqueiros, "médiuns", mulheres-objetos, cancioneiros bregas, craques de futebol da moda, todo este imaginário lúdico da centro-direita que o pensamento desejoso esquerdista sonha que vai provocar uma revolução marxista no Brasil.
Para que brigar com a realidade? Basta impor o pensamento desejoso, sob a desculpa de que a esperança tranquiliza e, em tese, irá se impor um dia à realidade crua e cruel de hoje.
E isso criou um quadro em que as esquerdas foram dominadas pela classe média identitarista e, por isso, as causas trabalhistas são vistas como "apenas um detalhe".
Daí que veio toda uma esfera de ilusão. Com os braços cruzados, as esquerdas acham que estão vitoriosas, por causa de algumas pequenas batalhas que Lula não necessariamente ganhou por esforço próprio, mas por brechas feitas pela direita moderada.
Exemplo disso é o Supremo Tribunal Federal, antes a guarita jurídica do governo Temer, que anulou as acusações que a Lava Jato havia feito contra Lula, incluindo os casos do triplex do Guarujá e do sítio em Atibaia.
Trata-se apenas de uma concessão. Houve até esforço admirável, por parte dos advogados de Lula, como Cristiano Zanin e sua esposa Valeska, para derrubar a Lava Jato. Mas o STF, que resistiu a tudo de início, só aceitou por questões de conveniências.
Mas foi apenas isso.
As pesquisas eleitorais são apenas especulações das quais não se sabe quem ou quantos foram entrevistados e se realmente houve entrevistados.
Joga-se, ao vento, que Lula "ganha em todas as simulações da corrida presidencial" e que ele "é o único candidato com chances reais de ser eleito", sem que houvesse algum fundamento por trás disso.
Apesar disso, as esquerdas saíram pirando e elas se acham vencedoras "de qualquer maneira".
Não é assim que se comporta. E fico triste quando as esquerdas cruzam os braços, se acham vitoriosas, vivem no clima de "já ganhou" e ainda reagem com muita arrogância.
Ficam fazendo chacotas com Jair Bolsonaro e, principalmente, com a Terceira Via. E gente muito boa da imprensa progressista anda surfando nessa onda perigosa.
A campanha presidencial nem começou, Lula nem registrou sua candidatura no Tribunal Superior Eleitoral, e as esquerdas acham que o petista está eleito.
E Lula não está sendo estratégico. Faz aliança com golpistas, mas acha que seu projeto de governo sairá intato. Lula faz o que quer, diz o que quer, se alia com quem quiser, mas não consegue ter um mínimo de cuidado, de prudência, de cautela.
Lula vai para a mídia coronelista do Nordeste dar entrevista, e depois afirma que vai fazer regulação da mídia.
O Brasil está caindo no abismo, e Lula não lidera protestos de rua de verdade, manifestações como aquelas que ele, como líder sindical, fazia há 50 anos, com o agravante que, naquela época, havia o AI-5 da ditadura militar, e hoje temos uma democracia frágil, mas ainda formalmente preservada.
Lula fala como se estivesse em 2002 e ele mesmo subestima as dificuldades que os brasileiros vivem hoje em dia.
Ele deve se esquecer que, entre outras tragédias, o aumento da população de rua aconteceu nos últimos anos. Sozinho, Júlio Lancelotti não pode resolver esse problema doando alimentos. E não seria melhor uma política habitacional para acolher tanta gente?
Mas para as esquerdas que acham lindo viver em favelas - um antigo problema habitacional contestado por especialistas sérios e de competência técnica indiscutível - , tanto faz viver e morrer num barraco caindo aos pedaços ou num calçadão sujo, sob riscos de tiroteios da polícia ou de pistoleiros.
Por isso ando desapontado com Lula. E vou votar na Terceira Via.
Por que vou votar na Terceira Via, se ela não fará muito pelo povo brasileiro?
E Lula, com as alianças que faz, inclusive com o "homem de Temer", Eunício Oliveira - que "namora" o Capitão Wagner, aliado de Bolsonaro - , vai fazer alguma coisa? Não vai.
Lula vai ser como João Goulart na fase parlamentarista ou como Dilma Rousseff no começo do segundo mandato, que, é bom lembrar, foi abreviado pela metade por causa de um golpe.
Esse golpe aconteceu e o MDB, do qual Lula negocia apoio, foi o principal responsável.
E Lula vai logo negociando com os golpistas, como um galo de briga negociando com as raposas para salvar o galinheiro.
Lula governará castrado e impossibilitado de levar adiante aquilo que há de melhor no seu projeto político.
Os aliados mais conservadores não vão deixar Lula fazer regulação da mídia, romper o teto de gastos públicos, taxar impostos dos ricos, revogar a reforma trabalhista, recuperar a Petrobras - hoje praticamente um cadáver sangrando petróleo para fora do país - etc.
Vai ser como Jango e Dilma e, em certos aspectos, como Getúlio Vargas no segundo governo. Lula fará um governo inicialmente conservador, para agradar o mercado e frustrar as esquerdas, depois vai ousar e será alvo de um violento golpe.
Não estamos vivendo um bom momento. O Brasil não está vivendo uma boa fase, está politicamente fragilizado, culturalmente sucateado e quem acha que "tudo está bem" é o pessoal da "classe média de Oslo" e do semi-proletariado emancipado dos suburbanos "de bem com a vida".
Desse semi-proletariado se incluem desde subcelebridades e ídolos popularescos em geral até ex-pobres que ingressam na classe média através do envolvimento em ONGs e nos chamados "coletivos sócio-culturais".
Mas fora esses 33% de brasileiros prósperos, que dão a falsa impressão de que o Brasil virou a sucursal do Paraíso, o resto sente a realidade cruel de um Brasil distópico e à beira de uma catástrofe.
E aí eu vejo que a Terceira Via pode ser até relativamente melhor do que Lula. Por mais incrível que isso possa parecer.
Afinal, as elites não se sentirão tão incomodadas com um terceiro-viável como se sentiriam com Lula. E Lula terá seu governo sabotado 24 horas por dia, com a oposição e mesmo os aliados de direita pegando no pé para o petista não realizar grandes façanhas.
Enquanto Lula será forçado a fazer um arremedo de "terceira via", sendo obrigado a se limitar a vender o Auxílio Emergencial como "a salvação da Pátria", como um suposto programa de rentismo popular, o terceiro-viável poderá ousar um pouco mais, dentro de seus limites ideológicos.
Isso porque, enquanto o Partido dos Trabalhadores acabou se tornando um partido mais dos identitários que dos trabalhadores, o que fará Lula encontrar dificuldades pesadíssimas em seu governo, o terceiro-viável poderá improvisar mais.
Os trabalhadores foram abandonados por Lula, tanto que hoje é a Terceira Via que cobiça mais os trabalhadores do que as próprias esquerdas.
As esquerdas abandonaram os trabalhadores porque foram dominadas pela classe média, que pensa que não precisa se dedicar ao proletariado porque pensa que o proletariado se dedica às esquerdas.
Só que as esquerdas se contradizem. Cultuam, entre os religiosos, um suposto "médium espírita" que defendia radicalmente a precarização do trabalho e apoiou abertamente a ditadura militar, e isso faz sentido para quem é desinformado, mesmo na classe média ilustrada.
Afinal, o povo pobre, o proletariado, não quer saber e até desconfia desses "médiuns" oficialmente tidos como "símbolos de caridade e amor ao próximo", mas que não passam de equivalentes mais antigos do filantropismo barato de Luciano Huck, tão fajutos quanto o atual apresentador do Domingão.
A Terceira Via está pronta a abraçar a lacuna que as esquerdas deixarem ao abandonar os trabalhadores.
Até confio na capacidade técnica de Lula, mas não acredito na sua possibilidade de se impor até mesmo aos neoliberais mais enrustidos.
Tudo tem limites e Lula pode fazer um governo ainda mais frágil em conquistas sociais do que os incipientes dois mandatos que teve, entre 2003 e 2010.
Daí esse meu clima de apreensão. De que adianta eu votar em Lula diante desse risco de que, se ele cometer um pingo de ousadia, ele será golpeado?
O golpe político de 2016 veio para ficar. E o Brasil está em situação tão decadente e à beira de uma tragédia que talvez a Terceira Via é que deva assumir o país em 2023. Até para cuidar do bebê que criaram em 2016.
Talvez já tenha chegado a hora das esquerdas pararem para verificar os seus erros e se limitar a atuarem na oposição.
Comentários
Postar um comentário