Sintam o drama. Num bairro da Zona Norte de São Paulo, familiares e amigos se reúnem para festejar de madrugada, se divertindo durante horas, pouco importando com o momento certo para parar. Tomam cerveja, tocam música do celular, contam piadas e dão gargalhadas.
Tudo parece muito bom se não fosse um detalhe: a diversão é abusiva. As conversas são em volume muito alto, muitas vezes a música tocada aumenta o barulho, já estridente, das pessoas rindo alto demais e de maneira tão histérica que beira à debilidade mental.
A coisa ocorre sem controle. A gritaria chega a ser aberta, até mesmo por volta das três horas da madrugada. Conversas íntimas são reveladas e até piadas relacionadas às vidas particulares são expostas sem o menor escrúpulo. Gargalhadas em coro, gritos eufóricos, tudo numa alegria tóxica.
Essas pessoas desprezam a necessidade do descanso humano. Devemos lembrar que a comunidade médica recomenda o sono durante a noite, porque ficar acordado de madrugada e compensar dormindo no período diurno não é eficaz para a recuperação do organismo, que mesmo com sete horas de descanso diurno não consegue ter o mesmo rendimento físico e psicológico do que se estivesse dormindo o mesmo período na noite.
Mesmo em vésperas de feriados ou nos fins de semana, muita gente precisa descansar durante a noite. Há gente que trabalha nos fins de semana e feriados. Há quem agendou uma viagem cujo embarque acontece bem cedo. Há quem goste ou precise fazer caminhadas às seis ou sete da manhã. Nem tudo é folga nos sábados, domingos e feriados.
Mas, nesses tempos confusos de hoje, as pessoas passam pano nesse hábito da elite do bom atraso transformar as madrugadas num inferno de muita gritaria, risadas debiloides e piadas íntimas que possibilitam a vizinhança incomodada com esse barulho conhecer detalhes dos ruidosos moradores.
Quem não mora ao lado desses vizinhos barulhentos pensa que é mole dormir tranquilo ao som de um barulho desses. O Brasil tornou-se o país da complacência, das passagens de pano. Só que há uma grande diferença, por exemplo, entre o barulho de um ensaio de escola de samba a 500m da casa, que não atrapalha o sono de quem precisa dormir, e uma vizinhança encostada na casa ao lado, que parece gritar nos ouvidos do coitado do morador.
Esse comportamento de pessoas atravessando a madrugada com tamanha grosseria festeira, portanto, é um reflexo dessa alegria tóxica que contamina nosso país, um efeito dessa ordem social que vem desde os ancestrais opressores do Brasil Colônia e República Velha até os golpistas de 1964, 1968 e 2016. Uma ordem social que finge ser boazinha hoje, se fantasiando de "esquerda democrática" ou de qualquer coisa que signifique "tudo de bom".
Só que vemos que a hoje autoproclamada "sociedade do amor" só quer consumo, festa, jogar comida fora, se entupir de cigarros e cervejas, ganhar demais para gastar tudo em supérfluos. Sem um pingo de consideração humana, essa "boa" sociedade, a elite do bom atraso, não quer saber do sofrimento do outro, das dívidas, do esforço de exercer um trabalho, e ainda perturba e impede o sono de quem precisa descansar para enfrentar mais uma jornada diária.
A elite do bom atraso é desumana. Quer tudo para si. Os outros é que aceitem os abusos da felicidade tóxica de quem esta bem demais na vida.
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