O Brasil atual, infelizmente, não consegue entender certas coisas e é preciso uma tragédia acontecer para que veja o pesadelo que chega depois do sonho. Nada menos do que mil pessoas teriam sofrido desidratação, proibidos de levar garrafas de água para o show da cantora estadunidense Taylor Swift no Engenhão, no Rio de Janeiro.
O pior é que, dessas pessoas, uma morte ocorreu. A vitima foi a bela jovem Ana Clara Benevides, de 23 anos, que estava na fase final do curso de Psicologia e, vivendo no Mato Grosso, junta dinheiro para pagar suas despesas e também juntou dinheiro para viajar até o Rio de Janeiro, depois de ter ganho o ingresso para ver a icônica cantora e compositora.
Ana Clara não resistiu aos efeitos da desidratação, numa época de temperatura abafada e intensa que atingiu vários Estados do Sudeste e do Centro-Oeste. Weiny Machado, pai da garota, desabafou em entrevista dada à Folha de São Paulo: "Perdi minha única filha, uma menina feliz e inteligente. Estava para se formar em Psicologia em abril, guardando dinheiro. Não tenho palavras para expressar minha dor. Saiu de casa para realizar um sonho e volta morta". A morte da jovem repercutiu na imprensa internacional.
No Rio de Janeiro, a sensação térmica era de 59º e os organizadores deveriam, sim, é oferecer bebedouros gratuitos para o público, uma dúzia deles. Em um clima desses, e até obrigação oferecer água de graça para a população. Além do fato de que deveria ser permitido levar garrafas de água para quem quiser. A produção prometeu, só depois de pressionada, que vai distribuir água de graça, mas Taylor remarcou data de seu show, vendo o problema do calor extremo.
Com o trágico incidente - é possível que, depois da edição deste texto, ocorram mais mortes - , o ministro da Justiça, Flávio Dino, manifestou pedido de investigação sobre a exigência dos organizadores do evento, que forçaram o público a comprar a água mineral vendida a preços exorbitantes se quiser matar sua sede.
O mercado de eventos ao vivo é bastante cruel, movido por empresários muito gananciosos. Isso fale tanto nos eventos internacionais de pop em geral quanto àqueles que, em parte, envolvem rock mainstream, quanto nos eventos popularescos.
Pode ser um concerto específico de um artista estrangeiro com algum nome nacional abrindo, ou um Rock In Rio, um Lollapalooza Brasil (que já impôs trabalho análogo à escravidão), uma Festa do Peão Boiadeiro ou um Festival de Verão de Salvador. Tudo visando o lucro exorbitante às custas da inocente diversão dos jovens. É o lado cruel do entretenimento festivo que se tornou a felicidade tóxica do Brasil sob o terceiro mandato de Lula.
É um mercado dominado por magnatas como Roberto Medina e José Camargo (o dono da 89 FM que é o chefão da elite empresarial paulista) e que alimenta uma mídia hipócrita e canastrona, incluindo as ditas "rádios rock" que baniram os microfones para os roqueiros, dando espaço para locutores sem intimidade com o rock que possuem um jeitão de animador de gincana. Ou alguém imagina que Zé Luís e Demmy Morales são diferentes dos Emílio Surita da vida?
Ana Clara estava fora dessa bolha da elite do bom atraso, como muita gente que, na boa-fé, tem que seguir o esquema, sem garantia de ser beneficiado com isso. Ela foi obrigada a encarar um ambiente onde tudo é caro, como camisetas, refeições, adornos etc, nem sempre com o conforto esperado, e mesmo assim tendo que fazer o papel que o mercado quer do público de eventos como este, pagando muito caro para se divertir vendo o ídolo que tanto gosta.
Até mesmo num evento comercial como o RBD, não houve esquema de segurança que prevenisse o arrastão que aconteceu em São Paulo, quando vários fãs do grupo vocal foram assaltados por ladrões na saída, perdendo celulares e outros bens que estavam em mãos.
Tudo isso mostra o pesadelo vindo depois de um sonho. É um Brasil que acha que pode se tornar país desenvolvido do nada. Que se ilude quando Lula se torna mascote dessa elite empresarial, agradando o Centrão, a frente ampla, a Faria Lima ou que nome aparecer da direita moderada, e prefere se promover com a desnecessária política externa do que ficar dentro do Brasil e priorizar a reconstrução nacional.
A bolha da elite do bom atraso, que não tolera senso crítico, quer acreditar a todo custo que tudo está bem no Brasil, até que sua negligência deixe morrerem pessoas inocentes como Ana Clara Benevides. É fácil acreditar num mundo de contos de fadas e achar maravilhoso o Rio de Janeiro ter temperatura de 40 graus para cima.
Quem vive no conforto e quer só ler textos alegrinhos na Internet não sabe o que está por fora da bolha, com pessoas pobres tentando viver, com pessoas endividadas pedindo ajuda, com pessoas abortando sonhos com tragédias repentinas, por tantos pesadelos vindos depois de sonhos natimortos.
O Brasil está distópico, mas a "boa" sociedade cheia de ilusões não quer saber disso. Seus patrícios vão chorar lágrimas de crocodilo com a tragédia de Ana Clara e, depois, voltam para sua cervejinha desidratante de todo dia rirem histericamente de suas piadas sem graça.
Ficam aqui nossos pêsames com mais uma vida maravilhosa tragicamente interrompida. E que respeitemos os familiares e amigos de Ana Clara, na dor desse momento difícil.
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