A CONVERSÃO DA POBREZA DE PROBLEMA A PRETENSA IDENTIDADE É UM DOS ASPECTOS DAS NARRATIVAS DA ELITE DO BOM ATRASO.
Como se pôde chegar à identificação da elite do bom atraso? Como foi possível discriminar uma elite social camuflada na multidão brasileira, se passando por "pessoas comuns", "gente como a gente", mesmo quando transmitem valores socioculturais bastante atrofiados?
Simples. É pesquisando os vários pontos de vista, os diversos aspectos desse pessoal que fala "portinglês", joga comida fora, cultua "médiuns" charlatães como se fossem "símbolos máximos da solidariedade", acham que "funk" é o "suprassumo do vanguardismo cultural" e consomem futebol, cerveja (cultuada como se fosse um néctar divino, mas bebida como se fosse água encontrada no deserto) e mídias sociais com um apetite desmedido em relação a qualquer parte do mundo.
É um comportamento peculiar de uma classe média abastada que praticamente "privatizou" a vida humana: se acha dona da verdade, do futuro, dos vivos, dos mortos, dos pobres, e até mesmo do mundo, esperançosa para que Lula, além de trazer, para si, o Prêmio Nobel da Paz conquistado por viagens internacionais bastante supérfluas, a promoção do Brasil como "potência de Primeiro Mundo", um "país desenvolvido" de brincadeirinha, mero parque de diversões para a classe média abastada se sentir turista dentro do próprio país.
É uma classe média hedonista, festeira, alienada e irresponsável, que se acha "mais povo que o povo", sob a desculpa de que o povo pobre "não tem tempo para conhecer a si mesmo". A classe média abastada, com seus intelectuais "bacanas", é que se acha "dona dos pobres" a ponto de só ela aplaudir, em privativa unanimidade, a filantropia picareta (pilantropia?) de "médiuns espíritas" e o espetáculo da gourmetização da miséria através do "funk".
Do mesmo modo, é uma classe média abastada que se acha dona da razão que não tem. Só ela se acha "a mais legal do planeta". O resto é um bando de gente complicada, como nos países escandinavos, ou ingênua e principiante, como os povos africanos. Só a elite do bom atraso se acha "a mais esclarecida", "a mais divertida", "a mais vibrante", e é bem notável o complexo de superioridade que os brasileiros cheios da grana fácil demais exibem quando fazem turismo no exterior.
É um pessoal que não é necessariamente progressista, tornou-se "de esquerda" por pura espiral do silêncio. Nos últimos meses, se vende como a "sociedade do amor", mais para se opor ao ódio bolsonarista, já que a elite do bom atraso é tão egoísta, esnobe e temperamental quando os partidários do ex-presidente extremo-direitista.
Daí o esforço da elite do bom atraso de dissimular as raízes retrógradas. Seus ancestrais dizimaram tribos indígenas, escravizavam negros, destruíram florestas, impuseram o voto de cabresto, cometiam fraudes e roubadas diversas, acumularam fortunas sem necessidade, combateram Getúlio Vargas, João Goulart e, mais recentemente, Dilma Rousseff.
Surfando nas causas identitárias, graças ao contato com colegas nas faculdades e pelo fato de seus pais ou avós terem curtido o desbunde hedonista como escapismo festivo burguês na época da ditadura militar, a elite do bom atraso agora posa de boazinha e, no seu bom-mocismo atual, quer fazer o dever de aula e apoiar Lula incondicionalmente, a ponto de não suportar críticas ao atual presidente brasileiro.
É um comportamento específico, não se tratando do comportamento de todo o povo brasileiro. Uma elite que acha a pobreza "uma coisa linda", exaltando as favelas como paisagens de consumo e safáris humanos, não pode se confundir com os próprios pobres, não os "pobres de novela" mais próximos das comédias populistas da Globo Filmes do que dos dramas proletários ou camponeses do Cinema Novo, mas os pobres da tragédia da vida real.
Afinal, a elite do bom atraso é, antes de mais nada, a elite do atraso repaginada na "boa" sociedade, na "gente bem" pós-moderna e pós-tropicalista que alterna Moet Chandon com caviar com aguardente qualquer nota com angu, consumidos com gosto ao som do mais choroso brega dos anos 1970, um som que só é "vanguarda" nas mentes solipsistas dessa elite vira-lata, que sonha em ver seu atraso mental se sobrepondo até mesmo ao futurismo sociocultural de muitos países desenvolvidos.
Portanto, é uma elite vira-lata que, todavia, quer não só ter pedigree, mas se impor ao mundo. É uma elite do atraso que não admite que é atrasada, pois ela, se achando "dona de tudo", quer, com seu complexo de superioridade, comandar o planeta. Neste sentido, a "sociedade do amor" não abriu mão de suas raízes egoístas, megalomaníacas e autoritárias.
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