A classe média abastada que vive no mundo da fantasia e que não suporta ler textos questionadores, preferindo até mesmo pagar de trouxa do que se desiludir, mesmo diante de argumentos mais realistas e objetivos, não consegue entender a realidade e, por isso, sob o pretexto de manter a esperança e o otimismo, brigam constantemente com os fatos.
Daí que a falta de noção das pessoas, combinadas com a necessidade de manter um clima de positividade tóxica típicos do público do Instagram e do Tik Tok, verdadeiras armadilhas factuais enganam as pessoas que acabam vendo melhorias definitivas onde não existem, caindo no truque do "bom demais para ser verdade".
Mais uma vez uma promoção temporária num supermercado não creditado supostamente viralizou nas redes sociais por conta da venda de pedaços de picanha a R$ 24,90. Era a chamada "promoção relâmpago", dessas que duram cerca de dois minutos ou durante a oferta do estoque, que gerou tumulto dos fregueses pela razão óbvia de que, quando o preço fica mais barato, ainda que por pouco tempo, o pessoal corre direto para obter a mercadoria. Eu mesmo já vivi momentos assim, correndo para pegar um produto barato.
Só que a matéria, além de não creditar o supermercado - um grande lapso do fato jornalístico, e mais uma vez o "verdadeiro jornalismo" da mídia progressista ficou a dever uma pesquisa factual - , creditou a promoção temporária como se fosse uma "permanente queda de preços" proveniente de uma suposta política econômica do governo Lula. O vídeo se limitava a mostrar o internauta narrando o seguinte:
"A picanha minha gente. […] Bolsonarista pilantra, não baixou a taxa de juro, mas o Brasil vai dar certo mesmo sem você querer".
O internauta também alega que essa promoção é porque "Lula está agindo". A postagem, ao ser publicada por um perfil satírico "Pastor Mala", ainda cometeu o seguinte exagero: "O comunismo segue destruindo os preços da picanha no Brasil". Menos, menos.
Indo para o outro plano ideológico, o da direita, vimos a exagerada posição da cidade mineira de Uberaba, no Triângulo Mineiro, como "quarta cidade mais barata do Brasil", uma mentira tão descarada quanto dizer que a mesma cidade, que cultua um charlatão religioso dos mais deploráveis, tem praia.
Neste caso, podemos dizer que a cidade, um dos maiores redutos bolsonaristas de Minas Gerais, fez uma armação para enganar os jornalistas. Sabe-se que esta cidade mineira é um dos maiores produtores de gado zebu, considerado a espécie bovina mais cara do mundo, o que significa que a última coisa que se cogita é que Uberaba seja, de fato, uma das cidades mais baratas do Brasil. Até se ela estivesse, em vez da 4ª colocação, em 354ª ou 594ª, seria mais compreensível. Mas quarto lugar é fake news na certa.
Todo mercado que envolve um produto caríssimo que movimenta a economia local influi na cadeia de serviços e de comércio que não vão vender barato seus produtos. Se a cidade de Uberaba é um dos polos de gado zebu, com toda certeza ela não é a quarta cidade mais barata do Brasil. Nem em sonhos se pode cogitar essa tese. Faz mais sentido ela ser uma das cidades mais caras, num contexto em que até Salvador está entre as capitais mais caras do Brasil, ocupando o sétimo lugar.
A armação ocorreu da seguinte forma. Houve um período de promoções em alguns lugares estratégicos, alguns mercadinhos menores, algum comércio em bairros mais suburbanos, e talvez alguma oferta de hotéis e imóveis em baixa estação. Não são em todos os lugares, mas é tudo temporário e provisório. No período, a prefeitura municipal foi chamar a imprensa e inventou que os preços estavam baratos e os jornalistas acreditaram nessa lorota e dispararam a "ótima notícia".
A prefeitura que divulgou os supostos dados é politicamente aliada de Jair Bolsonaro e já foi denunciada por patrocinar um evento de escola de ensino médio que fez uma exposição com um estande de militares exibindo armas do Exército.
Enquanto isso, as páginas que divulgaram a "ótima notícia" sobre Uberaba costumam divulgar fake news, publicando também coisas como uma montagem de inteligência artificial em que a atriz Malu Mader aparece como uma idosa de 87 anos junto a "informações" de que Débora Falabella "tem" 79 anos e Rodrigo Lombardi, na verdade casado com uma mulher, "estar vivendo com um parceiro".
Há muitas armações e os interesses são estratégicos, principalmente políticos. Não se trata da chegada do paraíso dos preços baixos. Tratam-se apenas de episódios provisórios, verdadeiras pegadinhas que fazem com que a pessoa durma tranquila achando que vai embarcar nessas "promoções" a vida toda, sob a esperança permanente de preservar mais dinheiro no seu bolso.
E a pessoa, depois que acorda desse "lindo sonho dourado" da "realidade" que só ele e seus pares teimam em acreditar, surge a outra realidade, esta, sim, REAL, que lhes obrigará a pagar a conta bem mais cara do que suas emoções estavam preparadas a encarar.
Desse modo, tanto a picanha barata quanto a cidade barata se tornarão grandes miragens, e aquele dinheirinho que a pessoa imaginava não precisar gastar, em picanha, hospedagem, mercadorias e passeios, vai soar bastante pesado no orçamento inesperado. Tudo por conta de uma fantasia estimulada por falsas informações.
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