O mercado de trabalho no Brasil está tão decadente que, salvo honradas exceções, o critério que menos importa aos recrutadores e empregadores é o talento, a competência, a capacidade de fazer, ainda que latente. Digamos latente porque, em tese, pode ser que os melhores talentos não saibam de imediato fazer alguma atividade profissional, mas basta lhe ensinarem e, em poucos dias, o funcionário tira de letra melhor do que muito experiente de carteirinha e de Carteira de Trabalho.
A aberrante onda de "humoristas que se dizem jornalistas" foi um modismo gerado pelo "efeito CQC". Jornalistas e comediantes são diferentes categorias profissionais que sofrem um mesmo infortúnio por motivos específicos.
Os jornalistas perdem emprego pelo enxugamento da imprensa empresarial, que diminui seu quadro de repórteres e funde tarefas como a reportagem textual e visual (esta relacionada à fotografia ou à cinegrafia), com o atual repórter fazendo tanto textos quanto imagens.
Além disso, a demissão de gente experiente, mas bem paga, faz também com que a qualidade do jornalismo decaia, pois no lugar de pessoas com visão de mundo mais abrangente, se põe gente que, além de receber menos salário, tem um nível de compreensão do mundo mais recente, e, não obstante, mais distorcida dos fatos.
Os humoristas perdem emprego pelas pressões do politicamente correto e pela má repercussão de piadas preconceituosas que, antes, eram livremente expressas. Denúncias de abusos envolvendo comediantes se tornaram uma grande rotina, o que faz com que o mundo da comédia, que já sofre com uma porção de óbitos de humoristas de grande talento, que como mestres poderiam ensinar e inspirar os novatos, prevenindo-lhes de excessos.
Só que, enquanto quem é jornalista de talento tem que se virar como influenciador digital ou buscar outros trabalhos que vão de corretor de imóveis a vendedor de flores, passando pelo telemarketing, os humoristas decidem invadir outros setores profissionais e, se aproveitando das circunstâncias, procuram roubar dos jornalistas cargos que se relacionam com a Comunicação.
Com o "efeito CQC" que fez o humorismo virar um pretenso puxadinho da imprensa, o que fez com que o Pânico da Pan, da rádio Jovem Pan, virasse um arremedo de jornalístico, os comediantes correram para os cargos de Comunicação como pombos correndo atrás do milho.
Com atribuições como ser humorista de estandape - que, apesar da crise movida pelo politicamente correto, ainda é um filão em moda - e influenciador digital gozando de alta reputação no mercado, os empregadores acabam deixando para lá a busca de talentos em prol da contratação de gente que tem a habilidade de dizer, em tom de conversa e simulando descontração e desenvoltura na linguagem coloquial, coisas supérfluas ou banais.
O trabalho acaba sendo uma tarefa qualquer nota que faz com que até as tais "oficinas de ideias" deixem de ser oficinas, pois oficina é um ambiente de criação e o que influenciadores e comediantes fazem em prol da Comunicação é mais do mesmo, sendo apenas uma linha de montagem linguística: falar informalmente, com os gestos certos, com discurso direto, caprichando na linguagem coloquial, no senso de humor e naquela dicção rápida que se vê muito no Instagram.
Tem a moda de gesticular o dedo para indicar uma receita de comida ou dicas de Informática, enquanto efeitos de imagem e textos de legenda apresentam o problema e a solução ou anunciam a receita ou a dica específica. Mas isso é quando se trabalha com Comunicação oral.
E como ficam as análises de mídias sociais?
Simples. O comediante que inventou para o recrutador aquela mentira, digna de lorota de pescador, de que teria uma "longa carreira no Jornalismo", trabalhando em "todas as editorias" - algo difícil para um comediante de carreira - , apenas tem como diferencial emprestar seu prestígio, carisma e descontração, sem falar da aparência atraente - as comediantes com aparência de gatinhas e os comediantes bonitões com barbinha bem cultivada - , nada acrescentando à rotina das empresas onde trabalham.
A única diferença mesmo está nos intervalos pois, em vez daquele excelente profissional, batalhador e criativo, que fica quieto consigo mesmo nas pausas para o cafezinho, o comediante dublê de jornalista interage com os colegas, contando aquelas piadas do cotidiano que fazem os parceiros rirem.
O comediante pode ser um profissional mais ou menos, que não faz mais do que um pau-mandado de empresa é ordenado a fazer - embora com "catiguria", sempre usando uma linguagem direta padrão dos influenciadores, mesmo por meio de textos - , mas como ele é carismático, atuou num grupo humorístico de prestígio e tem boa aparência, ele empresta essas qualidades para a empresa, e pode ficar bem na foto, principalmente quando posa para fotos para as redes sociais.
Aí a gente fica pensando se os empregados agora são contratados para contar piadas nos cafezinhos, a pretexto de "agregação social" e de ter "espírito de equipe". Um bom profissional é aquele que pode fazer uma tarefa mais ou menos, mas que sempre aceita ver jogo de futebol com os colegas de trabalho ou ter uma capacidade de improvisar piadas durante o cafezinho com a "galera"?
Com tudo isso, perguntamos sobre o que está por trás da medíocre função de apenas alimentar as campanhas das empresas clientes repercutirem melhor nas redes sociais, que seria a função de um analista de mídias sociais. Será que o analista de mídias sociais, fora esse trabalho qualquer nota, estaria na verdade tendo mais empenho como piadista de comédias sociais, se destacando mais pelo cafezinho com os colegas do que pelo trabalho mais ou menos que exerce?
Neste país, como é trabalhoso arrumar trabalho, enquanto tem gente que não tem trabalho para arrumar um emprego. Não tem trabalho, mas precisa ter muita fala coloquial e muita piada para contar, neste Brasil feito um parque de diversões.
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