Desde que agentes da Polícia Federal foram autorizados por Rodrigo Janot, Procurador-Geral da República, a vasculhar as casas de vários acusados de envolvimento no esquema de corrupção da Petrobras, investigado pela Operação Lava-Jato, entre eles, o senador Fernando Collor de Mello, uma situação surreal aconteceu.
Outros envolvidos que tiveram suas casas vistoriadas foram Ciro Nogueira (PP-PI), o deputado Eduardo da Fonte (PP-PE), o ex-ministro e ex-deputado Mário Negromonte (PP-BA), o ex-ministro e senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE) e o ex-deputado João Pizzolati (PP). Buscas foram feitas em várias capitais, como Brasília, Maceíó, Salvador e Rio de Janeiro.
Por incluir Fernando Collor de Mello, conhecido ex-presidente da República, setores da esquerda brasileira adotaram uma situação estranhíssima de sutil solidariedade. Sob o pretexto de que o Senado Federal reclamava de não ter havido um mandado judicial de busca e apreensão, e que Collor dizia ter se oferecido para depor na Polícia Federal, a apreensão de seus bens foi repudiada por seus seguidores.
O próprio Fernando Collor fez, ontem, na plenária do Senado, um discurso furioso no qual se sentia "humilhado" e acusava o Poder Judiciário de "extrapolar" os limites institucionais do Estado democrático e da legalidade constitucional, além de definir o ato policial como "arbitrário" e como "invasão de propriedade".
Os bens e documentos apreendidos, entre eles três carros de luxo (Ferrari, Porsche e Lamborghini), foram encontrados na Casa da Dinda, conhecida residencia de Collor desde seus tempos de presidente, nas sedes da TV Gazeta de Alagoas, afiliada da Rede Globo e das Organizações Arnon de Mello.
Collor é acusado de receber propina no valor de R$ 3 milhões de um esquema montado por diretores da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras. O ex-presidente alega estar "limpo" e achou "estranha" a inclusão de seu nome na lista. Na sua página oficial do Facebook, o senador manifestou seu "veemente repúdio" à ação da Polícia Federal.
O DADO SURREAL
Fernando Collor é cortejado por setores da esquerda brasileira de forma tão estranha quanto o apoio dos estudantes do MR-8 ao falecido ex-governador paulista Orestes Quércia. Como se sabe, o MR-8 foi um grupo esquerdista estudantil surgido em solidariedade a Ernesto Che Guevara, morto em 08 de outubro de 1967, daí seu nome.
Afinal, não existe uma razão coerente para que o senador fosse tão admirado pelos esquerdistas a ponto de se trabalhar uma imagem de reabilitação do político, um esforço paralelo ao que a grande mídia já faz em relação aos valores e ícones dos anos 1990, a "década perdida" do Brasil.
O pano-de-fundo político de Collor corresponde ao do jovem direitista, que em inúmeros aspectos revela seu DNA conservador e sem qualquer inclinação natural às causas progressitas nem qualquer relação com os interesses das classes populares.
Sua origem política se deu pelo fato de seu pai, Arnon de Mello, ter sido um dos políticos destacados da direita alagoana. Arnon, juntamente com a mãe do senador, Leda Collor (filha do ex-ministro de Getúlio Vargas, Leopoldo Collor, que rompeu com o estadista), fizeram campanha contra João Goulart colaborando com o "instituto" IPES, financiado pela CIA.
Collor iniciou sua carreira política na ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e tornou-se um dos acionistas da TV Gazeta de Alagoas, que puxa um complexo midiático estadual que faz do político um dos poderosos barões da mídia local.
Elegeu-se presidente da República com uma campanha suja em que, no segundo turno, foi favorecida por uma manipulação da opinião pública feita pelo Jornal Nacional, que editou o debate final dele com seu então rival Luís Inácio Lula da Silva, de forma a dar falsa vantagem a Collor. Um ano antes a Folha de São Paulo e a Veja fabricaram o mito do suposto "caçador de marajás".
Como presidente da República, Fernando Collor adotou um receituário neoliberal, que naquela época enfureceu as classes trabalhadoras. Ameaçou privatizar as universidades públicas. E tudo isso fora a conhecida história do confisco das poupanças dos brasileiros.
Collor foi uma versão yuppie de Jânio Quadros (que, por ironia, faleceu durante o mandato do outro). Foi expulso do poder por um processo de impeachment que o proibiu de exercer direitos políticos por oito anos. Ao retornar à atividade política, foi cortejado por aqueles que antes o repudiaram, incluindo Lula e o antigo líder estudantil e hoje também senador, Lindbergh Farias.
Fernando Collor também simbolizou, em seu governo, a degradação sócio-cultural vivida no Brasil desde o tempo da ditadura militar e se tornou hegemônica com o avanço da bregalização por novas reservas de mercado, deixando à margem o nosso rico e arduamente desenvolvido patrimônio cultural brasileiro.
A bregalização é patrocinada por latifundiários, empreiteiros, multinacionais e pelo baronato midiático, mas a intelectualidade associada faz vista grossa. E Fernando Collor deu o pontapé inicial para essa fase totalitária, chamando "sertanejos" para comemorar sua vitória eleitoral.
Por isso, o apoio de setores das esquerdas a Fernando Collor de Mello pode ser um grande perigo, sobretudo quando o mercado e a grande mídia golpista tendem a forjar um "revisionismo histórico" dos anos 90, transformando a "década perdida" do país em "anos dourados", para atender aos interesses do empresariado associado.
Imagine lutar pela regulação democrática da mídia, recorrendo a esse barão midiático, como se ele pudesse garantir a representatividade plena dos movimentos populares no controle dos meios de comunicação? Seria como se as galinhas confiassem numa raposa para garantir a liberdade delas no seu meio.
Dessa forma, as forças progressistas cairão em perigosa armadilha, agravando a crise que elas vivem, e não resolverá o desespero de investirem no apoio a pessoas como Fernando Collor, porque, em vez de favorecer a visibilidade dos esquerdistas, propiciará o sucesso da burrice verborrágica dos ultrarreacionários que se promovem às custas dos erros cometidos pelas esquerdas.
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