Uma das mais recentes polêmicas envolvendo o "sertanejo universitário" mostrou a arrogância acima dos limites que os fãs do gênero têm diante das críticas, mesmo equilibradas, que se fazem ao mesmo. Ela envolveu a apresentadora e humorista Mônica Iozzi, ex-CQC da TV Bandeirantes e hoje no Vídeo Show da Rede Globo.
No dia de lembrança dos 25 anos de falecimento de Cazuza, Mônica Iozzi foi bastante simpática e fez um comentário bastante equilibrado e, por incrível que pareça, tolerante: "Ô pessoal mais novinho, vamos deixar o sertanejo universitário um pouquinho de lado. Vamos ouvir um pouquinho mais de Cazuza, pra gente ter um mundo melhor?".
Mônica Iozzi não proibiu as pessoas de ouvirem o tal "sertanejo universitário" - que na verdade NADA tem a ver com música caipira nem com cultura universitária - , mas mesmo assim o comentário mexeu nos neurônios dos temperamentais e fundamentalistas fãs do gênero, que resolveram fazer a sua "patrulha" na Internet.
Atitude mais radical foi da cantora Mônica Guedes, que, pelo jeito, usou o comentário de sua xará como trampolim para, reagindo com sua arrogância de fazer os irmãos Gallagher (ex-Oasis) parecerem querubins, chamar a apresentadora do Vídeo Show de "ridícula". Desespero da cantora em querer o sucesso nacional às custas de uma polêmica na qual quis sair como "dona da verdade".
Que o "sertanejo" tem fãs tão agressivos quanto os nazipunks, que não toleram uma vírgula escrita contra seus ídolos, isso é verdade. Teve fã de Zezé di Camargo & Luciano perdendo tempo usando o Orkut para perseguir quem estava participando de páginas contra a dupla. A "milícia talifã" perde o sono frustrada por seus ídolos não gozarem de unanimidade.
Faz parte. O "sertanejo", nome dado às deturpações da música caipira iniciadas pela geração de Chitãozinho & Xororó nos anos 80 e 90, é financiado pelo latifúndio que costumava resolver os conflitos de terra a bala.
Daí a "pedagogia" que faz com que muitos fãs de "sertanejo" sejam intolerantes às críticas. Afinal, o ritmo que eles curtem não é a oitava maravilha do mundo. Os fãs têm todo o direito de gostar desse tipo de som, só não tem é de esculhambar quem não gosta e faz críticas ao gênero que, admitamos, reduziu a música caipira a um reles pop comercial romântico ou dançante.
Infeliz foi Mônica Guedes que, com sua arrogância extrema, se autopromove chamando outra de "ridícula" e investe no "disco riscado" do discurso "anti-preconceito", num contexto em que as pessoas que se dizem "sem preconceito" são justamente as mais preconceituosas.
É fácil "não ter preconceito" contra o brega, seja "funk" ou "sertanejo", e aceitar tudo isso sem verificar, até de forma mais pré-concebida do que a rejeição resultante de observação. Fácil se passar por "sem preconceitos" aceitando o brega, enquanto comete preconceitos piores, contra a MPB autêntica injustamente classificada de elitista, velha e isolada.
"Patrulhas" desse tipo são típicas de gerações que, nascidas do final dos anos 70 para cá, tratam tudo que foi "estabelecido" pela política, pelo mercado, pela tecnocracia e pela mídia do entretenimento como "verdades absolutas". Daí que surgem sociopatas que não aguentam a menor crítica contra o que eles acreditam e valorizam.
Na música, temos desde "roqueirinhos" que ouvem a 89 FM (SP) e a Rádio Cidade (RJ) até fãs de "mulheres-frutas" (isso mesmo, há quem diga que elas são "divas da MPB"). Passam por medalhões do "sertanejo", do "pagode romântico" e da axé-music e de qualquer um que faça muito sucesso com menos nível de criatividade e talento possíveis.
A mediocridade que vira "verdade absoluta" só porque é sucesso na mídia e no mercado cria "patrulheiros" que espalham seu terror na Internet. Daí o caso de Maria Júlia Coutinho, a belíssima negra que foi esculhambada por uma "panela" de internautas sociopatas, os mesmos que se dizem "sem preconceitos" mas são preconceituosos quando alguém vai além dos estereótipos.
São as mesmas pessoas que acham que "mulher-fruta" é "a melhor expressão da mulher brasileira", e criam até alegações "poéticas" aqui e ali, citando "gingado", "paixão nacional" e outras palavras bonitas. Mas quando vem a Maju, inteligente e graciosa, ser uma exceção de competência dentro daquele faz-de-conta jornalístico que é o Jornal Nacional, o pessoal sai atacando.
Já vi e eu mesmo fui vítima de horrores desses internautas de QI medieval. Que tentam arrumar um discurso "bonito", dizendo-se "contra o preconceito", mas quando não conseguem convencer, fazem até blogues de calúnia e tudo.
Essas pessoas "patrulham" assim dessa forma tão violenta porque, no Brasil, a música comercial dos ritmos bregas sempre foi carregada de pretensiosismo, dessa vocação autoritária de ocupar os espaços dos outros sob o pretexto de manter seus próprios espaços.
O brega-popularesco nunca incomodou, até seus ídolos quererem mais reserva de mercado com a pretensão de estarem "a um passo da MPB". Eles querem invadir os espaços do rock e da MPB, em vez de se satisfizerem com os seus espaços, que já não são poucos.
Hoje o rock e a MPB é que perdem espaços, perdem mercado e tudo. E ainda há intelectuais "bacaninhas" que acham isso ótimo. Não temos mais rádios de rock autênticas no dial FM, e todo mundo tem que se virar na Internet (como a Cult FM.Com), se não quer ouvir as sósias da Jovem Pan FM e Mix FM fantasiadas de "rádios rock" que restaram na Frequência Modulada.
Quanto à MPB, enquanto intelectuais "bacanas" jogam pá-de-cal em cima em nome da tal "cultura transbraZileira", o brega-popularesco, comprometido apenas com a fábrica comercial de hits, ocupa cada vez mais espaços e mais espaços e ainda conta com a "patrulha" desordeira de uns fanáticos intolerantes.
A verdade é que não podemos sequer "escutar um pouco" de Cazuza, Legião Urbana e Elis Regina (e não falamos em Sidney Miller e Sylvia Telles) para crer num mundo melhor que os fãs dos "sucessos populares" caem de pau.
É é essa "galera irada" que permite a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro, Rodrigo Constantino e Eduardo Cunha e que impulsiona movimentos pela intervenção militar. Principalmente os fãs do "sertanejo" que representa o coronelismo musical brasileiro.
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