Pular para o conteúdo principal

ROCK BRASIL É REFERÊNCIA PARA COROAS E JOVENS


Os refinados coroas born in the 50s que, empresários, executivos ou profissionais liberais, mesmo casados com mulheres bem mais jovens, correm, isolados no seu tempo, no comodismo autista de brincarem de serem mais velhos do que são, consumindo apenas a trilha sonora dos anos 1930-1940.

Os jovens e jovens-adultos nascidos após 1978, presos na mesmice midiática e na degradação cultural do Brasil dos anos 90, fogem para as breguices que consumiram na infância dessa década ou para as infantilices cafonas que hoje são lembradas no Ploc 80's.

Mas, num momento ou em outro, coroas e jovens adultos acabam, como que atraídos por um imã, para o rock brasileiro dos anos 80. Mesmo a contragosto, senhores de 62 anos precisam se lembrar que a Legião Urbana de "Vento no Litoral" é a mesma de "Geração Coca-Cola" e os Titãs de "Epitáfio" são os mesmos de "Homem Primata" e "Aa Uu" (só para citar as cantadas pelo mesmo Sérgio Britto).

Os mais jovens, por sua vez, acabam descobrindo que os maiores nomes do Rock Brasil possuem bem mais do que o punhado de grandes sucessos (cerca de um ou dois por álbum) que as ditas "rádios rock" - na verdade rádios pop com vitrolão "roqueiro" que restaram no hoje decadente dial FM - e que havia mais bandas legais do que os medalhões que conheceram nos intragáveis anos 90.

Em dado momento, pais e filhos acabam ouvindo mais do que "Pais e Filhos" e hoje, igualmente saudosos, acabam lembrando os 25 anos de falecimento de Cazuza, um dos nomes do Rock Brasil que acabou sendo acolhido pela MPB autêntica, para desespero dos born in the 50s.

Estes, coitados, de tanto viverem trancados em seus escritórios de empresários, engenheiros, economistas, publicitários e advogados, ou em seus consultórios médicos, chegaram aos 50 anos fingindo para eles mesmos que sua música da juventude eram standards estadunidenses perdidos nos anos 1940 e que se evaporaram em 1955 junto às últimas fumaças da incendiada boate carioca Vogue.

Eles chegaram aos 50 anos achando que a velhice era uma espécie de "Ploc 80 da meia-idade", boicotando até Elvis e Beatles, ignorando que na sua pré-adolescência eles nunca passaram de meninos que amavam os Beatles e Rolling Stones e, no caso das mulheres, que passavam da Bossa Nova para o Velvet Underground antes de bancarem as beatas caretas ao entrarem nos 50.

O Rock Brasil teve um grande alcance de popularidade entre adultos e jovens nos anos 1980. Mesmo os trintões daqueles tempos instalaram suas primeiras empresas, seus primeiros escritórios e criaram seus primeiros estudos médicos ao som de "Será", "Pro Dia Nascer Feliz", "Óculos", "Música Urbana 2" e outros sucessos, músicas que serviam de acalanto para seus filhos então recém-nascidos.

A força do rock brasileiro dos anos 1980, que o faz superior ao da década seguinte, vale pelo talento, pela atualidade de informações e pela criatividade, apesar de tecnicamente mais precários e de receberem, dos produtores fonográficos de seus discos, padrões de mixagem que eram um horror.

Mas mesmo o rock do começo dos anos 90, como Skank, O Rappa, Nação Zumbi e Planet Hemp só puderam ter a criatividade que tiveram pelos caminhos abertos por Titãs, Paralamas do Sucesso, Legião Urbana e Cazuza solo.

Pois o Cazuza que deixava o Barão Vermelho quando seu parceiro Roberto Frejat ainda torcia o nariz para a MPB autêntica, fez a juventude roqueira gostar de MPB e os trintões dos anos 80 perderem o preconceito com o Rock Brasil (preconceito que foi retomado quando eles fizeram 50 anos e que, em certos casos, foram reforçados depois dos 60).

Mas certamente Cazuza não estava sozinho nesse arejamento cultural, porque ele, Renato Russo e pessoas que hoje vivem e criam como Frejat, Arnaldo Antunes, ou mesmo os pouco lembrados Humbertos, o Effe e o Gessinger, abriram o Rock Brasil para outras referências como a poesia brasileira contemporânea, as tradições culturais populares, o romantismo e o lirismo.

Juntamente com a carreira-solo de Cazuza, que apresentava referências que iam de Cartola a The Cure ("Ideologia" usava a técnica de combinar guitarra elétrica com a base de violão de "Inbetween Days"), Legião Urbana, com As Quatro Estações, Titãs com Cabeça Dinossauro e O Blesq Blom e Paralamas do Sucesso com Selvagem abriram as portas para a cultura brasileira.

E isso depois que mesmo referências roqueiras inusitadas eram sutilmente lançadas por esses grupos. Os Paralamas mostravam The Beat dissolvido em influências aparentemente presas ao The Police. Legião Urbana, só com "Ainda é Cedo", combinava Joy Division e U2 (um acorde de "Another Time, Another Place", era reproduzido no meio da música, assim como o de "Driven To Tears" era feito pelos Paralamas na instrumental Shopstake).

Até o rock alternativo brasileiro das Baratos Afins era evocado pelo mainstream do Rock Brasil. Renato Russo era amigo de Alex Antunes, jornalista e músico de bandas como Akira S e As Garotas Que Erraram. Paulo Ricardo é amigo de músicos que eram do Voluntários da Pátria. Edgard Scandurra, do Ira!, formou o Smack! com integrantes do Fellini e Mercenárias, e por aí vai.

E isso quando vemos o vocalista do Fellini, Cadão Volpato, aparecendo na TV Cultura e no SESC TV e pouca gente percebeu. Ou quando os últimos discos da Legião Urbana apresentavam influência do até hoje desconhecido grupo inglês Ride, boicotado pelas tão convictas "rádios rock" dos anos 90. O pessoal se esquece até que o ex-guitarrista do Ride, Andy Bell, virou baixista nas últimas formações do Oasis!

O Brasil mergulhado na desinformação e na combinação de novidades tardiamente assimiladas - o "futuro que repete o passado" e o "museu de grandes novidades" descritos por Cazuza - e de valores conservadores desesperadamente defendidos até por internautas sociopatas que parecem rebeldes e arrojados mas são tão retrógrados quanto Olavo de Carvalho.

Com isso, coroas se isolam fechados no seu tempo, que aliás eles nem viveram, como lembrou o Millôr Fernandes, que prefaciou até livro de um deles, mas que, para desespero dessa geração, fez a tradução da letra de "Feedback Song for a Dying Friend" da Legião Urbana, já que Renato decidiu escrever um poema em inglês. E Millôr caprichou na tradução de tal forma que fez um outro poema, com um claro respeito à geração 80 que os born in the 50s quase nunca dão.

Com os pais isolados em paradigmas granfinos dos anos 1940-1950 e as mães em velhas devoções religiosas, e os filhos afogados na mesmice brega-popularesca dos anos 1990, eles se esquecem que o Rock Brasil dos anos 1980 falava igualmente para pais e filhos e que até hoje sobrevivem sobre velhos cantores do romantismo orquestrado e breguinhas semi-novos que viram "fogos-de-palha", respectivamente, em bailes de gala e em micaretas ou vaquejadas.

E assim Cazuza, a exemplo de Renato Russo, consegue viver na memória cultural, sobrevivendo à sua morte, com um valor artístico que já começa a chamar a atenção dos "netos", desconfiados com as mesmices que tentam prevalecer à força sob o rótulo de "grandes sucessos".

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

RELIGIÃO DO AMOR?

Vejam como são as coisas, para uma sociedade que acha que os males da religião se concentram no neopentecostalismo. Um crime ocorrido num “centro espírita” de São Luís, no Maranhão, mostra o quanto o rótulo de “kardecismo” esconde um lodo que faz da dita “religião do amor” um verdadeiro umbral. No “centro espírita” Yasmin, a neta da diretora da casa, juntamente com seu namorado, foram assaltar a instituição. Os tios da jovem reagiram e, no tiroteio, o jovem casal e um dos tios morreram. Houve outros casos ao longo dos últimos anos. Na Taquara, no Rio de Janeiro, um suposto “médium” do Lar Frei Luiz foi misteriosamente assassinado. O “médium” era conhecido por fraudes de materialização, se passando por um suposto médico usando fantasias árabes de Carnaval, mas esse incidente não tem relação com o crime, ocorrido há mais de dez anos. Tivemos também um suposto latrocínio que tirou a vida de um dirigente de um “centro espírita” do Barreto, em Niterói, Estado do Rio de Janeiro. Houve incênd...

INFANTILIZAÇÃO E ADULTIZAÇÃO

A sociedade brasileira vive uma situação estranha, sob todos os aspectos. Temos uma elite infantilizada, com pessoas de 18 a 25 anos mostrando um forte semblante infantil, diferente do que eu via há cerca de 45 anos, quando via pessoas de 22 anos que me pareciam “plenamente adultas”. É um cenário em que a infantilizada sociedade woke brasileira, que chega a definir os inócuos e tolos sucessos “Ilariê” e “Xibom Bom Bom” cono canções de protesto e define como “Bob Dylan da Central” o Odair José, na verdade o “Pat Boone dos Jardins”, apostar num idoso doente de 80 anos para conduzir o futuro do Brasil. A denúncia recente do influenciador e humorista Felca sobre a adultização de menores do ídolo do brega-funk Hytalo Santos, que foi preso enquanto planejava fugir do Brasil, é apenas uma pequena parte de um contexto muito complexo de um colapso etário muito grande. Isso inclui até mesmo uma geração de empresários e profissionais liberais que, cerca de duas décadas atrás, viraram os queridões...

LULA GLOBALIZOU A POLARIZAÇÃO

LULA SE CONSIDERA O "DONO" DA DEMOCRACIA. Não é segredo algum, aqui neste blogue, que o terceiro mandato de Lula está mais para propaganda do que para gestão. Um mandato medíocre, que tenta parecer grandioso por fora, através de simulacros que são factoides governamentais, como os tais “recordes históricos” que, de tão fáceis, imediatos e fantásticos demais para um país que estava em ruínas, soam ótimos demais para serem verdades. Lula só empolga a bolha de seus seguidores, o Clube de Assinantes VIP do Lulismo, que quer monopolizar as narrativas nas redes sociais. E fazendo da política externa seu palco e seu palanque, Lula aposta na democracia de um homem só e na soberania de si mesmo, para o delírio da burguesia ilustrada que se tornou a sua base de apoio. Só mesmo sendo um burguês enrustido, mesmo aquele que capricha no seu fingimento de "pobreza", para aplaudir diante de Lula bancando o "dono" da democracia. Lula participou da Assembleia Geral da ONU e...

LUÍS INÁCIO SUPERSTAR

Não podemos estragar a brincadeira. Imagine, nós, submetidos aos fatos concretos e respirando o ar nem sempre agradável da realidade, termos que desmascarar o mundo de faz-de-conta do lulismo. A burguesia ilustrada fingindo ser pobre e Lula pelego fingindo governar pelos miseráveis. Nas redes sociais, o que vale é a fantasia, o mundo paralelo, o reino encantado do agradável, que ganha status de “verdade” se obtém lacração na Internet e reconhecimento pela mídia patronal. Lula tornou-se o queridinho das esquerdas festivas, atualmente denominadas woke , e de uma burguesia flexível em busca de tudo que lhe pareça “legal”, daí o rótulo “tudo de bom”. Mas o petista é visto com desconfiança pelas classes populares que, descontando os “pobres de novela”, não se sentem beneficiadas por um governo que dá pouco aos pobres, sem tirar muito dos ricos. A aparente “alta popularidade” de Lula só empolga a “boa” sociedade que domina as narrativas nas redes sociais. Lula só garante apoio a quem já está...

DENÚNCIA GRAVE: "MÉDIUM" TIDO COMO "SÍMBOLO DE AMOR E FRATERNIDADE" COLABOROU COM A DITADURA

O famoso "médium" que é conhecido como "símbolo maior de amor e fraternidade", que "viveu apenas pela dedicação ao próximo" e era tido como "lápis de Deus" foi um colaborador perigoso da ditadura militar. Não vou dizer o nome desse sujeito, para não trazer más energias. Mas ele era de Minas Gerais e foi conhecido por usar perucas e ternos cafonas, óculos escuros e por defender ideias ultraconservadoras calcadas no princípio de que "devemos aceitar os infortúnios e agradecer a Deus pela desgraça obtida". O pretexto era que, aceitando o sofrimento "sem queixumes", se obterá as prometidas "bênçãos divinas". Sádico, o "bondoso homem" - que muitos chegaram a enfiar a palavra "Amor" como um suposto sobrenome - dizia que as "bênçãos futuras" eram mais dificuldades, principalmente servidão, disciplina e adversidades cruéis. Fui espírita - isto é, nos padrões em que essa opção religi...

CRISE DA MPB ATINGE NÍVEIS CATASTRÓFICOS

INFELIZMENTE, O MESTRE MILTON NASCIMENTO, ALÉM DE SOFRER DE MAL DE PARKINSON, FOI DIAGNOSTICADO COM DEMÊNCIA. A MPB ainda respira, mas ela já carece de uma renovação real e com visibilidade. Novos artistas continuam surgindo, mas poucos conseguem ser artisticamente relevantes e a grande maioria ainda traduz clichês pós-tropicalistas para o contexto brega-identitário dos últimos tempos. Recentemente, o cantor Milton Nascimento, um dos maiores cantores e compositores da música brasileira e respeitadíssimo no exterior por conta de sua carreira íntegra, com influências que vão da Bossa Nova ao rock progressivo, foi diagnosticado com um tipo de demência, a demência de corpos de Lewy. Eu uma entrevista, o filho Augusto lamentou a rotina que passou a viver nos últimos anos , quando também foi diagnosticado o Mal de Parkinson, outra doença que atinge o cantor. Numa triste e lamentável curiosidade, Milton sofre tanto a doença do ator canadense Michael J. Fox, da franquia De Volta para o Futuro ...

BURGUESIA ILUSTRADA QUER “SUBSTITUIR” O POVO BRASILEIRO

O protagonismo que uma parcela de brasileiros que estão bem de vida vivenciam, desde que um Lula voltou ao poder entrosado com as classes dominantes, revela uma grande pegadinha para a opinião pública, coisa que poucos conseguem perceber com a necessária lucidez e um pouco de objetividade. A narrativa oficial é que as classes populares no Brasil integram uma revolução sem precedentes na História da Humanidade e que estão perto de conquistar o mundo, com o nosso país transformado em quinta maior economia do planeta e já integrando o banquete das nações desenvolvidas. Mas a gente vê, fora dessa bolha nas redes sociais, que a situação não é bem assim. Há muitas pessoas sofrendo, entre favelados, camponeses e sem-teto, e a "boa" sociedade nem está aí. Até porque uma narrativa dos tempos do Segundo Império retoma seu vigor, num novo contexto. Naquele tempo, "povo" brasileiro eram as pessoas bem de vida, de pele branca, geralmente de origem ibérica, ou seja, portuguesa ou...

A HIPOCRISIA DA ELITE DO BOM ATRASO

Quanta falsidade. Se levarmos em conta sobre o que se diz e o que se faz crer, o Brasil é um dos maiores países socialistas do mundo, mas que faz parte do Primeiro Mundo e tem uma das populações mais pobres do planeta, mas que tem dinheiro de sobra para viajar para Bariloche e Cancún como quem vai para a casa da titia e compra um carro para cada membro da família, além de criar, no mínimo, três cachorros. É uma equação maluca essa, daí não ser difícil notar essa falsidade que existe aos montes nas redes sociais. É tanto pobre cheio da grana que a gente desconfia, e tanto “neoliberal de esquerda” que tudo o que acaba acontecendo são as tretas que acontecem envolvendo o “esquerdismo de resultados” e a extrema-direita. A elite do bom atraso, aliás, se compôs com a volta dos pseudo-esquerdistas, discípulos da Era FHC que fingiram serem “de esquerda” nos tempos do Orkut, a se somar aos esquerdistas domesticados e economicamente remediados. Juntamente com a burguesia ilustrada e a pequena bu...

DOUTORADO SOBRE "FUNK" É CHEIO DE EQUÍVOCOS

Não ia escrever mais um texto consecutivo sobre "funk", ocupado com tantas coisas - estou começando a vida em São Paulo - , mas uma matéria me obrigou a comentar mais o assunto. Uma reportagem do Splash , portal de entretenimento do UOL, narrou a iniciativa de Thiago de Souza, o Thiagson, músico formado pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) que resolveu estudar o "funk". Thiagson é autor de uma tese de doutorado sobre o gênero para a Universidade de São Paulo (USP) e já começa com um erro: o de dizer que o "funk" é o ritmo menos aceito pelos meios acadêmicos. Relaxe, rapaz: a USP, nos anos 1990, mostrou que se formou uma intelectualidade bem "bacaninha", que é a que mais defende o "funk", vide a campanha "contra o preconceito" que eu escrevi no meu livro Esses Intelectuais Pertinentes... . O meu livro, paciência, foi desenvolvido combinando pesquisa e senso crítico que se tornam raros nas teses de pós-graduação que, em s...

NEGACIONISTA FACTUAL E SUAS RAÍZES SOCIAIS

O NEGACIONISTA FACTUAL REPRESENTA O FILHO DA SOCIALITE DESCOLADA COM O CENSOR AUSTERO, NOS ANOS DE CHUMBO. O negacionista factual é o filho do casamento do desbunde com a censura e o protótipo ilustrativo desse “isentão” dos tempos atuais pode explicar as posturas desse cidadão ao mesmo tempo amante do hedonismo desenfreado e hostil ao pensamento crítico. O sujeito que simboliza o negacionista factual é um homem de cerca de 50 anos, nascido de uma mãe que havia sido, na época, uma ex-modelo e socialite que eventualmente se divertia, durante as viagens profissionais, nas festas descoladas do desbunde. Já o seu pai, uns dez anos mais velho que sua mãe, havia sido, na época da infância do garoto, um funcionário da Censura Federal, um homem sisudo com manias de ser cumpridor de deveres, com personalidade conservadora e moralista. O casal se divorciou com o menino tendo apenas oito anos de idade. Mas isso não impediu a coexistência da formação dúbia do negacionista factual, que assimilou as...