Recentemente, 31 casas antigas foram demolidas no Centro Histórico de Salvador. A medida causou muita polêmica, já que o IPHAN autorizou a destruição das casas, duas delas oficialmente consideradas patrimônio histórico.
A alegação é de que as casas não tinham qualquer valor, individual ou histórico, que justificassem a preservação. Técnicos do IPHAN e da Secretaria Municipal de Urbanismo (Sucom), da Prefeitura do Salvador, alegaram que as casas estavam condenadas e em avançado estado de deterioração.
Se as casas estavam condenadas, tudo bem. O grande problema é que isso acaba servindo de desculpa para liberar espaço para a especulação imobiliária, que irá construir edifícios totalmente diferentes aos anteriores, sem qualquer significação histórica e causando uma poluição visual em relação ao contexto da área.
Afinal, o Centro Histórico não é o Iguatemi. Não é a Av. Tancredo Neves nem o Caminho das Árvores, ou o entorno da Barra e Graça. Sei que reconstruir as casas à semelhança dos imóveis destruídos causa muita polêmica, diante de teses conflituosas em relação à restauração do patrimônio histórico.
Uma dessas teses acredita que a restauração de sítios históricos é uma "falsificação", já que, de acordo com essa linha de pensamento, a reposição de peças seria uma forma de imitação da estética do material destruído. É a partir desse raciocínio, por exemplo, que as ruínas da Grécia Antiga foram deixadas como estão, a exemplo do antigo Centro Histórico de Roma.
Outra linha de pensamento não concorda com isso, e acredita que a restauração, ainda que seja uma imitação da estética original, é uma forma de reconstituir, simbolicamente, o edifício original, permitindo que, mesmo com peças mais novas, o edifício, reconstituído, represente de qualquer maneira a construção inicial, mantendo o seu significado histórico.
É com este segundo raciocínio que se elaborou um trabalho de reconstrução de prédios históricos nos países europeus, que foram destruídos pelas inúmeras ações militares realizadas durante as duas guerras mundiais.
EU TERIA PENSADO DUAS VEZES, SE FOSSE SUPERINTENDENTE DO IPHAN
As explicações técnicas, embora alertassem para o péssimo estado das residências, afetadas por sucessivas chuvas, não deixaram de causar indignação de internautas, que questionaram, de forma enérgica, a missão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de zelar pelo patrimônio.
"O Iphan Bahia, órgão criado para proteger e preservar o patrimônio histórico e cultural do Brasil, neste momento é o responsável por um crime irreparável contra esse mesmo patrimônio. Sem justificativa pública, apresentação de laudos ou respaldo técnico algum, contrariou a missão do órgão, autorizando a demolição de dezenas de casarões no Centro Histórico de Salvador", disse uma internauta no Facebook.
Mesmo quando são levados em conta os laudos da Defesa Civil, o IPHAN não realizou um trabalho preventivo nem aproveitou períodos sem chuvas para realizar obras de recuperação. Em 2007, o instituto teve como superintendente um jovem que achava que restaurar imóveis históricos era "falsificação". Mas Centro Histórico de Salvador não é Centro Histórico de Atenas.
Aí, casas começaram a cair, quem vivia dentro morreu ou saiu ferido ou desabrigado, e a UNESCO ameaçou tirar de Salvador o título de Patrimônio Histórico da Humanidade, status que inspirou até anúncio de transdoor nos ônibus da capital baiana.
Uma missão da UNESCO foi convocada por entidades representativas de arquitetos e urbanistas da Bahia e do Brasil para avaliar a situação. Embora uma representante do órgão tenha garantido que Salvador não corre o risco de perder o referido título, a visita é considerada medida de emergência.
Eu teria pensado duas vezes, se eu tivesse comandado a 7ª Superintendência Regional do IPHAN. Só permitiria a demolição se houvesse garantia de que as edificações a serem feitas, pelo menos, reconstituíssem as originais, tomando o raciocínio feito na reconstrução de prédios históricos na Europa após a Segunda Guerra Mundial.
Até tentei fazer um concurso para o IPHAN, mas uma série de empecilhos não me permitiu pegar todo o material solicitado (havia uma bibliografia selecionada no programa) e fiz até uma boa prova, mas não consegui ser aprovado.
Em compensação, muitos "aventureiros" de provas, "atletas de concursos" (sim, eles existem) que têm até outros trabalhos, geralmente como servidores estáveis, só foram fazer prova do IPHAN para se jogar para a plateia, creio até para bancarem os "intelectuais", e aí passaram, foram aprovados e estão em exercício numa instituição cujo trabalho não compreendem direito.
O concurso do IPHAN de 2005, organizado pelo Núcleo de Comunicação Eletrônica da UFRJ, até teve uma prova fácil, mas sua prova foi desorganizada, coincidiu com uma desnecessária greve de bibliotecários nas universidades e a avaliação das provas não acatou os recursos movidos pelos candidatos, inclusive eu.
Resultado: muitos aprovados nem faziam questão de trabalhar lá. Cerca de noventa dos que foram convocados só ficaram alguns meses e saíram. Mas alguns dos "atletas" ficaram, felizes ao contar para seus amigos e para as mulheres que agora trabalham no IPHAN, enquanto iam para as mídias sociais reclamar do instituto pelas costas.
Era terrível. Não que o IPHAN não tivesse problemas, mas havia conflitos ideológicos, seja do lado do então ministro da Cultura, o cantor Gilberto Gil, seja do lado do então presidente Antônio Augusto Arantes, ligado a intelectuais paulistas sem ligação com o PT. E houve gente que fazia inventários, colhia dados, mas quando ia ao Orkut fazia beicinho e perguntava: "Que inventário?".
Em 2009, houve outro concurso do IPHAN e muito desorganizado, além de uma prova que não tinha a ver com as necessidades do cargo, enfatizando Matemárica (sob o rótulo de "raciocínio lógico-quantitativo") e quase não tendo questões sobre patrimônio histórico. Como se não houvesse diferença entre o matemático Albert Einstein e o crítico de arte e estudioso do patrimônio, John Ruskin.
E mais uma vez os "atletas de concurso" saíram na frente. Cheguei a ser classificado, mas não houve convocação. Foi muito mais confuso, e neste caso os "cobras" em Matemática, mas analfabetos em patrimônio histórico, levaram a melhor, por causa de uma prova que não refletia a natureza dos cargos do IPHAN.
É por isso que temos um quadro profissional como esse. Gente sem consciência da história do patrimônio. Gente que sabe fazer contas de matemática, até para avaliar orçamentos ou potenciais financeiros, mas não sabe o que é paisagem patrimonial.
Com eles, o maior perigo é ver o Centro Histórico de Salvador com sua harmonia quebrada com a construção de edifícios modernosos, espalhafatosos e pouco funcionais, que criam um contraste violento com os edifícios antigos remanescentes. Sinceramente, Centro Histórico de Salvador não é Centro Histórico de Las Vegas.
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