Sabemos que ser brega, na verdade, é sempre ser o último a saber. Os bregas originais eram pessoas que, de forma caricatural e forçada, seguiam modismos que, na verdade, eram passados ou rotineiros. Houve, nos anos 1970, até arremedos de "MPB jovem" que, na verdade, são carregados de cafonice.
Desde os anos 1980, o brega foi carregado de pretensiosismo de "arte séria". Poucos percebem o quanto é irritante que, nos últimos 30 anos, os bregas passaram a querer serem levados a sério demais. Muito pior e mais deplorável do que o pretensiosismo que praticamente "matou" o rock progressivo, porque, neste caso, os músicos tinham talento e conhecimento de causa.
A partir daí, vieram novas abordagens do brega-popularesco musical. Vieram os neo-bregas, uma fusão entre o brega "arrumadinho" de Michael Sullivan e Paulo Massadas e a MPB pasteurizada de Lincoln Olivetti e Robson Jorge. Conhecidos ídolos "sertanejos" e "pagodeiros" surgidos na Era Collor tornaram-se os exemplos mais típicos.
Os neo-bregas eram embalados e repaginados para se tornarem "digeríveis" pelo público médio da Rede Globo de Televisão - que era conservadora, mas, por outro lado, relativamente sofisticada no passado por conta de mentes como Boni, Walter Clark e Daniel Filho - e pelos fãs de MPB autêntica menos exigentes.
Certamente, ouvi de um quiosque um CD de um cantor de "pagode romântico" (acho que é o Belo) carregado de pedantismo falsamente artístico, com pretensas harmonias vocais e arranjos acústicos - provavelmente feitos por um arranjador de plantão - e pretensamente de "música de qualidade".
E aí vem a dupla Chitãozinho & Xororó posar de vanguardista lançando em vinil o disco em que a dupla trucidou com o repertório de Tom Jobim, forçando a barra demais porque a dupla já não é confiável no âmbito da música caipira de raiz, quanto mais na Bossa Nova. Até porque a dupla "dessbossificou" Tom Jobim, rebaixando ao pior do romantismo blasé dos anos 1950.
Se os neo-bregas queriam fazer sucesso na Globo, vieram então os pós-bregas que gostariam de fazer sucesso na MTV, se a rede televisiva - que recomeçou do zero no ano passado, sem o carisma da fase anos 1990 - tivesse seu poder de influência de antes. Geralmente os pós-bregas visam brilhar no YouTube ou em programas jovens da Globo.
Os pós-bregas têm um pretensiosismo muito diferente. Se os neo-bregas faziam aquilo que o comediante Falcão descrevia como "estar a um passo da MPB", investindo numa falsa sofisticação que, no entanto, nivela seus ídolos a calouros de reality shows, os pós-bregas querem passar a falsa impressão de que entendem de cultura pop, de indie, de rebelião ativista etc etc etc.
Entre os principais exemplos de pós-brega, estão os "sertanejos universitários" (e outros sob esse rótulo de "universitário" que não condiz à realidade, pois até quando Luan Santana era adolescente era tido como tal) e os funqueiros, todos achando que produzem as "músicas mais modernas do planeta".
E aí observo casos como Tati Zaqui, funqueira que está na edição da moribunda revista Playboy brasileira - com fortes rumores de sair das bancas em breve - , que se julga "cheia de atitude". Claro, mulheres-frutas e funqueiros em geral se acham "cheios de atitude", acham que podem a um só tempo trazer para nós a Semana de Arte Moderna, a Contracultura e a Revolta de Canudos.
Também tem a declaração do cantor Marcos, da dupla de "sertanejo universitário" (sem relação autêntica com a música caipira nem com a cultura universitária, mas tão somente com o neo-coronelismo do agronegócio) Marcos & Belutti, de que o gênero "está aberto a tudo".
Marcos tentou "suavizar" a polêmica que envolve o "sertanejo" desde que o apresentador da Globo e, por ironia, ex-integrante da MTV em sua fase áurea, Zeca Camargo, reclamou da comoção exagerada em torno do falecido Cristiano Araújo.
A polêmica foi reforçada quando a outra apresentadora, a graciosa Mônica Iozzi, tentou educadamente dizer para as pessoas ouvirem menos "sertanejo" e mais Cazuza, Elis Regina e Legião Urbana para desejar um mundo melhor. Tomada de muita arrogância, a "sertaneja" Mônica Guedes, visivelmente irritada, chamou a xará de "ridícula".
Tudo ficou pretensioso e já preocupava as apropriações, oportunistas e tendenciosas, dos neo-bregas que cantavam sobre a "barata da vizinha" e sobre o "casal que se ama até mesmo na cama provoca loucura", em torno da MPB autêntica. Uma apropriação que já embrulhava os estômagos, e impedia que os fãs da genuína MPB ouvissem seus próprios artistas.
Afinal, sabemos que muita gente boa que faz MPB de qualidade e mal consegue ter acesso em programas musicais da TV Senado e TV Câmara, ou obscuros espaços em canais comunitários perdidos na TV paga, está sendo passada para trás pelos neo-bregas, descontentes com o gigantesco espaço que eles possuem dentro do âmbito do brega pretensamente "popular".
É um desrespeito que esses brega-popularescos fazem, principalmente neo-bregas e os "vitaminados" pós-bregas que pensam que são enciclopédias (ou até mortas, como no caso de Cristiano Araújo e a funqueira Amanda Bueno) vivas da música contemporânea.
Eles têm todo o espaço na mídia, quase todo o território brasileiro em suas mãos, quase todas as FMs em seu acesso e praticamente monopolizam os 100 discos mais vendidos nas lojas, as 100 músicas mais ouvidas nas rádios, os 100 vídeos mais acessados no YouTube, e ainda querem ocupar os poucos espaços que restam para a MPB autêntica, tirando o espaço de quem mais precisa.
O brega nunca incomodou quando não tinha esse pretensiosismo de se apropriar de espaços da MPB ou de culturas alternativas. Mas hoje, esse pop comercial feito no Brasil tenta enganar as pessoas com falsa sofisticação e falsa inteligência, querendo ser levado a sério demais, se passando por vítima, bancando falso ativista, ou perdendo a cabeça chamando os outros de "ridículos".
Com todo o caráter ridículo que poderiam ter simbolizado cantores como Pat Boone, Ricky Nelson, Bobby Darin e outros mocinhos caretas do pop estadunidense dos anos 1950 e 1960, eles não tinham esse pretensiosismo que seus equivalentes brasileiros carregam nos seus fardos.
A Contracultura fervia naqueles tempos, e os ídolos do "rock comportadinho" nem estavam aí para se autopromover às custas da rebeldia alheia. Eles ficavam no seu som comportadinho e nos limites que as suas vocações naturais permitiram. Os pós-bregas precisam perder o preconceito com seus próprios limites.
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