Muitos compararam a campanha pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff ao golpe contra João Goulart.
Não apenas o golpe de 1964, mas um golpe jurídico da virada de agosto a setembro de 1961, portanto, 55 anos atrás.
Afinal, Michel Temer, inexpressivo político do PMDB, governará como Tancredo Neves (avô de Aécio) como primeiro-ministro, embora fosse o presidente no status do sistema presidencialista.
Mas o que chama a atenção nesse circo pró-golpe e anti-golpe é o papel que o "funk carioca" está fazendo, que é o do Cabo Anselmo da vez.
Já escrevemos sobre isso.
O sargento José Anselmo dos Santos também se dizia "esquerdista sincero", supostamente entendedor de Karl Marx, porta-voz dos oprimidos, vítima da opressão das elites, vítima de preconceito.
Ele comandou a revolta dos sargentos que, na verdade, desnorteou o governo João Goulart.
Como lembrou bem o cineasta Sílvio Tendler, Jango tentou dar uma solução Aragarças ao protesto dos sargentos e abriu o caminho para o golpe militar.
Aragarças foi uma das revoltas militares (a outra foi Jacareacanga), ocorridas na década de 1950 contra o governo Juscelino Kubitschek, que primeiro prendeu os revoltosos, para depois anistiá-los.
Mas era outro contexto. Jango tentou fazer o mesmo, a sociedade se reuniu para uma passeata de roupagem religiosa e os generais, irritados com a quebra de hierarquia da revolta dos sargentos e do consentimento de Jango, resolveram expulsá-lo do poder.
Mais tarde, descobriu-se que Cabo Anselmo nunca foi esquerdista, e já era agente da CIA, órgão de informação dos EUA, que forjou aquela proposta para confundir Jango e abrir caminho para o golpe militar apoiado pelas autoridades de Washington.
Cabo Anselmo, depois, dedurou muitos de seus amigos, inclusive uma ex-namorada, que foram torturados e mortos pelos órgãos da repressão.
Em uma entrevista e depois um livro, Anselmo tentou argumentar que "se desiludiu" com o esquerdismo assim que viu estudantes fazerem luta armada e guerrilheiros como Lamarca e Marighella se destacarem nesse contexto.
Anselmo alegava que os assaltos a bancos e os treinamentos de tiro-ao-alvo lhe causavam horror.
Escondido, hoje Cabo Anselmo engrossa discretamente o coro da oposição anti-PT.
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Hoje o Cabo Anselmo "desce até o chão".
O "funk carioca", incluindo seus derivados, nunca foi um movimento ativista-cultural de verdade.
Ele surgiu de maneira canhestra, durante a Era Collor, com DJs que viraram empresários e investiram na degradação musical.
Antes deles, o que conhecíamos como funk (hoje é funk autêntico) tinha bons cantores, instrumentistas de verdade, preocupação com arranjos e melodias, por mais que houvesse aparelhagem eletrônica, DJs e tudo o mais.
Quando os velhos DJs do funk autêntico começaram a morrer - Cidinho Cambalhota, Messiê Lima, Ademir Lemos - , DJ Marlboro e Rômulo Costa rasgaram seus ensinamentos e partiram para a degradação sonora do "funk".
Tudo ficou uma mesmice. Uma batida eletrônica que mais parecia o som de um "pum" era o fundo musical de uns zé-manés com vozes desafinadas vociferarem paródias de cantigas-de-roda.
Com o passar dos tempos, o "funk" virou um processo de mesmices sonoras por temporada.
Em alguns anos, o "funk" é o som de um "pum" com vocais desafinados.
Depois, a batida muda para um arremedo ruim de batuques de umbanda.
Depois, um amontoado de sons imitando sirene, galope de cavalo etc, com algum "revoltado" ou "revoltada" vociferando baixarias.
Ultimamente, tem um sâmpler de um zé-mané fazendo "tchuscu-tchuscu-dá" como que num vocalize extremamente ruim.
Tudo igual. Sem chance de alguém superar essa fórmula com criatividade.
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Tanto que esse papo de "movimento das periferias" foi fabricado pelas Organizações Globo e pelo Grupo Folha.
É só ler as primeiras matérias desse discurso ideológico. Tinham o selo de aprovação dos irmãos Marinho e de Otávio Frias Filho, os mesmos que sempre lutaram para derrubar o PT.
A Rede Globo empurrou o "funk" para ser popular em tudo quanto é programa. Com Luciano Huck, amigo de Aécio Neves, assinando embaixo.
Só faltava William Bonner ter se levantado da bancada do Jornal Nacional e rebolar o "funk" ali mesmo. Mas estava bem perto disso.
Daí que os esquerdistas deveriam tomar o cuidado com o discurso em prol do "funk".
Estão mordendo a isca do discurso "pelas periferias".
Da mesma forma que o Cabo Anselmo, o "funk" é acusado de estar a serviço da CIA.
Quem disse isso não foi dondoca alguma dos Jardins ou do Morumbi.
Quem disse isso foi gente respeitável como Beth Carvalho e o historiador Sérgio Cabral (sem relação com as traquinagens do filho homônimo).
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A Fundação Ford financiou um projeto de pós-graduação do antropólogo Hermano Vianna sobre o "funk".
As empresas do especulador financeiro George Soros financiam outras iniciativas e instituições ligadas ao "funk carioca" ou dele simpatizantes.
Isso tudo está comprovado.
Por trás de uma fachada de "ativismo artístico-cultural", o "funk" tem um conteúdo conservador.
Tem um rigor estético ferrenho, só que nivelado por baixo.
Os MCs não podem tocar instrumentos nem compor melodias.
Ou então só o fazem quando for da vontade do empresário-DJ ou das pressões do mercado.
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O "funk" nada tem de progressista.
Só para citar uma gíria carioca, esse papo todo é "caô" (mentira feita para enganar os outros).
Tanto que o "funk" é o que mais glamouriza as periferias.
Desenvolve um ufanismo hipócrita, que defende como valores definitivos iniciativas improvisadas e provisórias, como morar em favelas e praticar a prostituição.
A periferia mostrada no "funk" chega a ser mais caricatural que o povo pobre mostrados nas antigas chanchadas da Atlântida.
É bonito morar em casas improvisadas que se destroem no primeiro temporal?
É bonito vender o corpo a homens estranhos, em boa parte violentos e sexualmente contaminados?
Pois para o "funk", essa realidade não existe e as periferias são narradas como se fossem Disneylândias de casas mal-construídas, ruas sujas e pessoas felizes com sua baixa instrução.
Até as pretensas feministas escondem um machismo latente, através da imagem coisificada, do tipo mulher-objeto, que é motivo de orgulho para muitas de suas "musas".
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O apoio de esquerdistas ao "funk" mostrou que as esquerdas morderam a isca.
Com isso, o debate sobre a situação cultural do Brasil ficou seriamente prejudicado.
Tudo ficou como está.
Não se podia mexer na "cultura das periferias, roças e sertões" desenhada por José Sarney, Antônio Carlos Magalhães, Fernando Collor e Roberto Marinho.
Não se podia mexer na "verdadeira cultura popular" nem na "MPB com P maiúsculo" elaborada nos recintos fechados dos grandes escritórios e nos gabinetes políticos.
As Senzalas modernas patrocinadas pela Casa Grande, com os modernos serviçais da "cultura popular demais" tinham que prevalecer, destruindo os Quilombos de uma antiga cultura popular mais orgânica, instigante e artisticamente mais expressiva.
As Senzalas modernas, ligadas a escritórios empresariais e representantes de um discurso midiático em que a mentira se traveste de "verdade indiscutível" , é que tem que prevalecer.
Pobre não pode tocar violão e compor música de verdade.
Ele é induzido a fazer porcarias musicais e depois é que vai brincar de "fazer MPB" com covers à maneira da alta sociedade.
E o "funk" é o carro-chefe dessa "cultura" tão postiça quanto um enlatado cheio de aditivos químicos que se traveste de "produto tirado direto da Natureza".
Não se enganem, portanto, com os protestos "esquerdistas" do "funk".
Tudo isso é o "maior caô".
É uma forma de irritar a classe média com uma pretensa provocatividade.
Uma forma de dizer que as esquerdas estão no lado da baixaria.
Desta forma, a Furacão 2000, do ricaço Rômulo Costa, deu seu "Fora Dilma" às avessas.
E vai ser aquela mesma história do MC Guimê virando capa de Veja.
No começo, os funqueiros vão fazendo campanha de maõs dadas aos esquerdistas.
Depois, eles apunhalam as esquerdas pelas costas e vão comemorar vitória abraçados os barões da grande mídia.
Eles estão pouco se lixando se quem está no poder é Dilma Rousseff ou Michel Temer.
O que o "funk" quer é só reserva de mercado. Quanto mais dinheiro, melhor.
Passada essa onda, o "funk" estará fazendo a festa com os Marinho, os Frias, os Civita, com Luciano Huck, Gilberto Dimenstein, Ana Maria Braga e, quem sabe, até com William Bonner.
Ou mesmo com o William Waack.
Que é amigo da CIA como o "funk". E como o Cabo Anselmo.
E, assim, em boa "companhia", o "funk" posa de "bom esquerdista" assim como Cabo Anselmo nos tempos de Jango.
Até que termina a festa e, "baile funk", só sob o aval dos barões da mídia. Sobretudo a Rede Globo.
É como disse o Didi Mocó, personagem de Renato Aragão: "Rede Globo...Funk!".
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