Pular para o conteúdo principal

DOCUMENTÁRIO SOBRE "CENA PERDIDA" DO ROCK BRASIL SERÁ LANÇADO


Eram uns garotos que amavam o Sonic Youth e o Jesus and Mary Chain. Adoravam guitarras distorcidas, microfonias, adotavam letras em inglês e sempre compravam discos de bandas britânicas e, às vezes, norte-americanas que mal apareciam no extinto semanário Melody Maker, cujos raríssimos exemplares distribuídos no Brasil eram disputados a tapa.

Seus nomes: Pin Ups, Mickey Junkies, Second Come, Maria Angélica Não Mora Mais Aqui, brincando de deus (em minúsculas, mesmo), Killing Chainsaw, Okotô e outros. Eram bandas que simplesmente não queriam fazer sucesso, mas criar um som, e, embora acusadas de "umbiguismo", ou seja, de fazer som para eles mesmos ouvirem, eles tiveram sua razão de ser.

Um documentário produzido por Marko Panayotis e Otávio Sousa, intitulado "Time Will Burn", título do primeiro álbum dos Pin Ups, está em fase final de montagem e será lançado ainda este ano. O documentário visa descrever esse polêmico cenário do Rock Brasil independente.

Em termos de atitude, essas bandas radicalizaram a postura alternativa de bandas como Fellini e Voluntários da Pátria (que no entanto gravavam seu repertório em português), no sentido de gravar em selos independentes ou quase isso e tocar em rádios alternativas de rock, que só eram restritas, naquele 1990, ao Sul e Sudeste, que hoje não tem mais boas rádios desse nível de ousadia.

Um dado lamentável a citar é que o ex-vocalista e guitarrista do Second Come, Fábio Leopoldino, faleceu de infarto com apenas 46 anos, em maio de 2009. quando já estava voltando a se entender com o baixista Fernando Kraus, depois de anos de desavenças. Kraus tornou-se o novo vocalista da banda.

Isso lembra o "filme" de John Lennon com Paul MacCartney e Joe Strummer com Mick Jones. Tanto John como Joe morreram pouco depois retomarem contatos com seus ex-parceiros, que haviam se tornado desafetos momentâneos por conta de divergências de interesses. Quando recomeçaram a se entender com os antigos parceiros, faleceram, ambos precocemente. E Fábio L. teve a sua vez.

O Second Come, musicalmente mais resolvido que o Eterno Grito, antiga banda de Fábio e seus parceiros, chegou a ser divulgado na Grã-Bretanha e o jornalista Everett True chegou a dizer que a banda de Niterói tinha um som melhor do que o próprio Jesus and Mary Chain.

O Pin Ups, por sua vez, era influenciado pelo grupo britânico Loop, espécie de Jesus and Mary Chain "curto e grosso" (há que se convir que, apesar da barulheira, o som da banda dos irmãos Jim e William Reid é, digamos, "de coração sensível").

A banda paulista teve como membros principais Marco Antônio Algodoal e, mais tarde, Alessandra Briganti (que chegou a namorar João Gordo), já que ela não participou do primeiro LP. Ambos também trabalharam na MTV.

Na Bahia, o brincando de deus era também um exemplo. Liderado por Messias Guimarães Bandeira, que foi meu ex-colega da Facom / UFBA, vocalista e guitarrista com pinta de britânico, o grupo era fortemente influenciado pelo Mercury Rev, com ecos de Ride e My Bloody Valentine.

Houve também um braço na música eletrônica, o Harry, que teve como um dos integrantes José Roberto Verta, curiosamente com um trabalho paralelo como executivo da antiga BMG-Ariola (hoje Sony Music). Foi ele que batalhou para que o Bizarro, do Wedding Present, fosse lançado no Brasil.

Houve também outro grupo, o Tek Noir, que chegou a lançar um álbum pela Stiletto, e que musicalmente soava retro, lembrando bastante o Human League. Não repercutiu muito, como é de praxe nos grupos brasileiros alternativos que gravavam em inglês.

Era um mapa curioso. Banda de Salvador (brincando de deus), Niterói (Second Come), Santos (Harry) e Piracicaba (Killing Chainsaw), entre outras cidades. Até Florianópolis teve sua cena. Era um último suspiro do cenário realmente alternativo.

Era também uma época em que as rádios alternativas começaram a morrer de vez, aos poucos, como Fluminense FM (RJ), 97 FM (SP), Estação Primeira (PR) e, um pouco mais tarde, Brasil 2000 (SP) e Ipanema FM (RS), não sem antes perderem o fôlego que as consagrou.

Numa época em que o rock de hoje, sim, está mais umbiguista, corporativista e mercantilista, com um Scalene brincando de ser "indie" em reality show da Globo, o documentário Time Will Burn é uma boa pedida para lembrarmos de um cenário de rock realmente alternativo e independente que houve há cerca de 25 anos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

RELIGIÃO DO AMOR?

Vejam como são as coisas, para uma sociedade que acha que os males da religião se concentram no neopentecostalismo. Um crime ocorrido num “centro espírita” de São Luís, no Maranhão, mostra o quanto o rótulo de “kardecismo” esconde um lodo que faz da dita “religião do amor” um verdadeiro umbral. No “centro espírita” Yasmin, a neta da diretora da casa, juntamente com seu namorado, foram assaltar a instituição. Os tios da jovem reagiram e, no tiroteio, o jovem casal e um dos tios morreram. Houve outros casos ao longo dos últimos anos. Na Taquara, no Rio de Janeiro, um suposto “médium” do Lar Frei Luiz foi misteriosamente assassinado. O “médium” era conhecido por fraudes de materialização, se passando por um suposto médico usando fantasias árabes de Carnaval, mas esse incidente não tem relação com o crime, ocorrido há mais de dez anos. Tivemos também um suposto latrocínio que tirou a vida de um dirigente de um “centro espírita” do Barreto, em Niterói, Estado do Rio de Janeiro. Houve incênd...

LULA GLOBALIZOU A POLARIZAÇÃO

LULA SE CONSIDERA O "DONO" DA DEMOCRACIA. Não é segredo algum, aqui neste blogue, que o terceiro mandato de Lula está mais para propaganda do que para gestão. Um mandato medíocre, que tenta parecer grandioso por fora, através de simulacros que são factoides governamentais, como os tais “recordes históricos” que, de tão fáceis, imediatos e fantásticos demais para um país que estava em ruínas, soam ótimos demais para serem verdades. Lula só empolga a bolha de seus seguidores, o Clube de Assinantes VIP do Lulismo, que quer monopolizar as narrativas nas redes sociais. E fazendo da política externa seu palco e seu palanque, Lula aposta na democracia de um homem só e na soberania de si mesmo, para o delírio da burguesia ilustrada que se tornou a sua base de apoio. Só mesmo sendo um burguês enrustido, mesmo aquele que capricha no seu fingimento de "pobreza", para aplaudir diante de Lula bancando o "dono" da democracia. Lula participou da Assembleia Geral da ONU e...

LUÍS INÁCIO SUPERSTAR

Não podemos estragar a brincadeira. Imagine, nós, submetidos aos fatos concretos e respirando o ar nem sempre agradável da realidade, termos que desmascarar o mundo de faz-de-conta do lulismo. A burguesia ilustrada fingindo ser pobre e Lula pelego fingindo governar pelos miseráveis. Nas redes sociais, o que vale é a fantasia, o mundo paralelo, o reino encantado do agradável, que ganha status de “verdade” se obtém lacração na Internet e reconhecimento pela mídia patronal. Lula tornou-se o queridinho das esquerdas festivas, atualmente denominadas woke , e de uma burguesia flexível em busca de tudo que lhe pareça “legal”, daí o rótulo “tudo de bom”. Mas o petista é visto com desconfiança pelas classes populares que, descontando os “pobres de novela”, não se sentem beneficiadas por um governo que dá pouco aos pobres, sem tirar muito dos ricos. A aparente “alta popularidade” de Lula só empolga a “boa” sociedade que domina as narrativas nas redes sociais. Lula só garante apoio a quem já está...

O ERRO QUE DENISE FRAGA COMETEU, NA BOA-FÉ

A atriz Denise Fraga, mesmo de maneira muito bem intencionada, cometeu um erro ao dar uma entrevista ao jornal O Estado de São Paulo para divulgar o filme Livros Restantes, dirigido por Márcia Paraíso, com estreia prevista para 11 de dezembro. Acreditando soar “moderna” e contemporânea, Denise, na melhor das intenções, cometeu um erro na boa-fé, por conta do uso de uma gíria. “As mulheres estão mais protagonistas das suas vidas. Antes esperavam que aos 60 você estivesse aposentando; hoje estamos indo para a balada com os filhos”. Denise acteditou que a gíria “balada” é uma expressão da geração Z, voltada a juventude contemporânea, o que é um sério equívoco sem saber, Denise cometeu um grave erro de citar uma gíria ligada ao uso de drogas alucinógenas por uma elite empresarial nos agitos noturnos dos anos 1990. A gíria “balada” virou o sinônimo do “vocabulário de poder” descrito pelo jornalista britânico Robert Fisk. Também simboliza a “novilíngua” do livro 1984, de George Orwell, no se...

O NEGACIONISMO FACTUAL E A 89 FM

Era só o que faltava. Textos que contestam a validade da 89 FM - que celebra 40 anos de existência no dia 02 de dezembro, aniversário de Britney Spears - como “rádio rock” andam sendo boicotados por internautas que, com seu jeito arrogante e boçal, disparam o bordão “Lá vem aquele chato criticar a 89 novamente”. Os negacionistas factuais estão agindo para manter tudo como o “sistema” quer. Sempre existe uma sabotagem quando a hipótese de um governo progressista chega ao poder. Por sorte, Lula andou cedendo mais do que podia e reduziu seu terceiro mandato ao mínimo denominador comum dos projetos sociais que a burguesia lhe autorizou a fazer. Daí não ser preciso apelar para a farsa do “combate ao preconceito” da bregalização cultural que só fez abrir caminho para Jair Bolsonaro. Por isso, a elite do bom atraso investe na atuação “moderadora” do negacionista factual, o “isentão democrático”, para patrulhar as redes sociais e pedir o voicote a páginas que fogem da assepsia jornalística da ...

LULA APROVA SALÁRIO MÍNIMO COM REAJUSTE MIXURUCA

O salário mínimo para 2026 teve um reajuste de menos de 7%, atingindo somente um índice de 6,78%, em relação a este ano. Isso significa que o valor de R$ 1.518, cujo aumento chegou a ser cogitado para R$ 1.631 e, depois, para R$ 1.627, foi acrescido somente de R$ 103, ficando para a quantia de R$ 1.621 para 2026. É um reajuste típico de sindicalistas pelegos, desses que não ameaçam os privilégios dos patrões, trazendo para os trabalhadores apenas uma parte parcial da remuneração reivindicada, garantindo apenas poucos ganhos para a população mais necessitada. A desculpa usada pelo governo Lula para dar um reajuste fajuto para o salário mínimo é que a inflação ficou mais baixa que o esperado e, portanto, só foi preciso um aumento nestes parâmetros, considerado pelos tecnocratas do Governo Federal como “aumento real”. Todavia, esse aumento só vai pesar menos para as classes mais abastadas, sobretudo a chamada burguesia ilustrada, a parte mais festiva e lúdica das classes privilegiadas. O ...

FARIA LIMA ESTÁ CASTRANDO O PENSAMENTO E A CULTURA NO BRASIL

Notaram que a cultura brasileira, em diversos aspectos, sucumbiu a um padrão degradante, que domestica o povo e garante poder maior ao empresariado? Expressões culturais de qualidade continuam existindo, mas elas tiveram seus espaços de manifestação reduzidos, colocados quase à margem da chamada opinião pública, tendo menos visibilidade e menos impacto de influência. O Brasil está social e culturalmente degradado, acumulando retrocessos que se transformaram nos “novos normais” que passaram a ser aceitos dentro das zonas de conforto da complacência coletiva. Mesmo com a redemocratização, não recuperamos os parâmetros socioculturais que se desenhavam nos tempos de Juscelino Kubitschek e João Goulart. Ainda mantemos os resíduos dos tempos dos generais Emílio Médici e Ernesto Geisel, e, o que é pior, com vários desses entulhos promovidos a falsos tesouros nostálgicos. E como é que muitos acreditam que o Brasil ainda vai chegar ao Primeiro Mundo com uma precarização sociocultural em níveis ...

JUVENTUDE DESCOLADA MOSTRA UM BRASIL DECADENTE SOB HEDONISMO TÓXICO

FARIA LIMA EM FESTA - JUVENTUDE WOKE  INDO "PRA BALADA" COM A BURGUESIA ILUSTRADA. Enquanto no exterior vemos atores e atrizes ligadas ao universo juvenil ouvindo rock clássico e música folk  e buscando hábito de leitura em livros, no Brasil o hedonismo tóxico é que impera e a juventude woke  parece atuar como um bando de marionetes do empresariado da Faria Lima. Nas conversas que eu ouço, o hedonismo viciado impera. Num dia, é o fanatismo pelo futebol. Noutro, é a adoração a ritmos popularescos, como piseiro, "pagode romântico", "funk" e sofrência. Em seguida, é uma tal de "ir pra balada", "balada LGBT", "balada isso, balada aquilo", usando e abusando desse jargão farialimer . Mais adiante, é falar sobre marcas de cerveja. Noutra, é exaltar aquele intervalo para fumar um cigarro. É esse o Brasil que está pronto para se tornar país desenvolvido? Que geração é essa que vai liderar o futuro da nação? Gente aderindo a um hedonism...

“JORNALISMO DA OTAN” BLINDA CULTURALISMO POPULARESCO DO BRASIL

A bregalização e a precarização de outros valores socioculturais no Brasil estão sendo cobertos por um véu que impede que as investigações e questionamentos se tornem mais conhecidos. A ideologia do “Jornalismo da OTAN” e seu conceito de “culturalismo sem cultura”, no qual o termo “cultura” é um eufemismo para propaganda de manipulação política, faz com que, no Brasil, a mediocridade e a precarização cultural sejam vistas como um processo tão natural quanto o ar que respiramos e que, supostamente, reflete as vivências e sentimentos da população de cada região. A mídia de esquerda mordeu a isca e abriu caminho para o golpismo político de 2016, ao cair na falácia do “combate ao preconceito” da bregalização. A imprensa progressista quase faliu por adotar a mesma agenda cultural da mídia hegemônica, iludida com os sorrisos desavisados da plateia que, feito gado, era teleguiada pelo modismo popularesco da ocasião. A coisa ainda não se resolveu como um todo, apesar da mídia progressista ter ...

O BRASIL DOS SONHOS DA FARIA LIMA

Pouca gente percebe, mas há um poder paralelo do empresariado da Faria Lima, designado a moldar um sistema de valores a ser assimilado “de forma espontânea” por diversos públicos que, desavisados, tom esses valores provados como se fossem seus. Do “funk” (com seu pseudoativismo brega identitário) ao Espiritismo brasileiro (com o obscurantismo assistencialista dos “médiuns”), da 89 FM à supervalorização de Michael Jackson, do fanatismo gurmê do futebol e da cerveja, do apetite “original” pelas redes sociais, pelo uso da gíria “balada” e dos “dialetos” em portinglês (como “ dog ”, “ body ” e “ bike ”), tudo isso vem das mentes engenhosas das elites empresariais do Itaim Bibi, na Zona Sul paulistana, e de seis parceiros eventuais como o empresariado carnavalesco de Salvador e o coronelismo do Triângulo Mineiro, no caso da religião “espírita”. E temos a supervalorização de uma banda como Guns N'Roses, que não merece a reputação de "rock clássico" que recebe do público brasile...