Um artigo interessante de Fran Alavina foi publicado, os "intelectuais" homologados.
Ele se refere a intelectuais que, fazendo um pacto de visibilidade com a mídia, abrem mão de suas responsabilidades de transmitir conhecimento.
São geralmente intelectuais espetacularizados, com uma fala envolvente, que facilmente formam um público de admiradores.
Normalmente, no Brasil predomina uma certa ojeriza ao pensamento intelectual.
O intelectual é normalmente visto como hermético, lunático, ensimesmado.
Daí que surgem "intelectuais de massa" que se tornam mais atraentes.
Fran não descreve os intelectuais "bacanas", mas nos círculos esquerdistas, há um questionamento subliminar a esse tipo de intelectual.
O intelectual "bacana", para quem não sabe, é ainda uma versão mais espetacularizada do intelectual homologado, e voltada às pregações sobre "cultura popular" e entretenimento.
Nos círculos esquerdistas, critica-se sutilmente a glamourização da pobreza, a vaidade das elites acadêmicas nos cursos de pós-graduação e, agora, o intelectual homologado.
Sutilmente, afinal, até pouco tempo atrás os intelectuais "bacanas" eram queridinhos absolutos das esquerdas médias e eram por estas blindados.
Eles prometiam transformar o jabaculê do brega-popularesco no "folclore de amanhã".
E falavam em "combater o preconceito" aceitando uma visão preconceituosa das classes pobres.
Era o mito da "pobreza linda", que prevaleceu por pouco mais de uma década.
Tudo era "lindo": pobres vivendo em barracos condenados, idosos suburbanos se embriagando, mendigos enlouquecidos, mulheres pobres vendendo o corpo para machões ricos e violentos, pobretões banguelas e crianças rebolando.
Até a pedofilia e a exploração sexual de menores era defendida pela intelectualidade "bacana": a desculpa era que aquilo era "a iniciação sexual das jovens da periferia".
Esses intelectuais vinham da mídia venal para fazer proselitismo na mídia esquerdista.
Uns chegavam a ser contratados pela mídia esquerdista, mas na prática colaboravam ideologicamente para os barões da mídia.
A ideia era sabotar os debates públicos em geral e nos da cultura popular em particular.
Da mesma forma, a manobra dos intelectuais "bacanas" queria manter o povo pobre despolitizado.
E aí, certas asneiras com roupagem ativista ou etnográfica eram despejadas no festivo discurso intelectual, que pegava desprevenido muita gente boa nas esquerdas, mas também fazia dormir tranquila a intelectualidade de direita.
A intelectualidade "bacana" prometia a "revolução socialista" através do "funk".
Falava do É O Tchan como se fosse o suprassumo da "rebelião popular" e da "cultura independente" (?!), embora o grupo claramente tenha sido expressão das corporações fonográficas transnacionais.
Inventavam que o pobre rebolando e fazendo papel de ridículo, expondo suas piores qualidades, já era "ativismo" e "rebelião social".
Não precisava o "povão" lutar por reforma agrária, a bregalização cultural era a "própria reforma agrária".
Aliás, "reforma agrária da MPB", "cultura transbrasileira", "popular demais", "autossuficiência das periferias" e outros jargões eram despejados pela intelectualidade "bacana".
E tudo isso no campo adversário, vestindo a camisa rival, mas marcando ponto para a mídia venal.
No fundo, a intelectualidade "bacana" é também uma intelectualidade homologada.
Embora falasse não para o grande público, mas para o intelectual de esquerda, a essência é similar, até porque a causa que defendem é o entretenimento consumista associado às "massas".
Fran só se esqueceu que na antropologia também há gente "homologada".
O próprio Hermano Vianna, ideólogo do "funk" e da "periferia legal", é até um dos poucos que admitem vínculo com a grande mídia, no caso as Organizações Globo.
Ele é ligado a Fernando Henrique Cardoso, no fundo o "pai dos homologados", ele mesmo um sociólogo que beijou a boca da política neoliberal e da mídia patronal.
Um maniqueísmo curioso veio à tona, por causa dos intelectuais que iam às esquerdas defender a ideologia do brega e da "periferia legal" (ou "pobreza linda").
Intelectuais ditos "progressistas" defendendo a mediocrização cultural do povo pobre e intelectuais reacionários que, de repente, foram condenar o mesmo processo.
De repente, os "amigos do povo" à esquerda defendiam a imbecilização e os reacionários, geralmente elitistas de olho nos próprios umbigos, passaram a ser "amigos do povo" mais à direita.
Além disso, eles eram unidos na ojeriza a Chico Buarque, que era de classe média mas sempre prestou consideração às classes populares.
E aí, o povo foi afastado dos debates esquerdistas, porque foi "brincar" no "funk", no tecnobrega, no "sertanejo", no brega setentista etc.
Tirando o povo desses debates, abriu caminho para a intelectualidade homologada propriamente dita.
E esta abriu o caminho para os reacionários que, fingindo debate, despejavam ódio e ofensas, e, fingindo ativismo, pediam o golpe político-jurídico que resultou no atual cenário político.
A única diferença da intelectualidade "bacana" para a homologada é que, pelo menos, esta última saiu do armário.
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