Sinceramente, o "popular demais" é uma grande porcaria.
Não se trata de preconceito. Afinal, que ruptura de preconceito se pode esperar com a aceitação de fenômenos que tratam o povo pobre de maneira preconceituosa?
O pobre associado à ideia de mau gosto, o "popular demais" empurrado goela abaixo como se fosse um remédio amargo em boca de criança, entre tantas e tantas estranhezas.
Fenômenos pitorescos, aberrantes, piegas, patéticos, que mais parecem paródias depreciativas de negros, pessoas gordas, homossexuais, pobres em geral.
Vide Jojo Toddynho e Pablo Vittar, que soam caricaturais em relação às minorias sociais.
As esquerdas dão um tiro no pé. Acham que "tudo é arte", mas criam um "balaio de gatos" nas quais se supervaloriza tendências para lá de mercadológicas.
A defesa do "popular demais", ou brega-popularesco, deixou as esquerdas em situação ridícula e forneceu munição para comentaristas reacionários e hidrófobos.
A intelectualidade "bacana" acabou, ao empurrar a bregalização para a agenda esquerdista, fortalecendo comentaristas medíocres do porte de Rodrigo Constantino e Eliane Cantanhede.
Os jornalistas reaças, que não têm o que dizer e sentem horror do povo pobre, acabaram levantando a bandeira da "cultura popular de verdade".
Num contraponto surreal a níveis buñuelianos, as esquerdas ficam defendendo o tal "mau gosto" como se fosse uma suposta causa libertária.
Defino isso como a "ditabranda do mau gosto".
As esquerdas caem no ridículo com essa abordagem pró-brega porque, ao defendê-la, não está defendendo as periferias nem as classes populares, e muito menos o esquerdismo.
Elas acabam defendendo, isso sim, interesses que vêm da mídia venal (Rede Globo, Folha de São Paulo, SBT etc) e de grandes corporações, às quais interessa muito a bregalização.
Como no "brega de raiz", de Waldick Soriano e Odair José, que alimenta a indústria de cerveja e outras bebidas alcoólicas por causa da mitificação da embriaguez como "consolo" de homens pobres com alguma frustração.
Acham que um Waldick faria um Brasil mais socialista. Engano. Waldick era conservador, direitista. E a glamourização do brega só fez enriquecer ainda mais um Jorge Paulo Lemann.
A defesa do "popular demais" enfraqueceu as esquerdas e fortaleceu os movimentos reaças da vida, como o Movimento Brasil Livre (aka Movimento Me Livre do Brasil).
O "popular demais" não fortaleceu as classes populares. As enfraqueceu. A "cultura popular" defendida não era aquela transmitida horizontalmente, de forma comunitária, entre as pessoas, mas de forma vertical, da mídia "popular" mas oligárquica consumida pelo povo pobre.
Ao povo pobre, se reservam valores que variam entre os retrógrados, os pitorescos e os piegas.
O povo pobre vira uma caricatura. E ver que setores das esquerdas defendem isso com muita insistência é assustador.
Uma prova de como defender o tal "popular demais", seja na música ou no comportamento - durante anos houve o suposto "feminismo de glúteos" das mulheres-objetos popularescas - , não favoreceu em coisa alguma as classes populares é o apoio de jovens ricos a tais fenômenos.
O "funk", carro-chefe dessa discurseira, ganhou adesão de jovens riquinhos, mesmo aqueles que sentem um profundo ódio à pessoa de Lula.
Há mais famosos, entre os propagandistas do "funk", que militaram pela queda de Dilma Rousseff e hoje imploram para o Judiciário aprovar a prisão de Lula.
Os funqueiros não conseguem se explicar quando jovens ricos e barões da mídia apoiam com muito entusiasmo o "funk".
Os funqueiros caem em contradição. Acusam os jovens de "glamourizar a pobreza", quando isso é inerente ao "funk" como um todo, até no dito "funk de raiz".
Da mesma forma, os funqueiros acusam a mídia hegemônica e o mercado de "se apropriarem" do gênero. E os próprios funqueiros alegam que se apresentam nos espaços dessa grande mídia por "enfrentamento".
É pura falácia. Afinal, não há conflito quando funqueiros aparecem na grande mídia. Não há tensão.
A Rede Globo nunca teria acolhido a Liga do Funk meses depois desta participar de um protesto anti-Globo.
Suspeita-se que a Liga do Funk é informante da Globo infiltrada nos movimentos de esquerda. Em várias fotos, se vê Bruno Ramos, nos comícios do PT, se comportando como se estivesse ouvindo tudo com redobrada atenção para depois "informar" a representantes da mídia venal.
O "popular demais", portanto, não rompeu com o establishment político-midiático dominante. Pelo contrário, até o fortaleceu.
E a indigência cultural que a falácia do "combate ao preconceito" (mas aceitando formas preconceituosas e depreciativas, mas espetacularizadas, de abordar o povo pobre) resultou mostra o quanto isso enfraqueceu os movimentos populares.
O "ufanismo das favelas" prendeu o povo pobre nos morros para a violência abusiva de policiais corruptos, milicianos e militares corrompidos dizimasse "por acidente" pobres inocentes, incluindo crianças.
Além disso, as pessoas passaram a ter preconceito com formas comportamentais e musicais mais dignas.
Há gente que erroneamente disse que "melhorar a cultura do povo pobre" é "ser fascista".
Engano. Quem defende o "popular demais" e não quer que o povo melhore culturalmente, acreditando no mito da "pureza da pobreza" e mitificando a ignorância popular, é que está próximo de um fascista.
Na melhor das hipóteses, é um "esquerdista" mais afinado com as visões retrógradas de Michel Temer ou da agenda privatizante e mercantilista do PSDB.
Mas mesmo entre as elites ou entre a classe média a indigência cultural se contagiou.
Enquanto, na Argentina, se teve um Soda Stereo, uma banda com o carisma da nossa Legião Urbana, cheia de referenciais culturais considerados "difíceis", aqui até a cultura rock ficou indigente.
Daí que vemos coisas aberrantes, como rebaixar o AC/DC e o Deep Purple a one hit wonders.
O citado Soda Stereo citou como influências a seminal banda britânica XTC, que, lá fora, influenciou até bandas como Blur e Foo Fighters.
Aqui, falam que System of a Down, tão mainstream quanto o Justin Bieber, é "rock alternativo".
E, num dia em que o saudoso Cazuza teria feito 60 anos, o Rock Brasil de hoje é um engodo de bandas que, salvo raras exceções, se preocupam com o visual, o barulho e uma "atitude" que seus músicos não sabem mesmo do que se trata.
Até as rádios rock digitais mais empenhadas caem na pegadinha de tocar mais bandas de nu metal, enquanto ignoram XTC, Ride, Teardrop Explodes, King Crimson e Bobby Fuller Four.
Na MPB, vemos a obsessão do revivalismo, pois a MPB autêntica se recusa a investir em renovação e fica perdida em incessantes homenagens.
Na música estrangeira, as pessoas parecem raciocinar como um disco arranhado, ouvindo os mesmos sucessos de Tina Turner, Chistopher Cross, Daryl Hall & John Oates e outros gringos que, de tão repetidos, se tornaram insuportáveis, por mais respeitáveis que fossem tais intérpretes.
E os hasbeen musicais? Qualquer astro decadente do pop mofado dos anos 1970 desembarca no Galeão ou em Congonhas como se fosse um Deus.
Pior é que essa indigência cultural generalizada ainda tem patrulheiros nas redes sociais.
Vide os fascistas que defendiam a fase "roqueira" da Rádio Cidade. Ou os fanáticos por Bee Gees que se equiparam, em agressividade, aos punks fascistas.
É tanto absurdo no âmbito da cultura não só musical - na comportamental, vemos a aberração de programas policialescos transmitidos à luz do dia, quando deveriam ocorrer na madrugada - que o Brasil parece atolado na areia movediça do atraso.
É preciso que se sacuda tudo. É certo que os fascistinhas digitais não vão gostar e vão sair por aí produzindo postagens ofensivas contra tudo e contra todos.
É só alguém discordar que acaba sendo "zoado" em páginas rancorosas que, de tão ruins, só servem para serem rastreadas por delegados de polícia.
Infelizmente, há autoritarismo até entre muitos jovens nas mídias sociais. A burrice e a idiotice ganharam status de verdadeiras tiranias, e isso é muito ruim.
Algo tem que ser feito antes que a indigência cultural leve o Brasil a um cenário ainda mais obscuro.
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