A Justiça Eleitoral está analisando meios de combater as chamadas fake news eleitorais, como forma de não influir de maneira desordeira na manipulação do eleitorado para eleger candidatos.
As notícias falsas foram responsáveis pela eleição, nos EUA, de Donald Trump, e do "salto para o abismo" que foi a vitória da saída do Reino Unido da União Europeia.
Nas eleições de 2016, já vi carro de um candidato citando páginas de fake news com supostas denúncias do candidato rival.
Para nomear essas páginas, criam-se desde saladas misturando palavras de periódicos existentes ou evocações à pátria brasileira ou a clichês de cidadania e liberdade.
Na maioria dessas páginas, há uma campanha difamatória de personalidades progressistas, mas também campanha de exaltação de figuras idolatradas por fascistas.
Fake News existem desde quando o homem é homem, sendo na verdade uma extensão noticiosa do ato de mentir.
Consta-se que, na Idade Média, muito se difundiu de fake history envolvendo Jesus, e que infelizmente valem como "informações verídicas" até hoje.
No Brasil atual, as fake news costumam desmoralizar o Partido dos Trabalhadores e defender retrocessos sociais diversos.
Desde os anos 90, há uma patrulha para defender retrocessos sociais de todo tipo.
De rádios roqueiras fake - que têm o mesmo modus operandi da Jovem Pan FM e só tem vitrolão roqueiro - à extinção dos direitos trabalhistas e, quiçá, a queda do salário mínimo.
Devemos combater as páginas de fake news mas sem apelar para a censura na Internet, porque o autoritarismo protege mais os agressores do que as vítimas, na medida em que se torna uma máquina moralista e punitivista sem controle.
Mas o problema é quando as obras fake são motivadas por supostas intenções de caridade, como ajuda ao próximo, promoção da paz e da fraternidade etc.
Essas obras, que "nunca agridem" e "não trazem baixarias", mesmo assim são desonestas do mesmo jeito.
Elas quase sempre se apoiam na religião mais desonesta do Brasil, o Espiritismo à brasileira que traiu os ensinamentos originais do pedagogo Allan Kardec.
Sem qualquer estudo sério e motivado pela tradição brasileira de não se ter concentração para certas tarefas, criam-se obras "espirituais" da imaginação fértil do pessoal da terra e das consultas de fontes bibliográficas ou testemunhais.
Desde, pelo menos, a década de 1930, essas "pseudografias" ou "psicografake" (trocadilhos com a expressão "psicografia") tornou-se um sistemático, perverso e traiçoeiro processo de se apropriar do prestígio de quem não está mais entre nós.
Um sem-número de personalidades foi lesado postumamente, sem o menor escrúpulo, e associado a mensagens que nem de longe lembram os estilos pessoais dessas pessoas.
Desde que um embuste literário atribuído a vários autores mortos, incluindo nomes ilustres de nossa literatura, foi lançado, há mais de 80 anos, uma parcela de pessoas pretensamente iluminadas se achou no "direito" de escolher o nome do morto e fabricar "mensagem" em nome dele.
Seja pintura, livro, carta, ou mesmo um falsete vocal digno de imitações de stand up comedy. Tudo feito "em nome do pão dos pobres".
É uma leviandade sem tamanho, tão grave e preocupante quanto as fake news.
Imagine uma pessoa morrer e perder o controle de seu próprio legado. De repente, vem um figurão tido como "filantropo", escreve uma mensagem da própria mente, e põe na autoria de um morto.
A prática se tornou impune, as instituições ditas "espíritas" acumulam fortunas com isso (só realmente pouca coisa é destinada à caridade, pasmem vocês), oportunistas tidos como "médiuns" (note o trocadilho com "mídia") ganham estrelado e todo mundo aceita sem questionar.
Um dos maiores ídolos religiosos do Brasil é, na verdade, um grande farsante que arrumou encrenca com críticos literários sérios por causa da apropriação dos mortos e saiu não só impune como hoje é alvo da adoração mais obsessiva e cega.
Isso se deu com muito marketing, muito apoio das elites, muita blindagem da mídia hegemônica, muito pensamento desejoso aqui e ali, e fez de um plagiador de livros com uma sorte que nem o picareta Marcelo "VIPs" Nascimento foi capaz de alcançar.
A memória curta e o jeitinho brasileiro transformaram ele num pretenso símbolo de amor e caridade, mas investigando bem, sua vida mostra aspectos sombrios de fazer careca arrancar os cabelos.
Pioneiro das obras fake, o figurão era um reacionário, defendeu a ditadura militar na sua pior fase, se disse discípulo de Kardec mas foi o seu maior e pior traidor, e saiu-se impune como se tivesse sido um político do PSDB, só que com mais carisma.
Hoje já se denunciam as irregularidades dele, e antigas denúncias também são levadas à tona, mas oficialmente a sociedade reage a isso em silêncio, como se, orando, o farsante pudesse manter, postumamente, uma reputação inabalável.
Protege-se mais o prestígio religioso de pessoas assim - recentemente, um dito "médium" divulgou pretensas mensagens de cientistas europeus com linguagem de youtuber brasileiro (imagine Erich Fromm escrevendo como Whindersson Nunes?) - do que o povo brasileiro.
Contrariando o pedagogo Kardec, que alertou sobre os "inimigos internos" da doutrina que ele desenvolveu, do uso de nomes ilustres para obras farsantes e disse que "melhor que caiam uns do que uma multidão", preferiu-se que se protegessem os farsantes do que o povo brasileiro.
Preferiu-se obras piegas que, embora farsantes e claramente fake, falem em supostas "lições de vida" e pretensos apelos para a paz e fraternidade, e mais parecem arremedos de "contos de fadas" para adultos, mascarados de "sabedoria".
É fácil construir uma narrativa de décadas e promover farsantes de outras décadas como pretensos "iluminados". É o que a mídia hegemônica tenta fazer com Luciano Huck, por exemplo.
A fábrica de "santos" (ao mesmo tempo imperfeitos e perfeitos, num apelo contraditório que deslumbra os incautos) já havia transformado, pelo menos, dois produtores de psicografake em pretensos iluminados.
Até a santidade deles é algo improvisado, feito pelo disse-me-disse. Santidade é algo discutível, mas pelo menos a Igreja Católica busca maior organização e disciplina na "fabricação de santos".
Seria bom que o empenho feito em combater fake news eleitorais possa também ser feito contra as obras fake espirituais, fosse quem fosse o prestígio e a popularidade daquele que lança tais obras.
Mesmo que falem de paz, amor e fraternidade, elas são obras farsantes do mesmo jeito.
E, em um trecho ou outro, sempre aparecem um recado moralista retrógrado - do tipo "aceitar calado a própria desgraça" - ou delírios místicos surreais, como as "cidades espirituais" de ficção científica.
Será que temos que trair a memória dos mortos que nos deixaram saudade e fingir que as obras inéditas que levianamente levam seus nomes são "autênticas" só porque pedem para "todos sermos irmãos"?
Não. Obra desonesta é desonesta do mesmo jeito. Pessoas na terra usando os nomes dos mortos para camuflar ideias pessoais desses ordinários vivos de ontem e de hoje - das quais o "apelo à paz" e outros apelos são apenas a "cobertura do bolo" - não deixam de ser levianas.
Se passar por outro é desonesto e usar a paz, a fraternidade e o pão dos pobres para tal tarefa é uma dupla desonestidade.
Mais desgraçado é quem faz isso, porque primeiro se passa por alguém que não está mais vivo, e ainda se mascara por causas supostamente nobres para justificar essa apropriação.
Imagine você estar no lugar do morto, ver outro se passando por você, mascarando a fraude com mensagens bonitinhas e suposta caridade. Você naturalmente não vai aceitar isso.
Por isso é que a desonestidade textual virou uma grande folia. Quem sabe as psicografake também não são precedentes para as fake news?
As próprias redes sociais, redutos do ódio e da intolerância, adoram esses "médiuns" que foram precursores de obras fake.
Eles privatizaram o "amor" e a "caridade". Por isso o ódio se tornou público, e o amor se tornou um patrimônio privado (mas não verdadeiro) de uma meia-dúzia de ídolos religiosos, que volta e meia também sabem defender o ódio através do apoio à ditadura miliar ou ao golpe de 2016.
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