O que está estranho no comportamento do niteroiense hoje?
Antiga capital fluminense, considerada o quarto maior Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil, Niterói sucumbiu à decadência que a colocou abaixo das piores cidades interioranas do país.
O número de fumantes é considerável. E há pessoas "fumando com os dedos", ainda pensando se vão parar ou não de fumar (ignorando que, em breve, terão dificuldade para sobreviver a uma quimioterapia).
Faltam produtos nas lojas, até em fases de excelente abastecimento de mercados.
No futebol, os niteroienses desprezam completamente os times locais, Canto do Rio e Tio Sam, que nem investimentos para crescer recebem. Preferem os niteroienses torcerem por times da cidade vizinha, o Rio de Janeiro.
Levam às últimas consequências o conformismo bovino que está atingindo os cariocas, no outro lado da Baía da Guanabara.
Na cultura rock, digeriram o fim da Fluminense FM e recentemente aceitaram a canastrice da Rádio Cidade ou a problemática (e cara) sintonia das rádios rock digitais pelo celular.
Na cultura da MPB, digeriram o fim da MPB FM e se dividem entre sucessos brega-popularescos ou os velhos flash backs estrangeiros que nem seus intérpretes aguentam mais ouvir.
Que o conformismo dos cariocas já é coisa de fazer careca arrancar os cabelos, sepultando o espírito de garimpagem, resistência e criatividade antes atribuídos ao Rio de Janeiro (lá pelos idos de 1958, diga-se de passagem), é verdade.
Mas os niteroienses superam em conformismo que já é catastrófico na ex-Cidade Maravilhosa.
Até parece que o IDH foi uma dádiva divina, pelo mérito das preces, e não por esforços que haviam sido feitos nos anos 1980 para tentar urbanizar Niterói.
É claro que o IDH obedeceu critérios discutíveis, pois Niterói sempre esteve longe de obter a reputação trazida pelo índice, feito por técnicos da Organização das Nações Unidas.
Em todo caso, Niterói poderia, ao menos, fazer por onde honrar o título. Só que não.
Depois da gafe de esperar mais de 70 anos para construir a via Cafubá-Charitas, percurso de avenidas e túnel que já havia sido bolado em 1943 (!), fala-se agora da novela da falta de avenida própria ligando bairros vizinhos, de Rio do Ouro e Várzea das Moças.
Até agora, oficialmente há um silêncio sepulcral sobre esse problema.
A Prefeitura de Niterói, nessas regiões, se limita a fazer apenas patrolagem e terraplenagem em ruas e avenidas já existentes.
A RJ-106, que em Niterói sofre sobreposição de funções, devido à atribuição de "avenida de bairro" ligando Rio do Ouro a Várzea das Moças, está recebendo obras de recapeamento... em Maricá.
Só agora a prefeitura niteroiense resolveu asfaltar a Estrada Frei Orlando, que liga Rio do Ouro a Piratininga.
Mas nada de avenida própria ligando Rio do Ouro a Várzea das Moças.
As páginas noticiosas niteroienses fazem vista grossa, mesmo quando há um acidente na Rodovia RJ-106 complicando o trânsito, e ainda que isso reflita no tráfego de Itaipu.
A irritante vocação para a mesmice de boa parte dos niteroienses chega a ser surreal.
Até parece que Niterói quer a RJ-106 só para ela, quando a rodovia é uma estrada estadual e liga uma porção de municípios da Região dos Lagos e do Centro-Norte fluminense.
Se queixam de que a nova avenida entre Rio do Ouro e Várzea das Moças seria desperdício, um bulevar de namorados em carros conversíveis etc.
Mas aceitam que se dê um "passeio" só para retornar de Várzea das Moças para Tribobó, como fazem os ônibus de São Gonçalo, gastando combustível à toa.
O que faz o niteroiense se comportar assim? Ficar surdo aos próprios problemas, boicotá-los nas redes sociais, usar desculpas para evitar soluções mais adequadas?
O raciocínio obtuso do niteroiense médio faz com que refrões idiotas como "para quê Várzea das Moças e Rio do Ouro precisam ter avenida própria? Eles já tem a RJ-106" sejam repetidos.
O problema que a RJ-106 não é uma rodovia de Niterói. É uma rodovia do Estado do Rio de Janeiro, que envolve muitos municípios.
Como "avenida de bairro" de Niterói, único acesso largo entre bairros vizinhos, a RJ-106 sofre sobreposição de funções, prejudicando até mesmo as relações econômicas dos demais municípios envolvidos.
Existe até mesmo a desculpa do dialeto tecniquês dos tecnocratas (que falam bonito quando querem evitar realizar medidas de interesse público) para inviabilizar a nova avenida Rio do Ouro - Várzea das Moças.
É aquela falácia: "o impacto da sobreposição de funções da RJ-106 é mínimo e não afeta a fluidez do trânsito da rodovia".
Esse discurso, apesar do verniz técnico, é improcedente: se baseia nos momentos de baixo fluxo da RJ-106.
Nos momentos de trânsito intenso, o problema é sério. Era para as demais prefeituras manifestarem irritação com a niteroiense.
Há caminhões transitando entre Macaé e Tribobó, trazendo ou levando produtos, estratégicos para atividades econômicas no distante município.
No entanto, segue "feliz" a situação de que esse tráfego é prejudicado porque veículos vêm e vão de Rio do Ouro para Várzea das Moças por intermédio da rodovia estadual.
Por que o niteroiense não se incomoda com isso? Por que o niteroiense não se incomoda com coisa alguma, sequer com os reajustes dos preços dos produtos?
Quem é o niteroiense? O que quer o niteroiense? O niteroiense é um burguês da Barra da Tijuca que usa um apê de Icaraí como dormitório?
E a quem interessa não pensar em avenida própria ligando Rio do Ouro a Várzea das Moças, EVITANDO a RJ-106?
Existe um poderoso latifundiário nos terrenos envolvidos, capaz de estar acima dos interesses até de cidades distantes cobertas pela rodovia, como Cabo Frio e Macaé?
Como o niteroiense toma consciência de seus problemas? Na primeira página de O Dia e O Globo, na tela do Jornal Nacional, nos comentários de José Luiz Datena no Brasil Urgente e nos de Ricardo Boechat na Band News FM?
O que quer o niteroiense que pouco se cuida com o cigarro, com o fedor dos caminhões de lixo? Será que o problema só tem valor se interfere no seu cotidiano pessoal? E o de outras pessoas, não há importância?
A RJ-106 não é só de Niterói. E cabe o DER-RJ pensar no investimento de nova avenida entre Rio do Ouro e Várzea das Moças, com desapropriação de imóveis e tudo.
Cabe à imprensa niteroiense e até mesmo a carioca - sobretudo as seções de Niterói de O Globo e Jornal do Brasil - a denunciar esse problema da sobreposição de funções da RJ-106.
Pela ótica da mobilidade urbana, a RJ-106 deveria priorizar a ligação entre Tribobó, Maricá e Região dos Lagos.
Ela não deveria ser a única opção de ligação entre dois bairros, que, fora a rodovia, só têm uma estrada carroçável como outra alternativa.
Os niteroienses deveriam sair de sua zona de conforto e tomar consciência de que IDH não é sigla religiosa concebida pelas forças do Alto, mas um índice que, bem ou mal, obedece critérios técnicos.
Se Niterói quer ter IDH alto, tem que fazer por onde. Sobretudo perder o medo de conhecer seus problemas mais complexos, como a sobreposição de funções da RJ-106 com a falta de uma outra avenida ligando dois bairros vizinhos.
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