APARENTEMENTE DESPOLITIZADOS, DOM E RAVEL CANTARAM O BRASIL UFANISTA DE 1970, SIMBOLIZADO PELA VITÓRIA DA COPA DO MUNDO, CUJO TROFÉU DO TRI APARECE NAS MÃOS DO GENERAL MÉDICI.
A bregalização cultural foi um golpe cultural que antecipou o golpe político de 2016.
Adestrados pelas elites intelectuais ligadas a Fernando Henrique Cardoso, os chamados intelectuais "bacanas" - assim chamados porque queriam parecer legais num cenário de anti-intelectualismo - iniciaram a retórica da defesa do brega-popularesco ou "popular demais".
Essa campanha, embora tenha como um dos precedentes um artigo acadêmico de Milton Moura em 1996, "Esses pagodes impertinentes...", foi oficialmente iniciada pelo livro Eu Não Sou Cachorro Não, de Paulo César de Araújo.
Araújo era muito badalado pela mídia hegemônica, cumprindo a agenda da bregalização que era a "menina dos olhos" das famílias Frias, Civita e Marinho.
São intelectuais que estavam treinando abordagens neoliberais da cultura popular em que o objetivo era tratar como "cultura legítima" fenômenos comerciais, numa linhagem iniciada pelos primeiros ídolos cafonas apoiados pelo coronelismo midiático dos anos 1960.
Eram ritmos mais ou menos americanizados, com influências estrangeiras assimiladas de forma vertical, por imposição do mercado e da mídia hegemônica.
A desculpa para empurrar a bregalização para o reconhecimento intelectual sério era a "ruptura do preconceito", um discurso atraente porém completamente cheio de falhas e incoerências.
Era um discurso empurrado como se fosse remédio ruim nas goelas das crianças.
A retórica da "ruptura do preconceito" é falha porque o dito "popular demais" já abordava o povo pobre de maneira bastante preconceituosa e aceitar isso como se fosse "combater o preconceito" é bastante contraditório e incoerente.
Apesar dessa falha e do discurso publicitário travestido de "etnografia" e "abordagem ativista-cultural", o discurso funcionou e a bregalização chegou a se aproximar da unanimidade de apoio de intelectuais e personalidades influentes.
O que chama a atenção é que a bregalização, que nunca contrariou os interesses dos barões da mídia, mas muito pelo contrário, o discurso foi empurrado para setores intelectuais de esquerda.
E por que as esquerdas passaram a apoiar ídolos cafonas dos anos 1970, nomes popularescos dos anos 1980 e 1990 e nomes mais contemporâneos, como os do "funk", principal tendência blindada por essa retórica "sem preconceitos"?
São tendências - paralelamente blindadas ao lado de fenômenos não-musicais como a imprensa policialesca e as "mulheres-frutas" - que tiveram maior sucesso durante contextos políticos conservadores.
Os primeiros ídolos cafonas se consagraram durante a ditadura militar ou em áreas interioranas dominadas pelo latifúndio, que controlava rádios e serviços de auto-falantes, ou por grandes empresas de eletrodomésticos ou da indústria do disco.
Emissoras da mídia hegemônica, como TV Tupi, TV Record, TV Bandeirantes e TV Studios foram as primeiras que lançaram e apoiaram os ídolos bregas dos anos 1970.
Os ídolos neo-bregas - que fundiu a cosmética "luxuosa" do brega dos anos 1980 com a pasteurização da MPB da época - dos anos 1980-1990 eram blindados pela Rede Globo de Televisão e ajudados pelas rádios e TVs apadrinhadas, depois, por José Sarney e Antônio Carlos Magalhães.
O governo Fernando Henrique Cardoso também simbolizou o fortalecimento do brega-popularesco no gosto popular, através da mídia hegemônica solidária.
A Globo, nessa época, colocava os neo-bregas da Era Collor para participar de tributos à MPB, de maneira tendenciosa e pedante.
E por que a bregalização acabou caindo na pauta das esquerdas?
Por causa de intelectuais "alienígenas" que passaram a atuar na mídia de esquerda, mas fazendo o trabalho free lancer em prol dos interesses dos barões da grande mídia.
A partir de gente como Pedro Alexandre Sanches e Denise Garcia, fora o papelão de Bia Abramo, na página da Fundação Perseu Abramo, defender o "funk" a ponto de preferir apoiar uma "musa" empresariada por Alexandre Frota, empurrou-se a bregalização na goela dos esquerdistas.
E por que isso se deu? Porque nunca houve, até agora, um intelectual de expressão e visibilidade que analisasse a cultura brasileira de forma realmente progressista e de esquerda.
Além disso, as esquerdas sempre cometeram o erro de pensar a realidade dentro de um prisma economicista.
Diante disso, a bregalização era economicamente correta: gerava empregos, faturava alto, tinha uma estratégia sustentável de mercado e marketing.
Mas, culturalmente, era um processo perverso de domesticação das classes populares, sobretudo quanto à transmissão de valores de inferiorização social associados à glamourização da pobreza e da ignorância do povo pobre.
Com isso, as esquerdas cometeram um erro quase fatal: apoiando a bregalização, sobretudo o "funk", faziam coro à mesma mídia venal que dizem combater.
Isso legitima o poder midiático que difundiu essa abordagem estereotipada e, muitas vezes, grosseiramente caricatural, das classes populares.
Chegou-se ao ponto de mascarar a imagem direitista de Waldick Soriano, um sujeito que, em seu tempo, foi reacionário e conservador. Vídeos com ele defendendo a ditadura militar e o machismo haviam sido retirados da Internet.
O próprio "funk", entre 2003 e 2005, foi o instrumento estratégico das Organizações Globo e do Grupo Folha para domesticar as classes populares.
Outro aspecto é que a retórica da bregalização tinha como objetivo enfraquecer a MPB, evitando assim o fortalecimento de movimentos como o Centro Popular de Cultura e os festivais da canção.
O grande golpe cultural trazido pelo trio Paulo César de Araújo - Pedro Alexandre Sanches - Hermano Vianna tinha essa finalidade: enfraquecer a cultura popular, sobretudo musical, de qualidade, empurrando tendências comerciais que abordavam o povo pobre de forma caricata.
Isso muito contribuiu para o golpe político de 2016, sobretudo quando funqueiros e pagodeiros-bregas eram tidos como "pensadores" em exercícios escolares bolados por professores porraloucas.
Evidentemente, hoje os intelectuais em geral choram o leite derramado.
Achavam que ia dar socialismo com a bregalização cultural blindada pelos barões da mídia e hoje temos a ameaça Bolsonaro.
Agora os intelectuais "bacanas" mudam de assunto, Hermano Vianna falando de sociedades digitais, Pedro Sanches "falando mal" dos direitistas da moda...
A "ruptura do preconceito" tornou a sociedade ainda mais preconceituosa, só que mudando o alvo para a cultura de qualidade.
O discurso "generoso" gerou muitos sociopatas, escravizou a música brasileira ainda mais ao comercialismo estadunidense e tornou as mentes dos jovens raquíticas pela indigência cultural midiática.
Inútil falar em "antropofagia cultural", porque a americanização do brega-popularesco é uma decisão vertical, imposta pelo mercado e pela mídia hegemônica, e não pela livre escolha dos apreciadores culturais.
Inútil falar na risível dicotomia "apropriação e enfrentamento" das relações entre a mídia oligárquica e o "popular demais", porque não existe o conflito que caraterizaria essa suposta dualidade.
O que vimos é que o apoio das esquerdas ao "popular demais" as debilitou seriamente, a ponto delas hoje perderem o protagonismo.
O que o culturalismo - contestado por Jessé Souza - foi capaz de fazer, com a "sociologia espontânea" do senso comum criando a suposta "naturalidade" das classes pobres, numa abordagem sem conflitos de interesses em que os barões da mídia e o povo "compartilhavam" o "popular demais".
O papo de "combate ao preconceito" gerou uma sociedade ainda mais preconceituosa e, culturalmente debilitada, chega, em parte, a pedir a volta da ditadura militar.
Ficamos imaginando os rebutes (reboots) dos ídolos bregas, cantando hinos ufanistas enquanto o ditador de plantão levanta o troféu de uma vitória em Copa do Mundo...
A bregalização cultural foi um golpe cultural que antecipou o golpe político de 2016.
Adestrados pelas elites intelectuais ligadas a Fernando Henrique Cardoso, os chamados intelectuais "bacanas" - assim chamados porque queriam parecer legais num cenário de anti-intelectualismo - iniciaram a retórica da defesa do brega-popularesco ou "popular demais".
Essa campanha, embora tenha como um dos precedentes um artigo acadêmico de Milton Moura em 1996, "Esses pagodes impertinentes...", foi oficialmente iniciada pelo livro Eu Não Sou Cachorro Não, de Paulo César de Araújo.
Araújo era muito badalado pela mídia hegemônica, cumprindo a agenda da bregalização que era a "menina dos olhos" das famílias Frias, Civita e Marinho.
São intelectuais que estavam treinando abordagens neoliberais da cultura popular em que o objetivo era tratar como "cultura legítima" fenômenos comerciais, numa linhagem iniciada pelos primeiros ídolos cafonas apoiados pelo coronelismo midiático dos anos 1960.
Eram ritmos mais ou menos americanizados, com influências estrangeiras assimiladas de forma vertical, por imposição do mercado e da mídia hegemônica.
A desculpa para empurrar a bregalização para o reconhecimento intelectual sério era a "ruptura do preconceito", um discurso atraente porém completamente cheio de falhas e incoerências.
Era um discurso empurrado como se fosse remédio ruim nas goelas das crianças.
A retórica da "ruptura do preconceito" é falha porque o dito "popular demais" já abordava o povo pobre de maneira bastante preconceituosa e aceitar isso como se fosse "combater o preconceito" é bastante contraditório e incoerente.
Apesar dessa falha e do discurso publicitário travestido de "etnografia" e "abordagem ativista-cultural", o discurso funcionou e a bregalização chegou a se aproximar da unanimidade de apoio de intelectuais e personalidades influentes.
O que chama a atenção é que a bregalização, que nunca contrariou os interesses dos barões da mídia, mas muito pelo contrário, o discurso foi empurrado para setores intelectuais de esquerda.
E por que as esquerdas passaram a apoiar ídolos cafonas dos anos 1970, nomes popularescos dos anos 1980 e 1990 e nomes mais contemporâneos, como os do "funk", principal tendência blindada por essa retórica "sem preconceitos"?
São tendências - paralelamente blindadas ao lado de fenômenos não-musicais como a imprensa policialesca e as "mulheres-frutas" - que tiveram maior sucesso durante contextos políticos conservadores.
Os primeiros ídolos cafonas se consagraram durante a ditadura militar ou em áreas interioranas dominadas pelo latifúndio, que controlava rádios e serviços de auto-falantes, ou por grandes empresas de eletrodomésticos ou da indústria do disco.
Emissoras da mídia hegemônica, como TV Tupi, TV Record, TV Bandeirantes e TV Studios foram as primeiras que lançaram e apoiaram os ídolos bregas dos anos 1970.
Os ídolos neo-bregas - que fundiu a cosmética "luxuosa" do brega dos anos 1980 com a pasteurização da MPB da época - dos anos 1980-1990 eram blindados pela Rede Globo de Televisão e ajudados pelas rádios e TVs apadrinhadas, depois, por José Sarney e Antônio Carlos Magalhães.
O governo Fernando Henrique Cardoso também simbolizou o fortalecimento do brega-popularesco no gosto popular, através da mídia hegemônica solidária.
A Globo, nessa época, colocava os neo-bregas da Era Collor para participar de tributos à MPB, de maneira tendenciosa e pedante.
E por que a bregalização acabou caindo na pauta das esquerdas?
Por causa de intelectuais "alienígenas" que passaram a atuar na mídia de esquerda, mas fazendo o trabalho free lancer em prol dos interesses dos barões da grande mídia.
A partir de gente como Pedro Alexandre Sanches e Denise Garcia, fora o papelão de Bia Abramo, na página da Fundação Perseu Abramo, defender o "funk" a ponto de preferir apoiar uma "musa" empresariada por Alexandre Frota, empurrou-se a bregalização na goela dos esquerdistas.
E por que isso se deu? Porque nunca houve, até agora, um intelectual de expressão e visibilidade que analisasse a cultura brasileira de forma realmente progressista e de esquerda.
Além disso, as esquerdas sempre cometeram o erro de pensar a realidade dentro de um prisma economicista.
Diante disso, a bregalização era economicamente correta: gerava empregos, faturava alto, tinha uma estratégia sustentável de mercado e marketing.
Mas, culturalmente, era um processo perverso de domesticação das classes populares, sobretudo quanto à transmissão de valores de inferiorização social associados à glamourização da pobreza e da ignorância do povo pobre.
Com isso, as esquerdas cometeram um erro quase fatal: apoiando a bregalização, sobretudo o "funk", faziam coro à mesma mídia venal que dizem combater.
Isso legitima o poder midiático que difundiu essa abordagem estereotipada e, muitas vezes, grosseiramente caricatural, das classes populares.
Chegou-se ao ponto de mascarar a imagem direitista de Waldick Soriano, um sujeito que, em seu tempo, foi reacionário e conservador. Vídeos com ele defendendo a ditadura militar e o machismo haviam sido retirados da Internet.
O próprio "funk", entre 2003 e 2005, foi o instrumento estratégico das Organizações Globo e do Grupo Folha para domesticar as classes populares.
Outro aspecto é que a retórica da bregalização tinha como objetivo enfraquecer a MPB, evitando assim o fortalecimento de movimentos como o Centro Popular de Cultura e os festivais da canção.
O grande golpe cultural trazido pelo trio Paulo César de Araújo - Pedro Alexandre Sanches - Hermano Vianna tinha essa finalidade: enfraquecer a cultura popular, sobretudo musical, de qualidade, empurrando tendências comerciais que abordavam o povo pobre de forma caricata.
Isso muito contribuiu para o golpe político de 2016, sobretudo quando funqueiros e pagodeiros-bregas eram tidos como "pensadores" em exercícios escolares bolados por professores porraloucas.
Evidentemente, hoje os intelectuais em geral choram o leite derramado.
Achavam que ia dar socialismo com a bregalização cultural blindada pelos barões da mídia e hoje temos a ameaça Bolsonaro.
Agora os intelectuais "bacanas" mudam de assunto, Hermano Vianna falando de sociedades digitais, Pedro Sanches "falando mal" dos direitistas da moda...
A "ruptura do preconceito" tornou a sociedade ainda mais preconceituosa, só que mudando o alvo para a cultura de qualidade.
O discurso "generoso" gerou muitos sociopatas, escravizou a música brasileira ainda mais ao comercialismo estadunidense e tornou as mentes dos jovens raquíticas pela indigência cultural midiática.
Inútil falar em "antropofagia cultural", porque a americanização do brega-popularesco é uma decisão vertical, imposta pelo mercado e pela mídia hegemônica, e não pela livre escolha dos apreciadores culturais.
Inútil falar na risível dicotomia "apropriação e enfrentamento" das relações entre a mídia oligárquica e o "popular demais", porque não existe o conflito que caraterizaria essa suposta dualidade.
O que vimos é que o apoio das esquerdas ao "popular demais" as debilitou seriamente, a ponto delas hoje perderem o protagonismo.
O que o culturalismo - contestado por Jessé Souza - foi capaz de fazer, com a "sociologia espontânea" do senso comum criando a suposta "naturalidade" das classes pobres, numa abordagem sem conflitos de interesses em que os barões da mídia e o povo "compartilhavam" o "popular demais".
O papo de "combate ao preconceito" gerou uma sociedade ainda mais preconceituosa e, culturalmente debilitada, chega, em parte, a pedir a volta da ditadura militar.
Ficamos imaginando os rebutes (reboots) dos ídolos bregas, cantando hinos ufanistas enquanto o ditador de plantão levanta o troféu de uma vitória em Copa do Mundo...
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