As elites brasileiras se consideram modernas e descoladas, mas andam bastante desnorteadas.
Um episódio que causou problemas foi a festa de aniversário de 50 anos de Donata Meirelles, mulher do publicitário baiano Nizan Guanaes e diretora da edição brasileira da revista Vogue.
A festa foi na sexta-feira passada e Donata tentou agradar os baianos, sentada numa cadeira de pavão de vime e cercada de duas negras vestidas de baianas. O tema da festa foi o candomblé.
A cadeira de pavão feita em fibra de vime, de origem asiática e utilizada por Huey P. Newton, dos Panteras Negras, e por Elza Soares, em um álbum de 1974, foi apropriada pela socialite que acabou sendo vista como a "sinhá" do cenário.
A imagem acabou remetendo ao Brasil colonial, com uma mulher branca ao lado de duas negras que sugerem simbolizar escravas vestindo roupas brancas.
A repercussão na Internet foi negativa.
A festa teve a participação de nomes como Caetano Veloso e Margareth Menezes.
No dia seguinte ao aniversário, Donata publicou texto no seu perfil no Instagram pedindo desculpas.
"Nas fotos publicadas, a cadeira não era uma cadeira de Sinhá, e sim de candomblé, e as roupas não eram de mucama, mas trajes de baiana de festa. Ainda assim, se causamos uma impressão diferente dessa, peço desculpas", explicou Donata.
Lilia Moritz Schwartz, antropóloga e historiadora, classificou a imagem de Donata como efeito do "racismo estrutural" que domina o inconsciente coletivo das elites sócio-econômicas.
Outro antropólogo, Hélio Menezes, comparou a foto da socialite com imagens de sinhás sentadas em cadeiras carregadas por escravos.
Hélio ainda atribuiu a referida foto como "exageradamente cafona". E definiu como "violenta", apesar de "aqui nos tristes trópicos a cena ganha ares de elegância, com direito a selo Vogue de qualidade...", nas palavras irônicas do intelectual.
Creio que o ato pode ter sido de boa-fé, mas reflete uma desinformação crônica das elites.
Volta e meia, elas têm seus surtos, também. O marido de Donata, Nizan Guanaes, chegou a apelar para o então presidente da República, Michel Temer, adotar "medidas impopulares" baseadas na impopularidade do temeroso governante.
O Brasil é muito mal resolvido culturalmente. Daí que, entre 2002 e 2018, intelectuais "bacanas" acabaram fazendo um grande papelão ao insistir na defesa da bregalização como se fosse o "combate ao preconceito".
A lorota predominou durante muito tempo, enganando muita gente boa e sujando até muitas páginas esquerdistas que embarcaram na utopia da "pobreza feliz".
Chegou-se a atribuir suposto feminismo na objetificação sexual das mulheres "populares demais", num claro preconceito elitista dos que diziam "sem preconceitos".
Afinal, atribuíram "empoderamento feminino", quando se refere à simbologia oficial das classes populares trazida pela mídia venal, a um reles empinamento de glúteos siliconados.
Nesse espetáculo do "popular demais" onde era "lindo" ser pobre, era "legal" ser prostituta e era "o máximo" ter um subemprego, além da "maravilha" de viver em favelas, a visão elitista se passava por generosa, mas acabou defendendo a espetacularização da pobreza.
Foi isso que fez fracassar o discurso da intelectualidade "bacana", que inesperadamente lhes fez acabar o sonho de faturarem com Lei Rouanet, pois a breguice "sem preconceitos" acabou influindo até na extinção do Ministério da Cultura.
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