A religião, um dos ingredientes do caldeirão bolsonarista, essa "geleia geral" do reacionarismo que inclui de mulheres-frutas a soldados israelenses, exige reflexão cautelosa.
Evangélicos pentecostais e "espíritas" andam querendo sequestrar o imaginário popular para seus dogmas, estes que são os dois pólos religiosos mais conservadores existentes no Brasil.
Pregando meritocracia e Teologia do Sofrimento, respectivamente, pentecostais e "espíritas" tentam fazer do Brasil uma nação medieval como se o passado fosse controlar o futuro.
E mais complicados estão os "espíritas", muito conservadores, porém dissimulados, ultimamente tentando, desesperadamente, se passar por "progressistas".
Nenhum "espírita" visitou ou acolheu Lula na prisão, mas todos esses religiosos exaltaram as passeatas do "Fora Dilma" e a figura de Sérgio Moro.
Digo os "espíritas" que se apoiam num "médium" de Minas Gerais, falecido quando brasileiros como Ricardo Teixeira e (estrangeiro naturalizado) João Havelange estavam felizes.
Isso porque o "médium" era o suprassumo do reacionarismo, tendo sido, nos anos 1970, uma espécie de Olavo de Carvalho da época, mas adotando uma "caridade" espetacularizada como Luciano Huck.
Esse "médium" virou "profeta do ano" por causa de previsões chinfrins, que, entre outras coisas, imaginou que extra-terrestres irão comandar a regeneração humana na Terra a partir deste ano.
Tentam tirar esse "médium" do contexto bolsonarista de hoje, com os "espíritas" tristinhos, chorando feito crianças contrariadas, mas é impossível. O programa da TV Tupi de 1971, famosíssimo, registrou a "iluminada figura" como um reacionário com apetite bolsomínion.
Dito isso, vamos ao caso de Damares Alves, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Ela se envolveu em dois incidentes bastante negativos.
Um é mentir que tenha tido diploma de Mestrado em Educação e Direito. A assessoria do ministério declarou à reportagem da Folha de São Paulo que ela não possui tais formações.
Ela também não tem Currículo Lattes, uma exigência facultativa, mas que ajuda a valorizar a reputação de um pesquisador ou educador.
Damares tentou argumentar: "Diferente do mestre secular, que precisa ir a uma universidade para fazer mestrado, nas igrejas cristãs é chamado mestre todo aquele que é dedicado ao ensino bíblico".
Outro problema é a adoção da índia Lulu, feita irregularmente, e, ainda por cima, retirada à força de suas raízes indígenas.
O pretexto de Damares levar a menina, hoje com 20 anos, era que iria bancar tratamento dentário dela.
Damares tentou uma argumentação para sua atitude: "mas insisto: tratem tudo com o olhar especial para estes povos, para as mães e crianças que sofrem".
Sim, aquela "misericórdia" que os pentecostais e "espíritas" (que, embora catolicizados, parecem seguir a trilha reacionária da Igreja Universal e companhia) tanto falam.
"Que importa a lei dos homens? Adota-se sem documentação, só com amor", falam os religiosos que parece não gostarem de ver o cérebro como ferramenta do raciocínio humano. Querem que o coração ou o fígado assumam tais prerrogativas.
O grande problema é que Lulu foi tirada de sua tribo, na reserva Tamayurá, no Mato Grosso, sem o consentimento de sua família.
Ela foi privada de aprender seus valores culturais, que valorizam o contato com a natureza, o convívio com humanos e outros animais, o respeito à fauna e flora, a preservação ambiental e a cidadania que são valores preciosos para as tribos indígenas.
Ela foi adotada por uma religiosa que faz parte da equipe ministerial de Jair Bolsonaro, comprometido em liberar o desmatamento, o rearmamento da população, os abusos criminosos das empresas (a receber punições brandas) e a sanha dos rentistas.
Que "exemplos" Lulu acabou conhecendo, numa sociedade que é estranha a ela e suas raízes? Ela acabou tornando-se estrangeira de si mesma, acostumada com os valores contrários às suas raízes indígenas.
Embora Damares tenha cuidado de Lulu com aparente afetibilidade, ela não deixou de manipular e controlar a menina ao ensinar a ela valores estranhos às suas origens sociais.
Daí que muitas vezes o sentido de "caridade" pode parecer mais o de criação de seres humanos em cativeiro. A "dedicação ao próximo" pode esconder, muitas vezes, processos de dominação e domesticação não lá muito generosos.
Para pentecostais e "espíritas", tanto faz. "O que vale é o coração". Leis sobre adoção? "Não, as leis dos homens, embora respeitáveis, são desnecessárias quando a verdadeira lei é a de Deus".
Tidas como "humanistas", essas religiões, com seu ultraconservadorismo, acabam ficando mais desumanas.
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