O Brasil é um país ainda muito, muito atrasado.
Tanto que só agora, nós temos movimentos identitários que, nos EUA, ocorriam há mais de 50 anos, através do fenômeno da Contracultura.
Já temos o grotesco Carlos Bolsonaro, o Carlucho, filho do presidente Jair Bolsonaro, conduzindo pautas reacionárias, desta vez dizendo que a democracia não permite mudanças rápidas no Brasil.
Eduardo Bolsonaro corroborou o irmão e o comparou a "Winston Church" (sic).
Se os filhos de Jair ameaçam a democracia - depois que os "filhos de Januário" da Operação Lava Jato ameaçavam a Justiça, com suas tramoias - , e ninguém mexe para tirar Jair do poder, então a coisa é séria.
As esquerdas ainda mantém muitos focos de ingenuidade.
Seus heróis são da direita: mulheres-objetos, funqueiros, ídolos popularescos em geral e até "médiuns espíritas".
Acham os esquerdistas mais ingênuos que, com um pouco de pensamento desejoso, as raposas podem não só reconstruir o galinheiro mas tornarem-se sócias dele.
Até agora os esquerdistas não entenderam por que o Rio de Janeiro virou um reduto de reacionarismo e conservadorismo ideológicos.
O cenário tropical, a trinca "futebol, Carnaval e cerveja", o frescobol, a boemia da Lapa, as praias da Zona Sul, as esquerdas ainda pensam que o Rio é um paraíso de socialismo no Brasil.
O maior problema das esquerdas é esse: criar um maniqueísmo entre alegria e mau humor. Acham que o mau humor é de direita, a alegria é de esquerda.
Qualquer direitista que apareça acompanhado de um pobre sorrindo, ainda que domesticado, vira "esquerdista" num piscar de olhos.
Mas quando alguém de esquerda faz um senso crítico mais enérgico, ele passa a ser visto como "reacionário".
Muito infantis as "esquerdas médias", que volta e meia têm surtos de ingenuidade bastante arriscada.
É o caso da música "Vai dar PT", de Léo Santana.
E olha que não foi necessariamente a mídia alternativa que veio com o gancho, mas a apresentadora Titi Muller, do canal Multishow, que, embora seja das Organizações Globo, afirmou ser alheio a ideologias.
Titi veio com a "profecia" de que "vai dar PT em 2022", citando a música de Léo Santana.
Um sucesso ultracomercial, brega-popularesco, tendência axé-music - gênero apadrinhado por Antônio Carlos Magalhães, o famoso oligarca da Bahia - , que nada tem de progressista.
Vejamos a letra de "Vai dar PT":
"Foi pro baile muito louca / Afim de se envolver / Ela só tem 18 anos / O que vai acontecer? / Vai dar PT, vai dar / Misturou tequila, whisky, vodka / E a mina vai embrazar".
Essa é a letra toda, repetida mais de uma vez. "Embrazar" é uma expressão coloquial que quer dizer "ficar dopada", geralmente quando se embriaga demais ou usa todo tipo de droga forte.
"PT" corresponde à expressão "perda total", o que é muito perigoso quando se fala em Partido dos Trabalhadores.
As esquerdas se animam, quando ouvem Léo Santana, acham que a moça da letra é alucinadamente petista, que o refrão prenuncia o grito "Lula Livre", que o Partido dos Trabalhadores voltará com um milagre em 2022, num piscar de olhos.
Menos, menos. Claro que eu quero que Lula seja solto, recupere os direitos políticos de vez e ele, ou alguém que ele indicar e apoiar, vença a campanha presidencial de 2022.
Mas eu não influo sozinho na realidade, que é muito complexa.
Para uma esquerda que não conseguiu tirar Michel Temer e se perde para derrubar Bolsonaro, é muito tolo atribuir a um cantor de axé-music poderes de revolucionário bolivariano.
As esquerdas dançaram o "funk" em Copacabana e Dilma Rousseff perdeu o poder.
As esquerdas acreditavam que o "médium de peruca" iria trazer a paz num Brasil em convulsão, e o "médium", lá do além, abriu caminho para Jair Bolsonaro.
O maior risco agora são as esquerdas cortejarem Léo Santana, achar que recuperaram o protagonismo e entregarem as chaves da redemocratização para Luciano Huck, Jorge Paulo Lemann e a turma do Renova BR (com Tábata Amaral junto e shallow now).
As esquerdas precisam ser mais prudentes e menos sonhadoras. Não será a espetacularização do ativismo nem a supervalorização das causas identitárias que devolverá, às forças progressistas, o protagonismo que perderam em 2016.
Se insistirem nessas mesmas ilusões, no esquerdismo só "vai dar PT". PT de Perda Total. A centro-direita neoliberal agradece.
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