Tomem muito cuidado com a nova onda das "melhores cidades para viver" no Brasil. Com a corrida eleitoral das prefeituras e com a facilidade com que páginas duvidosas, que produzem fake news ou, na melhor das hipóteses, fofocas sobre famosos, além de páginas voltadas a um público mais elitista, estão despejando muita inverdade em torno das cidades com melhor qualidade de vida.
Em primeiro lugar, é necessário um estudo aprofundado de verdade, não um amontoado de números de critérios supostamente específicos e técnicos, pois não é o olhar do especialista, que muitas vezes pesquisa a cidade onde nunca viveu, que irá avaliar melhor o que é uma cidade boa para viver, mas um maior número e maior diversidade de moradores.
Hoje vemos que as estatísticas andam destacando uma cidade do interior paulista, a obscura Gavião Peixoto, como "melhor cidade em qualidade de vida" do Brasil. Como assim? Porque tem mais crianças inscritas na escola e menor número de desempregados? Esses critérios até fazem algum sentido, para determinada perspectiva. Mas a cidade não tem muitas opções de lazer e compras, tendo um padrão de vida praticamente rural.
Pode ser que casos como, em Minas Gerais, a cidade de Nova Lima ser considerada a melhor em qualidade de vida, façam sentido. Como, também, o fato de Juiz de Fora ser uma das cinco cidades que mais crescem no território mineiro.
Mas a falácia de que, no Triângulo Mineiro, Uberlândia e Uberaba são definidas como "de alta qualidade de vida" soa muito duvidoso. No caso de Uberlândia, seu perfil apenas agrada a uma demanda abastada semelhante a de São José do Rio Preto e Catanduva ou serve de uma espécie de Eldorado para aqueles que vêm de cidades sulistas como Telêmaco Borba e Frederico Westphalen ("Fred West" para os íntimos).
Uberaba, então, nem se fala. A cidade, que é um reduto do latifúndio do gado zebu, serve mais para receber beatos religiosos e vaqueiros de Barretos. O mito de que tudo é barato na cidade é uma inverdade, pois como um forte mercado do gado zebu, considerada a espécie de boi mais cara do mundo, ninguém vai querer botar os preços em baixa por lá. Preço baixo é só promoção de fim de semana.
Mas para um público que vê esse tipo de mídia e acha que aluguel de apartamento por R$ 3 mil é barato, e que sai comprando produtos no mercado sem enxergar o preço, mais preocupado com o prestígio da marca que compensa a falta de paladar e de olfato dessa elite, faz sentido esta cidade que mais cultua um farsante religioso e ultraconservador ser considerada o "paraíso dos preços minúsculos". Até a passagem de ônibus de Uberaba é mais cara do que o Rio de Janeiro, que já cobra caro para o povo pegar transporte público.
Devemos observar com muito cuidado e questionar sempre os dados estatísticos, em vez de aceitarmos feito bobos alegres, com a passividade de um gado bovino de baixo gabarito, subserviente aos latifundiários de Uberaba e seu cultuado "médium", impondo ultraconservadorismo nessa cidade e só querendo oferecer emprego ao vaqueirão robusto capaz de comandar o gado ou, em atividades urbanas, ser um atrativo empregado de uma empresa de médio porte ou trabalhar numa oficina ou concessionária de carros.
Uberaba não é cidade para o rapaz pacato, caseiro e simples poder viver. Se a referida cidade mineira é considerada "de melhor qualidade de vida", devemos perguntar para quem. Para o macho sociável que gosta de futebol, ouve breganejo, piseiro e arrocha e curte os fins de semana curtindo uma noitada, a cidade mineira é tiro e queda.
Devemos tomar cuidado com os dados que se ventilam por aí, e observarmos bem o contexto da realidade, antes que tenhamos falsas impressões sobre esta e aquela cidade. Achar que o Nordeste é, por si só, um antro de violência, e o Sul um paraíso de tranquilidade, é um grande equívoco.
Salvador não era tão violenta até Temer e Bolsonaro começarem a espalhar o terror socioeconômico que degradou a capital baiana, hoje sofrendo por uma grande população miserável que, vinda do interior, não arruma emprego, mal consegue um canto para morar, na favela ou na rua, e só consegue ser um número estatístico quando morre vítima de assassinato.
Mas daí para dizer que Aracaju é violenta é um grande exagero. Devemos perguntar se uma cidade é realmente mais violenta, ou se isso não se restringe aos assaltos que vitimam sempre a elite abusiva dos abastados, dos "animais consumistas" que consomem demais, têm mais dinheiro do que necessitam e ganham em premiações e sorteios sem ter mérito nem necessidade.
E como não considerar violentas cidades que são redutos do bolsonarismo? Goiânia aparece como quarta melhor capital brasileira para se viver. Tudo bem, é uma cidade simpática, bonita e admirável, mas ela também é um dos maiores redutos de feminicídio no Brasil. Que mulher vai querer viver lá para depois arrumar um namorado que lhe vai tirar a vida? E que homem vai querer viver lá se tem que disputar com outros homens nas conquistas amorosas. Se for para um solteirão viver, talvez Goiânia seja razoável.
São muitas coisas, mas o que se resume é que há interesses estratégicos, que envolvem fazendeiros, executivos de mídia, institutos e empresas do Governo Federal - Gavião Peixoto tem um aeródromo da EMBRAER - , políticos em campanha etc. Cada um descrevendo sua cidade como "melhor para viver".
A melhor dica para quem quiser saber se uma cidade é boa ou não para viver é passando um mês na referida cidade. É evitar visitar a cidade tendo o ponto de vista e a perspectiva de um turista, e observar a vida no local com muito cuidado. É não se contentar com relatos de terceiros, porque a observação pessoal é o melhor meio de se verificar as coisas.
Há muita mentira por aí e muitos interesses por trás, por isso não dá para aceitar passivo qualquer declaração ou texto tido como informativo, mas que não passa de pura propaganda escondida sob um discurso pretensamente jornalístico.
São Paulo é, sim, considerada uma cidade boa para viver, até pelo seu dinamismo. Mas se a cidade é muito cara, é porque existe uma elite abusiva que quer demais, e comanda um mercado onde ela ganha demais, cobra caro demais por preços e serviços e não está aí para ajudar o próximo. Se as pessoas evitassem gastar demais, e boicotassem produtos caros optando por similares mais baratos e houvesse um pouco mais de senso humano, que envolve ajuda ao próximo até mesmo quando se adotam critérios de contratação de emprego mais justos, pode ser que caia o custo de vida na capital paulista.
O bom mesmo é contar com o bom senso, com a observação que pode variar para cada pessoa. Não se pode aceitar um texto que diz que a cidade tal é "melhor para viver" se não questionarmos e se verificarmos em que essa cidade é mais vantajosa e para quem essa vantagem vale. Esse modismo das listas das "melhores cidades" pode ser um perigo se as pessoas aceitarem tudo de bandeja. Podem cair no conto da "cidade boa para se viver" e caírem numa grande cilada.
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