Neste Brasil dos últimos tempos, em que se vive a pandemia do egoísmo, dentro de um quadro de extrema degradação cultural, que nenhuma verba do Ministério da Cultura irá resolver, e de uma grande falsidade da elite do bom atraso, a burguesia de chinelos que finge ser "gente simples" e está espalhada escondida entre o povo nas ruas, há uma espécie que devemos analisar com atenção.
É o "animal consumista", o "homo ludicus" que tem a pretensão megalomaníaca de substituir o homo sapiens. Um animal que precisa consumir produtos e sensações, comprar o que for para dar sentido à sua vida sem sentido.
Desprovido de sentimentos humanos, de algum senso de altruísmo e alteridade e de qualquer tipo de consciência social, o animal consumista é escravo do seu hedonismo, ou seja, está subordinado aos seus instintos e impulsos. Ele, na sua falsidade, até tenta falar bonito, dizendo "Eu quero é viver", como se tivesse direitos para alguma coisa. Aliás, só ele tem direitos, quem não pensa igual a ele não tem.
Ele não tem prazer na vida. Seu "prazer" são apenas instintos, êxtases animalescos que servem de catarse para um mundo sem lei no qual ele acredita. A "lei" é só o que ele defende e acredita. Dignidade humana não é palavra existente no seu dicionário. Para ele o que interessa é a "liberdade" sem limites, para ele e seus pares.
Ele não sente o gosto nem o olfato. Come pouco e joga a comida fora. Seu "sabor" é sempre o prestígio da marca, a popularidade do produto, a associação do produto aos "momentos felizes da vida" descritos pelas propagandas que aparecem o tempo todo nos telões espalhados nas ruas, de abrigos de ônibus às estações de metrô, passando pelas televisões das casas, dos bares, dos restaurantes e pelas propagandas nas redes sociais.
Nem a cerveja ele já sente o sabor, porque tudo é feito no piloto automático, mesmo quando ele fala para os amigos daquela "cerveja gostosa". Também não sente, por exemplo, o gosto do café que consome, que nem é café, pois, por trás daquela marca prestigiada, há uma mistura que mais parece a de cevada, carvão e restos de chá, pimenta do reino, pó de madeira e até baratas. E nem o açaí sente o sabor, porque ele nem gosta, mas adere fácil porque é a bebida da geração fitness, da "galera" que faz ginástica nas tais "academias".
O "gosto" que ele sente é o do sucesso, da fama, do prestígio, da quantidade de pessoas que aderem a uma marca, um produto ou personalidade. É a associação com multidões, pois o animal consumista quer saber de agregação social, quer ser mais um boi no gado humano, não quer se sentir sozinho com medo de conhecer seus próprios defeitos e de ver que esses defeitos são mais nocivos que se imagina.
Também não sente olfato. É capaz de se reunir, alegremente, com seus amigos, perto de um monte de cocô de cavalo - sério, eu vi isso em Niterói, na Avenida Roberto Silveira próximo ao cruzamento com a Rua Dr. Paulo César - , ou diante de sem-tetos que as adversidades sem fim os fizeram mal-cheirosos, dormindo nas calçadas.
Até para ouvir música ele fica no piloto automático, pois o que interessa para ele é o que faz sucesso, o hit-parade. É sempre o mesmo punhadinho de músicas que ouve nas rádios popularescas, nas rádios de pop dançante ou nas rádios de pop adulto. Pouco importa a qualidade do artista, pois para o animal consumista só considera o prestígio, a fama, o sucesso, a capacidade de vender muito, aparecer muito na mídia e atrair uma audiência gigantesca.
O animal consumista quer muito dinheiro, é ganancioso e altamente egoísta. Ele não mede preços para comprar produtos e precisa encher o carrinho com compras na maior parte supérfluas, mas que incluem o obrigatório engradado de cerveja. Animalesco, o animal consumista também faz pose na hora de fumar um cigarrinho, como se o cigarro fosse um ser humano e o seu fumante, um animal que realmente é, irracional e impulsivo.
O animal consumista também adquire automóveis visando mais a simbologia do carrão atraente do que da necessidade de se deslocar mais rápido de um lugar para outro. Coleciona televisões distribuídas em quase todos os cômodos da casa. Além disso, quando viaja para o exterior, não é para conhecer os países estrangeiros que nem conseguem visitar direito - só visitam os lugares mais óbvios e manjados - , mas para lacrar nas redes sociais e tentar exibir suas vaidades pessoais para o povo de outros países.
Daí que o animal consumista precisa tanto consumir, não só com dinheiro mas também com o impulso dos seus instintos vorazes, a agenda frenética da diversão, tendo a neurose de sempre comparecer a um evento da moda, de preferência nunca se ausentando a qualquer um deles, pois precisa estar presente a tudo quanto é divertimento. Se ele faltar àquela virada cultural badalada, já rosna de indignação.
O animal consumista também não enxerga horário. Precisa fazer festa, até mesmo de madrugada, pouco importando se vai perturbar o sono dos trabalhadores que precisam descansar no período noturno. Afinal, o animal consumista precisa despejar sua catarse emocional, que nem deveríamos definir assim, porque o que o animal consumista sente não são emoções, são sensações. Emoções baratas, quando muito.
Reacionário, o animal consumista precisa ser "tudo de bom". Por isso ele, por mais que seja subordinado ao status quo, ao establishment e ao mainstream, precisa dar a impressão de que é contrário a tudo isso. Ele vê, por exemplo, Globo Esporte como um beato vai a uma missa ou culto, mas precisa ficar bem na foto das redes sociais dizendo que "odeia" o Galvão Bueno.
Sua personalidade não difere muito da de um bolsonarista, a não ser pela preocupação do animal consumista em ser "o mais legal de todos", por isso ele tem que ser "diferente", se autoproclamando "alternativo", "nerd", "esquerdista" (ele está de olho nas verbas de Lula para alguma possível atividade lúdica em que se envolver, daí a Lei Rouanet) e o que lhe soar mais "moderno".
O animal consumista é mais comum do que se parece. Os animais consumistas são rapazes e moças entregues a um hedonismo cego, a uma felicidade tóxica, a uma louca obsessão por consumir, gastar dinheiro, se divertir freneticamente, ter que aparecer para os outros, ter que se integrar à sociedade de todo jeito, não pela vontade de ter verdadeiros amigos, mas pela vontade de se enturmar para um consumo de instintos e sensações ao lado de uma grande quantidade de pessoas.
Infelizmente, o momento atual, pós-Covid e pós-Bolsonaro, abriu as portas das jaulas para estas bestas-feras do consumismo voraz. A pandemia da Covid foi sucedida pela pandemia do egoísmo, de gente querendo ter demais, para consumir e curtir algo que eles nem sabem direito se realmente gostam, pois para a "boa" sociedade de animais consumistas, não há mais sabor, cheiro, como não há mais senso de humanidade. Os animais consumistas são quase coisas, os produtos, famosos e logomarcas que consomem é que representam o suposto humanismo a ser idolatrado por esses anti-humanos.
Essa pandemia do egoísmo está produzindo um grande contingente de animais consumistas de tal modo que perguntamos se as verdadeiras "cracolândias" não estão nos shopping centers, nos restaurantes, nas boates, nos megafestivais de música e nos estádios de futebol.
Só que essa pandemia do egoísmo é transitória, porque o dinheiro não durará a vida toda, pois mesmo a sustentabilidade econômica dos empregos de prestígio e seu profissionalismo vazio dentro dos ambientes de trabalho tóxicos, que traz um salário vantajoso, um dia também acaba, principalmente quando estouram escândalos e brigas entre colegas de trabalho. Pois os impulsos dos animais consumistas ignoram o lugar do outro, e não raro ambições de uns se chocam com as ambições dos outros.
Por isso, um dia as festas se encerram. A grana um dia se evapora. As festas caseiras de madrugada que perturbam a vizinhança terminarão em brigas e confusões. As viagens ao exterior resultarão em estresses e conflitos. O elevado consumo de cervejas e cigarros, na morte antecipada pelo câncer. A obsessão por carros sem necessidade, em acidentes de trânsito trágicos.
Mas não diga isso a um animal consumista. Ele não vai aceitar, vai esnobar e até agredir, se for o caso. O animal consumista não tem consciência sequer de si mesmo. Para ele, não existe dia nem noite, não há seres humanos, não há limites de tempo nem lugar e mal existe um custo para cada mercadoria.
O que interessa, para o animal consumista, é apenas o atendimento cego de seus impulsos e instintos. O animal consumista, espécie de troglodita pós-moderno, apesar dos comportamentos relativamente "civilizados" de sua espécie, imagina que seu hedonismo e consumismo vorazes nunca terão fim, que continuarão os mesmos até depois do fim do mundo. Até que um dia esse hedonismo e consumismo vorazes acabam e o animal consumista se desespera.
Lembremos que, no Brasil, a "boa" sociedade é muito boa em fazer festa, mas é extremamente ruim em ter ressaca. E, pelo jeito, a ressaca tende ser muito dolorosa e traumatizante.
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