Um novo tipo de trabalho análogo à escravidão acontece no Brasil. É o trabalho por comissão, um emprego sem salário, no qual, em tese, o empregado pode obter grande remuneração se conseguir realizar uma venda, o que pode parecer maravilhoso à primeira vista.
Em áreas como a corretagem de imóveis e outros setores, há uma máscara sobre essas profissões, aparentemente liberais, mas que se nivelam ao falso empreendedorismo dos tempos do governo Michel Temer. A máscara sugere que tais empregos garantem muitos ganhos e uma oportunidade imensa de obter prosperidade financeira, uma ilusão que serve de armadilha para candidatos a um novo emprego.
Mas a máscara cai quando a rotina de trabalho mostra que os fregueses ou clientes não aparecem assim por milagre. Pelo contrário, há uma dificuldade muito grande. Muitas vezes, o freguês ou cliente expressa algum interesse pelo produto ou serviço vendido, mas depois desiste da oferta, deixando o profissional em questão sem dinheiro.
Até conseguir realizar uma primeira venda, o empregado trabalha de graça. Não tem dinheiro sequer para se alimentar, e no caso da corretagem de imóveis, o sonho se torna um pesadelo, pois a carga de trabalho impõe uma jornada para fins de semana e feriados, quando, teoricamente, existe maior demanda para a compra de apartamentos.
Os apartamentos não são baratos, a aquisição deles exige um financiamento, pois os clientes não têm dinheiro suficiente para comprar o imóvel desejado, e esse financiamento nem sempre se encaixa nas condições financeiras do interessado e, se ele é mais idoso, o tempo desses recursos auxiliares é muito grande para o cliente estar vivo até concluir os pagamentos pela ajuda financeira.
Isso dificulta, e muito, que o corretor de imóveis consiga obter algum dinheiro. A ilusão de que um corretor vive nadando em dinheiro é de uma falsidade tremenda, porque, na verdade, trabalhar de graça é tão degradante que o corretor, se não conseguir vender, ele vai contraindo dívidas financeiras pesadas, vai perdendo peso, sua roupa se estraga, ele perde sono porque tem que trabalhar mais, ainda que fique no ócio na espera de um cliente que quase nunca vem, ou então tem que arrumar uma brecha para dormir em serviço.
No inglês, há um trocadilho entre a palavra "corretagem", realty, com "realidade", reality. E a realidade da corretagem indica uma "escravidão de luxo", até que a "loteria" da venda conquistada apareça. Só porque a venda compense a espera com uma boa comissão, numa média de 2,5%, isso não justifica o trabalho gratuito, pois até chegar a bonança se enfrenta um temporal sem qualquer tipo de proteção ou ajuda.
Mesmo que, para um imóvel que custe, por exemplo, R$ 280 mil, dando ao corretor uma comissão de 2,5%, ou seja, R$ 7 mil, não justificam os meses de trabalho gratuito, quando a incorporadora contratante não investe um centavo no corretor, enquanto exige dele que deixe família e compromissos particulares para "morar" no plantão e sair, de preferência, até nas noites de domingo, algo em torno de 23 horas, só para sentir o drama.
Isso mostra o quanto a sociedade brasileira vive um atraso tão dramático e preocupantemente vergonhoso, pois a ordem social que temos é, ainda, a da ditadura militar. São os herdeiros da Casa Grande que inventaram o bolsonarismo para botar tudo na culpa de uns extremo-direitistas realmente nocivos e nefastos, mas que agora levam sozinhos a culpa das atrocidades cujos outros culpados agora se recusam a admitir que são também responsáveis por essas maldades.
Há muitos herdeiros da Casa Grande que agora se acham "modernos" e "bonzinhos", defendendo uma "democracia" que hoje é tão hipócrita que a "democracia" que seus avós defenderam em 1964. A "sociedade do amor" não passa de uma alcateia de lobos consumistas, uma "cracolândia de luxo" de pessoas que gastam dinheiro e consomem marcas, sem saber o gosto do que compram e consomem com seu dinheiro volumoso obtido sem necessidade.
Daí ser compreensível ver essas pessoas fumando, jogando comida fora e enriquecendo felizes os dirigentes de futebol. E ver que essa velha ordem social que domina o Brasil e finge ser benevolente mantém valores e práticas dignos do período da ditadura militar, como explorar corretores de imóveis para trabalharem de graça vendendo um produto mais difícil de ser vendido, que é um imóvel, seja apartamento, casa ou escritório.
O aumento dos empregos comissionados é uma medida que favorece as empresas, que não pagam salários para os empregados, pois a renda que estes recebem vem de clientes ou fregueses, dispensando os patrões de investir em mão de obra. É uma catástrofe profissional, pois os empresários mantém seus lucros exorbitantes, ao contratar forças de trabalho gratuitamente. Custo zero para o rico patronato. Uma "escravidão de luxo", convenhamos.
Com mais facilidades de conquistar vendas, um vendedor de loja popular recebe salário, mesmo aquele vendedor de camisetas ou eletrodomésticos que recebe fregueses que imediatamente compram os produtos oferecidos. Se um vendedor desses recebe salário, por que um corretor de imóveis, com mais dificuldades para realizar uma venda, tem que ficar trabalhando de graça?
Enquanto os covardes defensores dessa "escravidão de luxo" se omitem ou arrumam desculpas para justificar a causa perversa que defendem, o Brasil continua atolado na areia movediça do século XIX que a ditadura militar fez atolar nesse caminho da marcha-a-ré socioeconômica.
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