Há, pelo menos, três Brasis disputando as narrativas. Atualmente, a narrativa que prevalece é a do lulismo, com sua bolha de pessoas abastadas, do pobre remediado ao famoso milionário, que se autoproclama "a democracia em toda sua excelência". Há o terraplanismo bolsolavajatista, que agora perde em narrativa até entre setores de direita. E há o Brasil real, que é o que mais perde em narrativa, pois está fora da rinha fácil da polarização política.
Como não se pode ver a realidade como realmente ela é, porque as redes sociais são dominadas por pessoas que preferem ilusões, convicções e pensamentos desejosos do que aceitar fatos desagradáveis ao seu padrão de valores, somos forçados a acreditar que o governo Lula está excelente, é o melhor dos três mandatos e é também o melhor de todos os mandatos da História da República brasileira.
É claro que isso não é verdade. Afinal, o governo Lula 3.0 só está brilhante para os padrões fantasiosos do Instagram e do Tik Tok, de gente que prefere sonhar alto demais do que fixar os pés no chão. Nota-se um governo em que o presidente se perde falando demais, enquanto as ações soam muito superficiais e as realizações, de tão fáceis e rápidas que são anunciadas, nos fazem deduzir de que não são mais do que uma maquiagem de dados.
Perdido na "democracia do eu sozinho", Lula se distancia das classes populares de tal modo que, depois, tendenciosamente, o petista tenta cortejar o povo pobre, a juventude, as classes populares, o proletariado, o campesinato. Mas tudo sempre no império das palavras, no opinionismo repetitivo e entediante do chefe do Executivo nacional, que fala tanto que constantemente se atreve a cometer gafes.
Enquanto isso, o dólar aumentou até anteontem, chegando a valer R$ 5,65, e depois voltou a cair, para R$ 5,56, e Lula não se empenhou para tirar Roberto Campos Neto da presidência do Banco Central e nem se arriscou a impor a queda de juros da dívida pública. Lula, em vez disso, apenas dá opinião, como se isso adiantasse, como se bastasse falar mal dos arbítrios de Campos Neto. Lembremos, todavia, que, na campanha presidencial de 2022, Lula falou que iria mantar Campos Neto na presidência do BACEN visando a "democracia".
Que "democracia" é essa em que um chefe político decide e seus seguidores e adeptos vão brincar, dançar e "bebemorar", com o Brasil transformado num grande parque de diversões cheio de entretenimento e consumo voraz de uma elite de abastados, é algo que deveria nos fazer pensar.
Pois, no meio do caminho, Lula acaba traindo o povo pobre, não bastasse chamar as classes populares de "peidonas", por conta da "varanda do pum", se esquecendo que a última coisa que se cogita quando se pensa numa varanda de apartamento é para "liberar a flatulência". Quando pensamos em varanda, a ideia que geralmente vem na mente é ter um mirante particular num apartamento, para a pessoa relaxar vendo a paisagem lá fora.
E Lula decidiu cortar R$ 25,9 bilhões de gastos sociais, visando o arcabouço fiscal e a meta do déficit zero, mas, em contrapartida, o presidente que compra votos do Congresso Nacional por conta das tais "verbas para emendas" também decidiu liberar R$ 400 bilhões para o agronegócio, através do Plano Safra. Lula fala em combater os super-ricos com cobranças inócuas, mas, por outro lado, premia deputados, senadores e latifundiários que estiverem ao lado do governo. Super-rico que apoia o governo Lula não deixa de ser super-rico.
Para não ficar mal na foto, Lula, que contou com figurantes utilizando o boné do MST - devem ser os "camponeses" domesticados pelo vice Geraldo Alckmin, à maneira dos antigos líderes estudantis cooptados pelo falecido Orestes Quércia, nos anos 1980 - , decidiu atribuir, no evento de lançamento do novo sistema BRT em Campinas, ontem, as dívidas dos fazendeiros ao setor financeiro.
"Vamos fazer um levantamento para ver o seguinte. Quem é que está tomando terra de fazendeiro hoje neste país? Sabe quem são? Os banqueiros. Todos os proprietários de terra que tem dívida agrária os bancos estão tirando a terra deles. Não é mais o João Pedro Stédile [líder do MST], são os presidentes dos bancos que estão tomando terra".
Lula quer cortejar o agronegócio, uma das principais bases eleitorais de Jair Bolsonaro, o que está causando indignação dos movimentos indígenas, camponeses, proletários e estudantis. Em nome da "democracia", Lula está, mais do que em outros mandatos anteriores, se lambuzando de concessões à direita moderada, o que enfraquece ainda mais o governo e sacrifica a popularidade do petista, que sonha com a reeleição como a Gata Borralheira sonha em ser a Cinderela.
Numa performance bastante confusa e mais preocupada em tagarelices, Lula realiza a sua gestão mais fraca entre os três mandatos presidenciais. A blindagem da mídia alternativa, solidária ao presidente, é persistente mas se torna inútil, pois fora da bolha de apoiadores do presidente as pessoas sabem que o desemprego piorou, os preços aumentaram e o salário minguado não consegue arcar com gastos com alimentos, bens, serviços, contas e dívidas.
Enquanto, por exemplo, Lula afirma que o desemprego tem "a maior queda nos últimos anos", na vida real o que vemos é a invasão de influenciadores digitais e comediantes de estandape que roubam as vagas de empregos, inventando carreiras profissionais paralelas conforme a área desejada para enganar o recrutador e abocanhar o posto de emprego na maior moleza.
Para um Brasil convertido num grande parque de diversões, influenciadores e comediantes roubando empregos é "redução de desemprego", mas fora desse circo das ilusões as pessoas sofrem, com dívidas nas costas, dificuldade para obter um trabalho e até problemas para sustentar sua casa. Não dá para sonhar grande se a vida das pessoas da realidade concreta é um grande pesadelo.
Comentários
Postar um comentário