A lamentável saída da marca catarinense Eskimó Sorvetes da cidade de São Paulo, "substituída" por uma marca de congelados, a Pollar Foods, mostra o quanto nosso mercado vive de zonas de conforto, cobrando caro por seus produtos mas oferecendo quase sempre o "mais do mesmo".
Fiquei chocado quando, na intenção de visitar a filial da Eskimó no bairro da Lapa, em São Paulo - eu era freguês dos sorvetes da Eskimó quando eu morava em Niterói - , a loja foi substituída pela Pollar Foods. Até aí, nada demais.
O que me revoltou, de certa forma, é que a divisão de sorvetes, além do preço caríssimo de R$ 25 das caixas de dois quilos de sorvetes, é o cardápio limitado aos sabores óbvios de sempre, deliciosos mas previíveis: creme, morango, flocos, napolitano e chocolate.
O funcionário até foi muito simpático, mas dá para perceber que ele estava ali no ócio, pois a freguesia raramente aparecia disposta a pagar caro por um congelado ou, principalmente, por um sorvete. É lamentável que Pollar Foods se congele nessa zona polar do conforto mais acomodado, praticamente comendo neve da concorrência.
Além disso, cobrar R$ 25 por dois quilos de sorvete é uma rajada violenta de metralhadora no pé. Afinal, são muitas as receitas de sorvetes caseiros difundidas por centenas de canais de culinárias no Instagram e tem muita gente que vai vender os mesmos valores previsíveis do Pollar Foods por metade do preço. A Pollar Foods vai ser linchada em praça pública se não baixar os preços dos sorvetes nem lançar sabores similares aos da Eskimó, como Tramontaro, Marta Rocha e a "família" Ituzinho (inclusive sabor banana).
EM OUTROS TEMPOS, NINGUÉM QUERIA PRODUZIR SIMILARES AO CORNETTO E MAGNUM
Hoje há uma resistência das sorveterias concorrentes da Eskimó em produzir sabores similares aos dos prestigiados Tramontaro (banuilha, leite condensado, creme de avelã, caramelo e castanha-de-caju) e Marta Rocha (leite condensado, polpa de chocolate e abacaxi), preferindo a zona do conforto da mesmICE ou, quando tenta inventar, inventa mal, como a tal combinação de abacaxi com vinho, para um público acomodado que é nossa elite do bom atraso, que elogia até sorvete de jiló com berijela e cerveja.
Mas em outros tempos, havia a resistência de sorveterias concorrentes de sabores que hoje possuem seus similares, como o Cornetto, sorvete que a Kibon produz após absorver a marca Gelatto, que criou o sabor, e o Magnum, também da Kibon.
"Esse sorvete é horrível. Casquinha fraca, e esse saborzinho com castanha-de-caju é sem graça. Me contento com a casquinha tradicional, mais dura e com creme de chocolate e/ou baunilha", diria um vendedor de sorvetes a respeito do Cornetto.
"Sorvete com nome de seriado? O que é isso? Casquinha de chocolate com recheio cremoso? Que casquinha é essa? Tem que ferver o chocolate? O creme se derrete tanto que a única coisa que faz é sujar camisa! Não, deixa quieto, tenho meus picolés, deixa tudo assim", diria um vendedor de sorvetes sobre o Magnum.
Hoje os dois sabores tem seus similares. Agora a resistência é quanto aos sabores Tramontaro e Marta Rocha, da Eskimó, e o pessoal se surpreende o motivo da concorrência não lançar esses sabores: "porque são muito doces". Como assim? Se for por essa desculpa, nenhum sorvete seria lançado, ora.
Isso é desculpa barata para ninguém sair da zona de conforto, feliz da vida por oferecer mais do mesmo com um preço muito caro, espantando a freguesia e perdendo feio para sorvetes caseiros vendidos pela metade do preço, da mesma forma que, no ramo dos almoços executivos, a rede Billy the Grill carioca leva um tiro mortal de Winchester 22 da Express Grill paulista, porque a Billy cobra quase R$ 30 e não oferece sabor frango a passarinho e a Express oferece isso cobrando menos de R$ 20.
Aí vemos o quanto resta ao simpático funcionário da Pollar Foods, mesmo em dias de calor, ficar esperando por uma freguesia que raramente chega e, quase sempre, "só para olhar". O único consolo é que ele pode ficar vendo as redes sociais e, quem sabe, postar coisas no seu perfil no Instagram. Só tem que se preparar para ver sorveteiros caseiros vendendo mais do que a loja.
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