Recentemente, correu a notícia de que o Green Day passou a ser boicotado pelas rádios de rock de Las Vegas, nos EUA, depois que, numa apresentação em San Francisco, o vocalista e guitarrista Billie Joe Armstrong fez um comentário contra a mudança de um time de beisebol, o MLB Oakland A's, para Las Vegas.
A decisão do time de futebol, que é de Oakland, cidade californiana onde Armstrong nasceu, veio do empresário do time, John Fisher. A mudança irritou o músico, que fez um comentário que aqui adaptamos para uma tradução livre e, digamos, menos "pr0bl3m4t1c4":
"Nós não somos de fazer besteira como o lenhado John Fisher... Odeio Las Vegas, o pior lodo de bosta dos EUA".
Duas rádios locais de Las Vegas resolveram defender a cidade e boicotaram Green Day, através da campanha "Green Day nunca mais" ("No More Green Day"). A rádio KOMP 92,3 declarou no Instagram que "puxou para fora de sua programação toda e qualquer música do Green Day", acrescentando do comentário "Não é por nós... É por você, Billie". A postagem veio com a palavra-chave #vegas4ever. Como ilustração, uma foto "boba" do Green Day com a palavra "NO" ("NÃO", em inglês) escrita em cima.
Sim, é um episódio no qual uma cidade se sente ofendida pela crítica de um músico. E eu já detestei o Green Day na juventude, mas hoje admiro e respeito a banda, revendo meus valores. Mesmo assim, vejo o comentário do músico arriscado, embora eu admita que Las Vegas é uma cidade provinciana, que no Brasil seria um cruzamento entre Goiânia e Balneário Camboriú, em termos de estrutura urbana.
Mas talvez minha indignação a grupos como Green Day e Supergrass, bandas que hoje respeito bastante e reconheço seu valor, se deve pelo fato de que eu, que nos anos 1980 ouvia a Fluminense FM, via o radialismo rock degradar terrivelmente, virando aquilo que eu chamei de "Jovem Pan com guitarras", um rótulo que remete à Jovem Pan dos anos 1990 e hoje perdeu um pouco de sentido, com a Jovem Pan atual virando mais um paradigma de pseudojornalismo reaça do que de rádio poperó.
Se as rádios de rock de Las Vegas estão banindo o Green Day de sua programação, por muito menos as "rádios rock" que se formaram nos anos 1980, controladas por gananciosos homens de negócio sem um pingo de amor pelo rock - recomendo a leitura do meu seminal livro Radialismo Rock: Por Que Não Deu Certo? - , estavam banindo tudo aquilo que não era hit-parade no meio.
A queda de qualidade era notável, mas hoje é difícil explicar para a garotada mais nova e até mesmo para velhos roqueiros cansados que, talvez, aceitassem, com um copo de cerveja na mão, sentar no colo de um engravatado João Camargo, o chefão da Esfera Brasil e, em especial, da 89 FM, A Rádio Rockefeller, paradigma desse radialismo degradado e pasteurizado, se bem que a Rádio Cidade, no Rio de Janeiro, fosse ainda pior no pretensiosiso farialimer e contasse com adeptos com a arrogância maior do que o universo.
Afinal, as "rádios rock", dos anos 1990 para cá, baniram o rock progressivo, o art-rock, o rock psicodélico e o rock shoegazer, se concentrando tão somente nos medalhões roqueiros, no combo poser metal, grunge e poppy punk e em algo mais que faça sucesso nas paradas ou em alguma trilha de um blockbuster. Se "Fast Cars" dos Buzzcocks não entrou na trilha de Velozes e Furiosos (Fast and Furious), nem fazendo novena o dia todo vai fazer essa música rolar nas "rádios roque".
A programação diária tornou-se um horror, com aqueles irritantes locutores com dicção pop que mais parecem animadores de gincanas infantis. Mas esse horário não era sintonizado pela crítica musical que ficava babando ovo nas tais "rádios rock", que eles só ouviam das 22 horas à uma da madrugada. É mais ou mesmo nesse horário em que programas de especialistas, comandados por músicos ou jornalistas, amigos dos críticos, produzem e/ou apresentam, sem a intervenção dos "Celso Portiolli de jaqueta de couro" que falam nos microfones matinais, vespertinos e no horário nobre.
Nem é preciso falar mal de cidade A ou B para ser banido da tal "rádio rock" local. Basta fazer algo um tanto mais visceral do que um pop-rock acessível ou algum rock pesado que furou a bolha do seu público específico e virou medalhão.
As "rádios rock" que temos no Brasil, a partir dos exemplos da Rádio Cidade e da emissora da Faria Lima, a 89 FM, não conseguem sequer tocar o básico da cultura rock, o que elas tocam de rock nem é próximo do 1% necessário para um jovem adolescente conhecer o gênero. Na prática, as duas rádios atuam como forças auxiliares de popularização do "funk" e do "sertanejo", por mostrarem o quanto são rádios chatas de se ouvir o dia todo.
Se eu tivesse banda, eu não mandaria demo para a Cidade nem a 89. Ficaria agradecido se as duas rádios banissem minha banda da programação. Eu divulgo material no YouTube e vou dormir. Sou bem crescido, tenho consciência do que quero fazer na vida e não sou criança para sentar no colo de João Camargo, Roberto Medina ou de quem quer que seja para obter reconhecimento do público. Não tenho a obrigação de ser legal o tempo todo. Aliás, o rock originalmente não tinha essa obrigação, não é mesmo?
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