Depois de Sílvio Santos, outra grande voz da televisão brasileira nos deixou, o admirável locutor Cid Moreira, ontem aos 97 anos de idade. Mais conhecido por apresentar o Jornal Nacional e por gravar discos de salmos bíblicos, o radialista e locutor era, assim como o dono do SBT, uma figura anterior a um passado hoje compreensível pelos brasileiros médios.
Algumas das imagens antigas de Cid Moreira disponíveis na Internet são uma participação em um comercial do achocolatado Toddy de 1958, com as atrizes Norma Bengell e Márcia de Windsor cantando uma rumba, e a atuação dele como um dos apresentadores de uma edição do programa Primeiro Plano, da TV Excelsior, de 1964. Cid também foi o locutor interno do Aeroporto Santos Dumont durante uma cena de perseguição na comédia de chanchada Dois Ladrões, de 1960.
Mas o papel mais marcante de Cid como locutor e apresentador foi quando se tornou a voz maior do Jornal Nacional, noticiário lançado em 1969, portanto, há 55 anos, e que simbolizou a propaganda da ditadura militar a partir da entrada em vigor do terrível Ato Institucional Número Cinco (AI-5).
Ainda não era a época do "poder suave" (soft power), iniciado em 1974, que permite às classes dominantes explorar os oprimidos de maneira falsamente bondosa, mas o JN serviu para anestesiar o público com "boas notícias" em relação ao "milagre brasileiro", criando um precedente que vale até hoje, quando a "boa" sociedade sente fobia do senso crítico, embora, hoje, a cultura do cancelamento foi a "arma" que substituiu o aparelho repressivo do DOI-CODI dos anos de chumbo.
Lembremos que Cid Moreira apenas cumpriu seu dever como locutor. Não tinha envolvimento ideológico na causa. Cid era conservador, católico tradicional e tudo, mas era uma pessoa admirável e até seu conservadorismo não incomodava, pois era um conservadorismo neutro, descompromissado, que nem de longe arranhava a reputação admirável do hoje saudoso apresentador. E era até gozado haver rumores de que Cid só usava terno na parte de cima, indo ao trabalho usando bermudas, boato tão insólito quanto dizer que Sílvio Santos era calvo.
Ele não era necessariamente um jornalista, como certas fontes andam divulgando. Era um locutor noticiarista, com voz impecável mas limitada a ler textos alheios. Lia com magistral talento, com sua voz grave e suas entonações no tom exato, com uma fluência de voz que fez história. Cid não era jornalista porque não produzia textos e tinha como defeito não poder contornar com habilidade algumas falhas textuais dos redatores.
Ultimamente, Cid Moreira estava envolvido em lamentáveis problemas familiares. Ele estava aposentado e procurava viver com sossego, mas era triste que incidentes assim o magoassem e incomodassem de tal maneira. Era merecido ver Cid descansando e aparecendo eventualmente nas redes sociais, com o apoio da sua última esposa, Fátima Sampaio.
Ficam aqui nossas gratidões ao locutor de voz poderosa que foi a de Cid Moreira. Enquanto isso, a vida se segue com pessoas "educadas" pelo Jornal Nacional, procurando notícias agradáveis que possam lhes fazer esquecer que a realidade existe. E é surpreendente que, mais de 50 anos depois, são os lulistas que aprenderam com a ditadura militar a respeito da obsessão por "boas notícias", boicotando o pensamento crítico e as revelações realistas da vida, se ocupando apenas em ler o que lhes agrada.
O Jornal Nacional fez escola. E o Cid Moreira apenas cumpriu o papel determinado para ele, sem qualquer engajamento.
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