Na década de 1990, veio a tendência de nossa crítica musical se tornar prisioneira do mainstream, mesmo quando se fala em cultura alternativa. Tudo se tornou previsível, dentro dessa década que, vendo com verdadeira isenção garantida pela distância do tempo, não foi tão ruim nem foi tão genial assim.
A década noventista só foi genial porque uma panelinha de críticos musicais passou a ganhar mais salário. Vamos combinar que, no fim dos anos 1980, a mídia brasileira passou por um processo de seleção predatório e tudo o que restou para orientar culturalmente nossos jovens foram uns três jornalistas (Tom Leão, Carlos Albuquerque e Álvaro Pereira Júnior) e umas rádios comerciais fantasiadas de "diferentes".
Vamos combinar que, nos anos 1990, vale lembrar, rádios como Jovem Pan 2, 89 FM e Band FM - mais uma Transamérica morta-viva, fedendo a cadáver em decomposição - eram essencialmente a mesma coisa, com a mesma linguagem e mentalidade, só diferindo quanto ao som da vitrola (e nem tanto assim, vide o fenômeno Mamonas Assassinas, que todas tocavam alegremente o tempo todo).
E aí vemos o quanto a supremacia do mainstream sempre mantinha as análises musicais no terreno do previsível, nunca trazendo algo mais do que o "feijão com arroz" musical que fez o rock noventista acrescentar o clipe no combo obrigatório da guitarra, baixo e bateria. E isso antes de 1997, quando a música eletrônica, via Prodigy, queria "substituir" o rock.
É claro que a coisa não é exclusiva no Brasil. O canal MoJo, no YouTube, é um exemplo de como certas correntes da crítica cultural não parecem ver vida inteligente fora dos quintais do mainstream, como se o "sucesso" e a visibilidade fácil fossem tudo na vida e se um gênio musical não apareceu na mídia hit-parade dos anos 1990 e 2000, ele simplesmente "não existe".
Mas é no Brasil que as coisas se tornam mais típicas. Um exemplo é a lista de "10 álbuns definitivos de Rock Alternativo dos anos 1990", do portal Tenho Mais Discos que Amigos, que mais parece uma lista calcada no mainstream, como se um disco de rock, em tese, alternativo, só tivesse sentido se entrasse nos listões da Billboard ou coisa parecida. Nada menos alternativo do que tal atribuição.
Não está aqui discutindo os méritos dos dez discos analisados, todos os artistas envolvidos são notáveis pela competência e expressividade, mas devemos lembrar que discos mais representativos para o rock alternativo, como Nowhere, do Ride, e o álbum homônimo dos LA's, The LA's, ambos de 1990, Sea Monsters, o álbum do Wedding Present produzido pelo saudoso Steve Albini, de 1991, e Where You Been?, do Dinosaur Jr., de 1994, foram criminosamente esquecidos.
A lista não incluiu o disco homônimo dos Stone Roses, que apesar de ter sido lançado em 1989, foi trabalhado em 1990, nem o Hallellujah, dos Happy Mondays, de 1990, que talvez se aproximassem do contexto do referido texto, como o primeiro disco dos Foo Fighters, homônimo, de 1995, quando o baterista do Nirvana, Dave Grohl, surpreendeu como vocalista e guitarrista, apesar de ter sido o único instrumentita do referido álbum. Mas todos estes também tiveram bom trânsito no mainstream.
A níveis de rock alternativo, alguns nomes mencionados soam bem menos representativos do que se imagina. Mesmo o R. E. M. simboliza mais pela melancolia de uma banda que expressou, em Automatic for the People, de 1992, a ressaca dos EUA cansados do hedonismo pop dos anos 1980 (hoje com um equivalente tardio no Brasil dos últimos dez anos). Até o Monster, de 1994, é mais representativo, na discografia noventista da extinta banda, para o rock alternativo.
Com todo o respeito e até admiração a nomes como Hole, Alice in Chains e Soundgarden que se deve ter, eles pouco disseram para o rock alternativo, e tiveram mais um papel secundario na associação direta ou indireta ao Nirvana, este sim, de alguma forma ou de outra representativo, apesar de Nevermind, de 1991, ser engolido pelo redemoinho do mainstream de seu tempo.
Em todo caso, a lista serve como debate, num momento em que estamos revisitando a cultura rock através dos detalhes biográficos e das curiosidades trazidas pelo Whiplash com base nas matérias do Far Out, a revista musical britânica do momento. O que mostra que nem todos aceitam a falácia do "hoje é dia de rock, bebê" e o pessoal se recusa a sentar no colo do empresário João Camargo achando que isso vai viabilizar a cultura rock. Rock não é para bebês.
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