Inicialmente crítico aos abusos e falsidades com o Espiritismo brasileiro - um verdadeiro manancial de fraudes, juízos de valor e ideias moralistas medievais travestido de "moderno espiritualismo" - , o Diário do Centro do Mundo mordeu a isca e resolveu acreditar que uma mensagem atribuída ao espírito do ator e humorista Paulo Gustavo, morto pela Covid-19 em 2021, teria sido realmente escrita pelo astro em 13 de setembro de 2023.
Segundo a matéria, assinada pelo colaborador Victor Nunes, fala de uma "carta psicografada emocionante", enviada por um canal do YouTube - verdadeiro ninho das psicografakes, mensagens fake atribuídas a personalidades mortas (um dos casos mais famosos é a do também falecido ator Domingos Montagner) - , que começa com um suposto Paulo Gustavo "agradecendo a 'concessão divina' por permitir que ele transmitisse a mensagem", um claro apelo de mershandising religioso "espírita".
O suposto espírito fala da "dificuldade de deixar para trás as pessoas amadas e as possibilidades que não pôde viver". A mensagem ainda prossegue com o seguinte trecho:
"Aqui permaneço no trem do amor que sempre me moveu, repleto de saudade daquele plano físico na Terra. Hoje sinto que cumpri minha missão, reencarnando com um propósito definido. Nessa jornada experimentei tanto acertos quanto erros, mas prevalece a sinceridade que permeou minhas ações".
O suposto espírito ainda teria dito que "permaneceu no Umbral, enfrentando desafios, mas que foi acolhido com compaixão (pelos ditos "espíritos socorristas")". "Deus, com sua sabedoria infinita, sempre conheceu meu coração e minhas intenções. Ele me acolheu com compaixão incondicional", teria concluída a suposta mensagem.
Semelhante fraude já chegou a enganar o público roqueiro do portal Whiplash.Net, que chegou a acreditar que as supostas mensagens do espírito Zílio, pretensamente atribuído à identidade espiritual do roqueiro Raul Seixas, falecido em 1989, eram verídicas, mesmo mostrando um Raulzito caricato, imbecilizado e dotado de um misticismo religioso, marcado por um moralismo retrógrado estranho ao roqueiro, que o músico baiano já havia descartado em 1980.
A "psicografia" é uma prática que quase sempre é cometida com desonestidade. É um terreno fácil para fraudes, de tal maneira que o maior ídolo dos "espíritas" é um charlatão religioso apoiador da ditadura militar e que viveu seus últimos dias em Uberaba, e que, segundo divulgou a revista Realidade, em novembro de 1971, sofria problemas mentais confirmados por laudo médico, que constatou que a "mediunidade" que fez milhões de brasileiros chorarem de comoção, nunca foi mais do que mera fraude.
Amauri Pena, o sobrinho, foi denunciar as fraudes do tio, em 1958, mas o jovem, além de ter sofrido uma campanha de difamação pelos próprios "espíritas", que juram serem incapazes de "ofender sequer o pior inimigo", com apetite comparável ao da hidrofobia dos bolsonaristas de hoje, teve uma morte suspeita em 1961. Amauri, do qual nunca se provou ter sido um alcoólatra, teria falecido por "queima de arquivo" por ordem de um dirigente "espírita" e executado por um "tarefeiro" que teria envenenado o rapaz.
Quanto às "psicografias" que levam os nomes de famosos, a prática foi condenada pelo próprio Allan Kardec, através de ensinamentos trazidos por sua obra O Livro dos Médiuns, na qual se alertava sobre o uso de "nomes ilustres para promover mistificação", ou seja, a utilização de nomes famosos com prestígio reconhecido para falsas mensagens espirituais que nunca passam de propagandas religiosas de caráter leviano e bastante inferior.
Kardec teria também alertado para o processo obsessivo da "fascinação", que é a rendição emocional mórbida a pessoas traiçoeiras, sobretudo "espíritos obsessores encarnados e desencarnados". A "fascinação" a "médiuns" e "mensagens mediúnicas" trazidas por brasileiros (o caso recente envolve o humorista Falcão, do sucesso paródico "Black People Car") é um fenômeno preocupante no Brasil, que faz o Espiritismo brasileiro ser uma religião mais traiçoeira que as reconhecidamente corruptas seitas neopentecostais.
Não nos esqueçamos que tanto "espíritas" quanto "neopentecostais" teriam sido patrocinados pela ditadura militar para combater a Teologia da Libertação católica. Em outras palavras, tanto o Espiritismo brasileiro como instituições como a Igreja Universal, a Igreja Internacional da Graça de Deus e a Assembleia de Deus serviram de instrumento para os generais enfraquecerem a Igreja Católica, que atuava nos anos 1970 como uma força expressiva de oposição ao regime militar da época.
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