Ser jornalista é questionar, juntar peças soltas e "montar" um fato a partir de dados dispersos. É perguntar se isso que dizem é verdade e desconfiar de alegações vagas e sem fundamento. O verdadeiro jornalista não vai para a cama dormir tranquilo porque determinada fonte narrou um "conto de Cinderela" como se fosse uma notícia a ser produzida.
Daí a desconfiança que eu tive quando, entre as quatro cidades brasileiras consideradas "mais baratas" para se viver, se jogou a cidade de Uberaba, um dos maiores redutos de criação de gado zebu, uma espécie bovina considerada a mais cara do mundo.
A lorota é difundida pela imprensa de maneira repetida, como um mantra, produzindo sensacionalismo a partir do fato de que a cidade mineira é reduto de um famoso charlatão religioso, de ideias medievais, cuja última vítima foi o humorista Falcão, que ao celebrar o dia de São Francisco de Assis, foi passar pano no mistificador que transformou o Espiritismo brasileiro em um chiqueiro.
Questionamos, corajosamente, a "maravilhosa notícia", prestando aqui um serviço de utilidade pública dos mais valiosos. Falar que Uberaba é "quarta cidade mais barata do Brasil" é algo tão "fabuloso" quanto dizer que a atriz Juliana Paes "está dando mole para todo mundo", quando a realidade nos mostra que a estrela é uma mulher muito bem casada, vivendo sua vida privada com o marido e dois filhos.
Desvendamos o assunto e vemos que a "justificativa" para Uberaba - uma das principais cidades do Triângulo Mineiro, maior reduto da extrema-direita em Minas Gerais - apresenta um caráter bastante vago e desprovido do menor fundamento, como podemos reconhecer no texto que "explica" a "maravilhosa condição":
"Uberaba, situada no Triângulo Mineiro, tem uma forte tradição educacional e cultural. Com um custo de vida acessível, Uberaba é ideal para quem valoriza a educação e as oportunidades culturais. A cidade, conhecida por sua tradição agropecuária, oferece boas condições e preços competitivos no setor imobiliário".
Isso é tudo que se explica da hipotética condição dada à ultraconservadora cidade mineira. A alegação é tão desprovida de qualquer tipo de fundamento e de embasamento que tal "explicação" irritaria até mesmo o mais retardado turista em busca de informações concisas a respeito dos custos de vida de cada cidade desejada.
Não existem dados precisos, nem detalhes, nem informações. Tudo isso é "ventilado" por pura especulação, num texto grosseiramente publicitário fantasiado de relato jornalístico supostamente baseado em critérios "objetivos".
Averiguamos alguns aspectos cruciais para o cotidiano de vida em Uberaba e só a passagem de ônibus municipal, importante tanto para o passeio turístico quanto para o deslocamento dos habitantes para a ida e volta do trabalho, já desmonta a "feliz reputação".
Em Uberaba, a passagem de ônibus municipal custa R$ 5, com desconto para R$ 4,75 pelo Bilhete Único. A título de comparação, São Paulo, considerada a "cidade mais cara do Brasil", tem passagem de ônibus municipal a R$ 4,40, com exceção aos domingos, que é gratuita. Rio de Janeiro, outra cidade cara, cobra a passagem municipal de ônibus pelo preço de R$ 4,30.
Uberaba também não aparece entre as cidades com a cesta básica mais barata do Brasil, reputação que privilegia mais as cidades nordestinas, estando Aracaju no topo. E devemos considerar que, sendo o gado zebu a espécie bovina mais cara do mundo, ninguém vai vender picanha zebu com preço de espetinho de rua, não é mesmo?
Devemos tomar muito cuidado com certas "boas notícias" que fazem muita gente dormir tranquila. É preocupante que as pessoas boicotem textos desagradáveis, se esquecendo que não são os textos que são desagradáveis, é a realidade descrita neles que é. Se marmanjões e marmanjonas esperam ler contos de fadas na imprensa, então isso é um problema psicológico gravíssimo. E não adianta buscar desobsessão recorrendo ao "médium da peruca" porque este, fonte de perigoso azar, só poderá piorar as coisas.
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