PORTAL SOBRE RAÍZES FAMILIARES FEZ O QUE NEM A IMPRENSA MINEIRA TEVE CORAGEM DE FAZER.
Fazer jornalismo é um jogo de quebra-cabeças, e por isso devemos pegar fatos dispersos e confrontá-los, fazer pesquisa e não se contentar com visões oficiais sobre determinados fatos. Entrevistar, pesquisar documentos, enfrentar o mofo das fontes antigas, realizar perguntas e formular novas questões. E, principalmente, parar para pensar, mesmo no momento em que o jornalista está fazendo um lanche em algum canto da cidade.
Dito isso, percebemos o quanto nosso Brasil está degradado, quando até humoristas se passam por jornalistas para tirar o emprego de quem precisa, se aproveitando do "efeito CQC" que faz até com que humoristas que nem integravam grupos que parodiavam o Jornalismo - sim, comediantes de estandape comuns se passavam por "jornalistas" apenas para pegar carona na moda - inventassem do nada uma trajetória "jornalística" demasiado longa e intensa do que suas idades e sua ocupação à comédia poderiam sugerir. Ninguém se dedica amplamente ao humorismo e ao jornalismo ao mesmo tempo.
E aí percebemos outro absurdo surreal no nosso país: o feminicida é tratado como alguém que está "proibido de morrer", embora a mensagem subliminar de "Hey Joe", canção cuja letra é direcionada a um feminicida, se manifeste no verso final da versão em português de O Rappa: "também morre quem atira".
Essa ideia se baseia tanto em superstições, como nas lendas de casas mal-assombradas onde feminicida e sua esposa-vítima se tornaram fantasmas habitantes, quanto numa concepção medieval do perdão humano, a misericórdia tóxica que favorece mais o algoz do que a vítima, essa atingida por uma suposta culpabilidade moralista.
É difícil alertar as pessoas que feminicidas também morrem, que eles levam às últimas consequências a masculinidade tóxica, e que, nos momentos que antecedem e sucedem o crime propriamente dito, o seu executor é tomado de tensões tão violentas que elas atingem seu organismo, e o feminicida pode até viver longamente, mas passará seus últimos 30 anos enfrentando graves doenças.
Dados extra-oficiais apontam que um feminicida considerado "saudável" tem no máximo 80% da expectativa de vida do que um homem inofensivo nas mesmas condições. Se um feminicida vive, por exemplo, 95 anos, é porque, em termos comparativos, viveu "120".
A má vontade de nossos jornalistas de não divulgar as tragédias dos próprios feminicidas - com 650 mil mortos da Covid-19, por exemplo, apenas UM morto pela doença foi noticiado, um idoso presidiário de Alta Floresta, no interior de Mato Grosso - faz com que os feminicidas gozem, midiaticamente, da "Síndrome do Morto Muito Louco", com base na famosa comédia dos anos 1980, ou da anedótica suposição de que "morreu, mas passa bem".
O famoso feminicida Raul Fernando do Amaral Street, o Doca Street, na época que se sucedeu o crime que ele cometeu contra a vida da socialite Ângela Diniz, em dezembro de 1976, na cidade de Armação dos Búzios, no Rio de Janeiro - por ironia, distrito de Cabo Frio mais próximo do município de Casimiro de Abreu, nome de um poeta cujo perfil masculino era antagônico ao dos machistas - , foi noticiado pela revista Manchete como um rapaz rico e fanfarrão que consumiu cocaína, álcool e cigarros em quantidades preocupantemente intensas.
Com base nessa informação, podemos inferir que Doca teria passado as últimas décadas de vida lutando contra um câncer no pulmão, do qual nunca teria assumido publicamente. Suas investidas em gerar renda para custear caros tratamentos de quimioterapia, da produção (com ajuda do seu assessor, como ghost writer) de uma autobiografia a processos judiciais contra emissoras de TV e até fake news alegando que o magnata paulista estaria "muito ativo nas redes sociais" foram feitos para evitar mexer na grande fortuna, evitando falência. A mídia chegou a tratar Doca como se fosse "mais saudável que Pelé".
Em entrevistas à imprensa, Doca demonstrou usar eufemismos para esconder as graves doenças. Com estranha ênfase, falou que "tinha uma dislexia de vez em quando", o que sugere que essa "dislexia" seria o Mal de Alzheimer. No livro Mea Culpa, que encalhou nas livrarias, Doca teria usado a "leve pneumonia" para esconder um tratamento de quimioterapia. Nas últimas fotos, Doca, com 85 anos, parecia ter 25 anos a mais, confirmando a tese do 80% que acima foi descrita.
11 ANOS ANTES DO CRIME QUE CEIFOU SUA VIDA, JÔ SOUZA LIMA APARECIA NA REVISTA A CIGARRA, DE JANEIRO DE 1960, COMO "UMA DAS DEZ MAIS ELEGANTES DO BRASIL".
Antes de Doca, um caso de feminicídio também motivado pela "defesa da honra" ocorreu em 09 de julho de 1971, quando o empresário da construção pesada, Roberto Lobato - um nome muito comum em Minas Gerais, é como se fosse o "Raimundo Nonato" dos mineiros - , assassinou a esposa Josephine Souza Lima, depois de uma discussão.
Jô, como era conhecida, já havia aparecido na edição de A Cigarra, revista dos Diários Associados, na edição de janeiro de 1960. Ela era uma das "dez mais elegantes" da sociedade mineira, numa série de "dez mais elegantes do Brasil", e, dentro de uma ótica machista, ela era conhecida como a "senhora Roberto Lobato", onze anos e meio antes do seu marido tirar a vida dela.
O caso comoveu o país e o julgamento, dois anos depois, resultou na assustadora sentença da absolvição, pois Roberto teria agido pela "legítima defesa da honra", alegando ter sido "ofendido" pela mulher. O empreiteiro, um dos homens mais poderosos do setor em Minas Gerais, teria aparecido pela última vez num encontro de empresários da construção pesada em Belo Horizonte, em 2015.
Tendo passado "em branco", o falecimento de Lobato, aos 91 anos, 92 incompletos, em 15 de janeiro de 2022, só foi publicado em uma página de "raízes familiares", sem a menção do crime. Mas um senso de pesquisa e a junção das peças do quebra-cabeças mostra o nome da esposa dele e o ano do óbito, que coincidem com as informações da notícia criminosa.
O óbito não foi noticiado pela imprensa de Minas Gerais, o que poderia dar na "Sindrome do Morto Muito Louco" de mais um feminicida que "morreu, mas passa bem". Minas já tem o caso de um feminicida, também ligado à construção, que faleceu e recebeu homenagens: Tubal Villela, engenheiro que cometeu feminicídio em 1927, aos 26 anos, e que faleceu de câncer em 1962. Ele ganhou um monumento na cidade onde nasceu, Uberlândia, no Triângulo Mineiro.
Atualmente, dois feminicidas famosos estão no fim de suas vidas, um deles justamente um jornalista, Antônio Marcos Pimenta Neves, que matou a colega Sandra Gomide em 20 de agosto de 2000 (por ironia, eu estava lançando uma revista montada "artesanalmente", o zine O Kylocyclo, para treinar meus textos jornalísticos). O outro é o cantor brega Lindomar Castilho, que matou Elaine de Grammont em 1981. Lindomar era cunhado de outra jornalista, Helena de Grammont, recentemente falecida.
Pimenta Neves, ex-chefe de redação de O Estado de São Paulo e da revista Visão, sobreviveu a uma overdose de comprimidos e à ameaça de morte do pai de Sandra. Mas o jornalista acumula doenças gravíssimas como uma diabetes em estado avançado, hipertensão, câncer na próstata e possível falência de órgãos motivada pelo efeito dos comprimidos. Com 87 anos, pode morrer a qualquer momento.
Apesar disso, a imprensa - que o blinda, pois o jornalista veio de uma família rica e, também advogado, foi um dos dirigentes do Banco Mundial - se limitou a noticiar que Pimenta "tem grandes chances de contrair câncer na próstata", notícia dada em 2013. A doença que matou Frank Zappa e Milton Santos "demora" para se manifestar num homem, só porque este matou uma ex-namorada?
Já Lindomar Castilho, outro em idade de óbito, 84 anos, foi alvo de fake news trazidas pelo historiador Paulo César de Araújo, no livro Eu Não Sou Cachorro Não, a "bíblia" do intelectuais "bacanas" e marcado por teorias conspiratórias de suposta subversão dos ídolos cafonas. No livro, Araújo inventou uma suposta homenagem do Movimento Pela Libertação do Povo de Angola a Castilho, com um monumento que nunca existiu e motivado por um hipotético sucesso do cantor no país africano.
Com certeza, nossa sociedade é tão retrógrada que mesmo no âmbito do machismo mais vingativo, tem gente que não é muito amiga da busca pelas verdadeiras informações. Periga de um jovem jornalista ser designado por um editor-chefe para entrevistar um antigo feminicida e, de endereço em endereço, o jovem repórter ter que esbarrar num túmulo.
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