AYRTON SENNA É UM DOS NOMES USADOS NA RECENTE PRODUÇÃO DE PSICOGRAFAKES RETOMADA NO BRASIL.
Depois que a USP veio com a tese universitária, desprovida de fundamentação científica, sobre as "alterações genéticas" dos ditos "médiuns", tentando forjar um caráter extraordinário a esses mistificadores religiosos guiados por ideias medievais, voltou a farra do uso de personalidades mortas em mensagens de claro mershandising religioso.
Desta vez, dois personagens vieram à tona, através de uma prática de psicografakes produzidas e divulgadas pela equipe do portal de fofocas TV Foco. Nota-se que os portais de fofocas e a mídia policialesca adoram muito divulgar os "médiuns" e as "cartas psicografadas", devido à afinidade quanto à produção de obras "controversas" que produzam sensacionalismo no grande público. Tudo isso com o apelo tendencioso e malicioso das "lindas mensagens", dos "recados fortes" e das "cartas comoventes".
Uma dessas cartas é atribuída à mãe de Suzane Von Ritchofen, morta a mando da própria filha, Marísia Von Ricthofen, que também mandou matar o marido dela, Manfred Von Richtofen. O crime foi executado pelos irmãos Daniel e Cristian Cravinhos, em 2002. Os três foram presos. Recentemente, Suzane recebeu liberdade condicional sob a condição de trabalhar e realizar estudos.
A suposta mensagem de Marísia, divulgada pela suposta sensitiva Érica Dias, tem um forte teor religioso, pedindo para Suzane "encontrar o caminho da luz e evitar espíritos obsessores". Na suposta carta, o dito espírito alegava "ter alcançado a luz e perdoado a filha".
Em outra carta "psicografada", lançada por um "médium" no "centro espírita" Grupo Dom Bosco da Comunhão Espírita de Brasília, o teor sensacionalista já é evidente nesse escancarado apelo de mershandising religioso que usa o nome do falecido piloto de Fórmula 1, Ayrton Senna. Alguns trechos:
"Não escutando a voz da minha consciência, deixando-me levar pela euforia do meu instinto, antecipei, em 01 de maio de 1994, o meu retorno ao mundo dos espíritos. Não culpo outros. Várias foram às vezes em que fui alertado na minha trajetória, nas pistas de competição automobilística, principalmente nos últimos tempos.
"A falta de rendimento deixava-me muitas vezes irritado, tinha os meus compromissos, tinha um contrato, um público. Tinha coragem sim. Não, não poderia aceitar um fracasso.
"Corri, amei, vivi demais, também, em função disso, parti para o mundo espiritual cedo demais. Tantas coisas ainda por fazer, constavam em meu rol de afazeres.
"Bem que poderia ter sido diferente, não precisava, não havia necessidade de querer chegar sempre entre os primeiros ao pódio. Não disputar tão acirradamente, irresponsavelmente as curvas.
"Eu daqui, aceno com bandeira branca, não de vencedor e sim de um simples piloto candidato a futuro integrante da esquadrilha de Jesus. Seres do bem que formam grupos para prestar ajuda".
A grande farra do propagandismo religioso, alimentada pela "reabilitação" do Espiritismo brasileiro através da tese pseudocientífica da USP - lançada por uma revista de baixo fator de impacto científico, a Brazilian Journal of Psychiatry - , pode representar uma perigosa apropriação dos nomes dos mortos para produção de mensagens mistificadoras que mostram o quanto a pessoa, quando perde a vida, corre o risco, no Brasil, de ver seu nome utilizado em mensagens produzidas por terceiros.
SEMELHANÇAS COM TROTES TELEFÔNICOS
O aspecto estranho dessas "psicografias" é que os supostos espíritos "abrem mão da personalidade" para fazer mensagens de propaganda religiosa. De Humberto de Campos a Domingos Montagner, passando por um Olavo Bilac, desprovido de seu estilo poético peculiar, e um abobalhado Raul Seixas, apelidado de Zílio e apegado a um misticismo que o roqueiro baiano já havia abandonado no final da vida, as mensagens revelam um nível duvidoso de veracidade e de autenticidade, se equivalendo a obras fake como muitas que foram atribuídas a grandes nomes da literatura.
Essas obras se equiparam a trotes telefônicos, só para fazer trocadilho com a famosa expressão "o telefone só toca do lado de lá". Sim, fala-se de trotes telefônicos desses em que os detentos ou os golpistas financeiros se passam por familiares de uma vítima que está no outro lado da linha, narrando um hipotético sequestro com o objetivo de comover o interlocutor e forçá-lo a arrumar dinheiro para o "resgate". Famílias foram à falência diante de tamanhos crimes.
É certo que o Espiritismo brasileiro não usa abertamente essa prática de extorsão pois se utiliza do artifício da pretensa gratuidade para iludir as pessoas através de uma falsa despretensão. Mas não existe almoço grátis e, por trás dessa "gratuidade irrestrita", que faz com que os chamados "filmes espíritas" sejam gratuitamente disponibilizados no YouTube e "livros mediúnicos" sejam liberados para download gratuito, há uma isca para atrair pessoas para a subserviência a esse Catolicismo medieval de botox, com ideias igrejistas do século XII fantasiadas de "futurismo filosófico-espiritualista".
Ver que as personalidades mortas, qualquer uma, de um simples anônimo conhecido apenas por seus colegas, familiares, amigos e vizinhos, até um nome do nível de um Getúlio Vargas, não escapam das canetas e lápis de gente traiçoeira, lobos em peles de cordeiros, gente com mel nas palavras e ganância no coração, que se promovem através do sensacionalismo obscurantista dessas mensagens.
O que o Espiritismo brasileiro não quer que você, caro leitor, saiba, é que o próprio Allan Kardec, que fez uma Doutrina Espírita completamente diferente da que é feita no Brasil sob o nome oportunista e hipócrita de "kardecismo", reprovava o uso de nomes famosos em mensagens ditas "espirituais" sob os fins de mistificação.
DOUTRINA ESPÍRITA ORIGINAL REJEITAVA A PRÁTICA
Em O Livro dos Médiuns, de 1861, Kardec alertava sob o uso traiçoeiro de "nomes ilustres" por "médiuns escrevinhadores" para enganar as pessoas e até mesmo intimidá-las, através da pretensa superioridade que a hipotética autoria espiritual sugere ao público, exercendo assim um domínio movido pelo prestígio que o nome morto representou para a sociedade enquanto este estava vivo.
É lamentável que, mesmo quando se criticam os graves defeitos do Espiritismo brasileiro, como seus "médiuns" envolvidos em crimes que vão do consentimento da morte de um sobrinho cometida por terceiros até a prática de crimes sexuais, passando pela "invasão de colarinho branco" (construção de instituição religiosa sem alvará técnico da prefeitura), tudo isso é colocado na conta de Kardec, pois mesmo os críticos sérios ainda confundem o Espiritismo brasileiro, igrejeiro, jesuítico e medieval, com a Doutrina Espírita francesa, fundamentada no Iluminismo.
Kardec pode não ter sido perfeito, e ele mesmo aceitava ser questionado, desde que dentro dos debates de ideias e conhecimentos. Mas ele procurou trazer uma nova fenomenologia, através da busca pelo contato com espíritos falecidos, fazendo o máximo de recomendações e orientações em sua bibliografia pequena, sem relação com os mais de 400 livros obscurantistas lançados por um charlatão de Minas Gerais que uma parcela de brasileiros dotados de profundo retardamento mental garantem ser "reencarnação de Kardec".
O próprio "médium da peruca" representa tudo aquilo que Kardec NÃO recomendava para um trabalho paranormal sério. O uso de nomes ilustres, a adoção de linguagem rebuscada, a mania de escrever demais dizendo muito pouco (como o igrejismo medieval da Teologia do Sofrimento), a influência de "espíritos mentores" autoritários (que Kardec definia como "espíritos de baixo nível moral") e outras práticas condenáveis estão todos mencionados em O Livro dos Médiuns, obra que deveria representar o oposto do que se faz no Brasil sob o rótulo de "kardecismo".
Com base nas recomendações originais da Codificação francesa, deveríamos saber que o pretenso altruísmo dos "médiuns" não passa de uma máscara para disfarçar a prática de charlatanismo, crime previsto desde o Código Penal de 1940 (artigo 283 do Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940), referente ao ato de "inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalivel", que prevê detenção de três meses a um ano, com multa.
Recentemente, um projeto de lei de número 1341 (PL 1341/1923) procurou aperfeiçoar a definição para o crime de charlatanismo religioso, incluindo nele os seguintes critérios que não envolvem necessariamente a extorsão explícita muito conhecida nas seitas neopentecostais:
- Afirmar sem comprovação possuir dons sobrenaturais, divinos ou espirituais com o objetivo de obter vantagem financeira ou de qualquer outra natureza;
- promover, divulgar ou realizar falsos milagres, curas ou outras manifestações supostamente sobrenaturais com o intuito de obter vantagens financeiras ou de qualquer outra natureza.
As vantagens de "qualquer outra natureza" podem ser o prestígio do explorador da fé religiosa, mesmo que seja para usar a "caridade" como uma "carteirada", para intimidar as pessoas que observam irregularidades nas práticas "sobrenaturais" do "médium", além de outros aspectos negativos como o ultraconservadorismo deste religioso e, também, de seus juízos de valor que muitas vezes agridem a individualidade e a liberdade de escolha do ser humano.
INGENUIDADE DO PÚBLICO
É, portanto, assustadora a ingenuidade, que chega a níveis patéticos e extremamente idiotas, das pessoas que dão ouvidos aos chamados "médiuns", acreditando cegamente que o uso dos nomes de mortos para a produção de mensagens religiosas tem como finalidade "confortar almas e garantir o pão dos pobres". Esse charlatanismo que o próprio uso dos nomes dos mortos representa, apresentando falhas grotescas nas personalidades que os falecidos tiveram em vida, é um abuso sob a capa da religiosidade mil vezes pior do que o que fazem os neopentecostais.
Afinal, o que está em jogo, principalmente, é o uso abusivo de nomes dos mortos para produzir sensacionalismo, deslumbramento, histeria religiosa, não raro dividindo famílias, que, por conta de "psicografias" que usavam nomes de pessoas comuns - uma "cortina de fumaça" que o "médium da peruca", entusiasta da ditadura militar, trabalhou para abafar a crise política dos anos de chumbo - , chegavam a jogar parentes uns contra os outros, por conta de mensagens farsantes montadas, nos bastidores, pela leitura fria e pela consulta de fontes bibliográficas.
Esses conflitos familiares criados pela divulgação de "psicografias" era trazido quando uns acreditam cegamente nas psicografakes e outros, alertando contra isso, irritam os demais, que preferem a credulidade confortável (que julgam "verdadeira").
Também temos o caso do Jair Presente, um jovem engenheiro morto por afogamento, cujos amigos foram ridicularizados pelo "médium da peruca", que chamou de "bobagem da grossa" a natural desconfiança daqueles que conviveram com o rapaz e que não conseguiam ver veracidade nas ditas "psicografias". E muitos brasileiros, idiotizados pela idolatria religiosa, preferiram ficar no lado do "médium", mesmo quando se descobriu que a "psicografia" foi montada a partir de jornais enviados, via Correios, de Campinas até Uberaba.
E mais assustador ainda é que se permite, de maneira vergonhosamente irresponsável, "acreditar ou não" da veracidade das "autorias espirituais", como se tivéssemos "liberdade" para considerar ou não que foi um morto que enviou a suposta mensagem. Isso é a coisa mais horrível do mundo, pois estamos aqui avacalhando com a individualidade humana e tratando a vida pessoal como um lixo, desprezando as identidades da maneira mais calhorda e canalha possível.
Isso é um desrespeito humano grave, gravíssimo. Quer dizer que um morto vira um "ninguém", a ser usado como marionete por um "médium" idolatrado por um sem-número de incautos? O caso Humberto de Campos é um grande exemplo dessa vergonha condenável, pois o subestimado escritor maranhense hoje só sobrevive na obra fake que carrega seu nome.
Dai o aspecto de extremíssima gravidade que faz o Espiritismo brasileiro ser pior do que a pior das seitas neopentecostais: a farra perigosa da apropriação da memória dos mortos. O recente caso de Ayrton Senna é apenas o caso recente de uma grande multidão de vítimas que não está mais aí para se defender do uso de seus nomes para propagandismo religioso, muitas vezes atribuindo a eles ideias e costumes que eles nunca iriam defender em momento algum.
E nada de botar tudo na conta de Allan Kardec, pois a cidade francesa de Lyon não vai pagar pelos abusos cometidos pelo obscurantismo religioso de Uberaba. Que os brasileiros paguem sozinhos pelo vandalismo religioso que fizeram sob o verniz da "espiritualidade". O bom professor não pode ser responsabilizado pela baderna dos péssimos alunos.
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