Temos que tomar muito cuidado com o chamado sensacionalismo estatístico, que é muito difundido por setores da imprensa dados a misturar curiosidades, dados históricos e estatísticas. Como uma gororoba jornalística, misturam-se muitas coisas interessantes com verdadeiras mentiras ou conversas para boi dormir.
Devemos ter cautela, afinal não se pode aceitar tudo de bandeja. Devemos confrontar com a realidade dos fatos, que nem sempre é agradável a quem vive no mundo das redes sociais e prefere que a fantasia prevaleça sobre o realismo.
A supervalorização de artistas medíocres, a glorificação de charlatães religiosos, a blindagem em personalidades de valor bastante duvidoso, tudo isso faz com que essa imprensa marrom-glacê, que aparece em feeds de portais de Internet, seja um terreno no qual não há uma fronteira definida entre o conhecimento enciclopédico e a fábrica de fake news enrustidas, cuja narrativa desprovida de raiva mas dotada de um aparato de objetividade consegue enganar muita gente.
Neste blogue, já descrevemos casos que envolvem dados estatísticos e que revelam uma das armadilhas que a mídia "imparcial" despeja nesse balaio de gatos jornalístico. A sedutora narrativa agradável, associada a um simulacro de imparcialidade, ganha o respaldo daqueles que, sem sair de casa, acham que podem julgar o mundo que só veem na mídia dominante através da Internet.
Os "recordes históricos" do governo Lula que não conseguem refletir no cotidiano da população, a reputação sem fundamento da cidade de Uberaba como "uma das cidades mais baratas do Brasil" e o mito de que Salvador "tem mais mulheres do que homens na população", refletem o que se deve considerar como sensacionalismo estatístico.
E o que é o sensacionalismo estatístico? É quando levantamentos estatísticos apresentam dados tão fantásticos que soam bastante fantasiosos e, não obstante, não encontram respaldo na realidade concreta dos fatos vividos no cotidiano, mas são tidos como "verdades absolutas" que precisam ser sustentadas e mantidas pelo chamado "senso comum". Algo como dizer que Maria, mãe de Jesus, engravidou virgem.
O sensacionalismo estatístico planta dados fantásticos e fabulosos, visando impressionar o público e atrair demanda, principalmente masculina, para postos de trabalho estratégicos em certas cidades. Ou então servem para glorificar líderes políticos, através de supostas façanhas que pegam desprevenidos muita gente que não vê direito o mundo em sua volta, mas se gaba em pensar ser perito desse mundo.
Sabe-se que, no caso de Uberaba e Salvador, os dados forjados tentam causar entusiasmo e impressão na demanda, criando um clima de histeria para a migração dessas cidades. A ideia não é mostrar a verdade, mas criar mitos como os supostos preços baixos ou a suposta maioria feminina como atrativos para fazer entrar novos habitantes, engrossando postos de trabalho estratégicos para o turismo e para a riqueza empresarial.
Eu, como jornalista, preciso desconfiar das informações divulgadas. Tenho que confrontar com a realidade vivida. Não posso aceitar tudo que é noticiado como se fosse a "verdade indiscutível", tenho que juntar os quebra-cabeças da realidade fragmentada que deixa muita gente na zona de conforto das compreensões superficiais, contraditórias e confusas da vida humana.
Já vivi em Salvador durante 18 anos. O que eu mais via, na capital baiana, eram homens na cidade. Mas não se pode dizer isso porque as pessoas preferem a "sociologia de botequim", só porque uma boate de 100 pessoas tem maioria de mulheres pois muitos homens vão dormir para trabalhar no dia seguinte.
Eu andava pelas ruas. Conheci quase toda a cidade. Rodei pela Ribeira, passei pelo Subúrbio Ferroviário, pela orla marítima toda, passei por Brotas, Cabula, Stiep, Sete Portas, Liberdade, Campo Grande, Federação e tudo o mais. A maioria da população demonstrava ser masculina, a diferença é que a maior parte dos homens que vivem em Salvador ainda têm o domicílio creditado nas cidades de origem, no interior baiano.
Isso é fato. E o êxodo rural tornou-se mais intenso depois de 1970. Se em 1960 o Censo admitia que a maioria da população de Salvador era masculina, por que temos que acreditar o contrário de 1970 para cá, quando a violência no campo no interior baiano fazia milhares de camponeses migrarem em grandes quantidades para a capital da Bahia.
Aliás, Salvador é conhecida como "a Bahia". A maioria do interior baiano ainda vive nos tempos do começo do século XX. Em 2008, último ano em que morei em Salvador, via ônibus da Secretaria de Saúde das cidades do interior servindo de "disfarce" para tirar homens da população desses municípios para engrossar a multidão de habitantes na capital baiana.
Paciência. Atividades braçais em Salvador servem de atrativos para os baianos do interior migrarem para a capital, e mesmo que a imagem do "Eldorado baiano" da capital não passe de uma miragem, grandes contingentes de homens passam a habitar a Cidade DO Salvador, mas como são pobres e de aparência desagradável para a propaganda mitológica da "sensualidade tropical", não conseguem ser sequer uns míseros números estatísticos.
O sensacionalismo estatístico tenta, portanto, criar uma narrativa agradável. Cidade tropical tem que ter mulher sensual, e a imagem sexista de Salvador é que está em jogo quando se fala de uma hipotética, mas tida como "verdade absoluta", tese da "maioria feminina" na população, agora "engrossada" pela atual tendência identitária de que até travestis hoje se autoproclamam "mulheres".
É como também em Uberaba, quando a mitificação dos "preços baixos", uma mentira que, agora, se "exila" em Uberlândia, outro polo pecuário do Triângulo Mineiro, agora sustentando a mentira dos "preços baratos" - como se os grandes proprietários de terra, desejosos por lucros através da exploração do gado zebu, o mais caro do mundo, fossem um "primor de generosidade e abnegação", o que não tem a menor lógica - , também busca impressionar a opinião pública com essa pretensa "verdade".
Devemos desconfiar dessas coisas. Afinal, muitos espectadores dessa imprensa se acostumaram em ver, na Rede Globo, o bonachão paulista Rodrigo Bocardi esbanjando simpatia e interagindo na Internet, como um rapagão até de aparência viril, mas "divertido" e "fluente" para ter sido, durante anos, muito querido do grande público.
E isso foi derrubado recentemente, quando Bocardi passou a ser investigado por envolvimento ilícito com empresas e bancos, traindo as mínimas condições de transparência jornalística que a mídia empresarial, mesmo nos seus limites austeros de fábricas de ideologias a favor dos ricos e poderosos, procura exigir de seus profissionais.
Se muita gente se sentiu chocada com as revelações que provocaram a demissão de Bocardi, muita coisa pode ser revelada, também. Interesses turísticos podem mostrar muitas mentiras construídas para produzir sensacionalismo estatístico, através de uma bem montada narrativa fantasiosa que faz muita gente dormir tranquila sem que sinta a menor estranheza, iludida com supostas informações forjadas sob o verniz da objetividade e da imparcialidade.
Trata-se de um costume herdado do antigo AI-5 da ditadura militar, um modus operandi trazido a partir do Jornal Nacional da Rede Globo em 1969, que sempre trazia notícias agradáveis, que a mídia marrom-glacê (que mascara o sensacionalismo, o tendenciosismo e até as notícias falsas sob o aparato do "bom jornalismo") espalha por aí manipulando o senso comum, que se torna escravo de uma "realidade" que não é tão realista assim, pois ela é dotada de fantasias e mentiras que servem para enriquecer empresários políticos e outros envolvidos.
Por isso, muito cuidado com as notícias tendenciosas que circulam por aí, mesmo em veículos considerado de prestígio. Principalmente quando apostam no sensacionalismo estatístico para ludibriar as pessoas através da empolgação.
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