Não é fácil se reinventar depois da meia-idade. O sentimento de apatia assombra a partir dos 45 anos e o adulto a partir dessa idade, tomado de um sentimento de racionalidade obsessiva, torna-se sisudo e reduz o lazer ao que há de mais objetivo possível, quando o ideal é explorar, no ócio, o máximo de sua objetividade, alegria e imaginação.
Já descrevi a geração de médicos, empresários, advogados, economistas que, nascidos entre 1950 e 1955, cometeram a gafe - que eles acham uma atitude correta - de chegar aos 55 anos querendo ter uma bagagem de idosos, exaltando heróis e referenciais que não são de sua época, ou eram referenciais adultos de seu tempo de infância, só para impressionar seus antigos patrões.
Com isso, esses "refinados senhores" - em boa parte, contraditoriamente, casados com belas atrizes, ex-modelos e jornalistas mais jovas - queriam reproduzir, como farsa, a geração de homens cultos que viveu a juventude nos anos 1940 e 1950, trazendo um padrão de comportamento, de vestimentas, hábitos e gostos que não condizem aos "coroas" dos tempos atuais.
E eis que posso enumerar homens bem mais velhos que eles que já quebraram esse estigma, não bastasse que, em 1954, por exemplo, já começaram a ser derrubados pela rebelião rock'n'roll da época os valores que os "refinados senhores", bebês na época, continuam acreditando até hoje dentro de seus consultórios ou escritórios.
Os saudosos Vinícius de Moraes e Millôr Fernandes eram um grande exemplo de jovialidade. Há também Jô Soares, e os tropicalistas Tom Zé, Gilberto Gil e Caetano Veloso, e já que falamos de tropicalistas vamos citar outro músico envolvido com o Tropicalismo, o ex-mutante Arnaldo Dias Baptista.
UM DOS DESENHOS DE ARNALDO - UM OVO COM UM ROSTO DE UM BICHO E UM ROSTO HUMANO SOBRE ELE - Arte para pensar.
Arnaldo esteve presente em muitos momentos do Tropicalismo entre 1966 e 1968, tocando com Gilberto Gil em "Domingo no Parque" - no Festival de Música Popular Brasileira de 1967 - e no controverso "É Proibido Proibir", de Caetano Veloso, em 1968, que deu no famoso discurso indignado do cantor baiano.
Arnaldo tem 66 anos e por pouco não havia falecido há três décadas, uma vez que estava internado em um hospital e tentou suicídio, sobrevivendo e seguindo carreira musical sem o apoio da grande mídia.
Ele continua ativo, lançando discos excêntricos - como o Let It Bed, um dos recentes- , tendo sido também um dos primeiros grandes artistas lançados pela Baratos Afins (uma das poucas gravadoras realmente independentes existentes no Brasil).
Ele é um exemplo de jovialidade, algo bastante facilitado por pessoas que realizam atividades ligadas à juventude, e que por isso passam a ter um convívio simbólico permanente com a juventude, mantendo um estado de espírito jovial que ultrapassa a meia-idade, com suas rugas e cabelos brancos.
Semanas atrás, foi realizada uma exposição de pinturas e desenhos de Arnaldo em uma galeria de São Paulo. As temáticas são complexas, como se espera de alguém claramente influenciado pelo psicodelismo. As obras realmente foram feitas para nos fazer pensar.
Desenhos surreais, figuras, tudo requer uma interpretação e é feito diante de uma imaginação fértil, como a maioria das pessoas convencionais só consegue exercer na infância, antes de serem contaminadas pela racionalidade que torna os adultos sem graça, que permite criações inusitadas.
Há muitos exemplos dos desenhos e pinturas de Arnaldo na Internet. Eles são, à primeira vista, inexplicáveis, enquanto seu criador se diverte com sua expressão artística inusitada e com seu espírito sempre jovial, com uma alegria espontânea e um jeito brincalhão.
Faz bem. Felizmente, Arnaldo não faz o tipo de músico ou ator que opta pela pintura apenas para passar o tempo, mas como uma atividade artística paralela, que as escolas de arte deveriam apreciar. E ele faz muito bem agilizar sua imaginação, já que ele havia passado pelo coma e isso faz com que ele se mantenha na lucidez criativa e na sua movimentação mental.
É muito bom ver que Arnaldo dá um banho de jovialidade aos sessentões de primeira viagem que, nascidos entre 1951 e 1955, brincam de serem velhinhos granfinos de 80 anos com suas jovens esposas crescidas sob o signo da MTV.
Enquanto tais "senhores" se preocupam mais com o próximo evento de gala para irem e moldam sua realização pessoal pelo número de vezes que usam ternos e sapatos de verniz, Arnaldo Baptista faz simplesmente o que se exige para os homens que estão ou ainda vão entrar na terceira idade: curtir a vida da melhor maneira.
Comentários
Postar um comentário