Nervosos por causa da baixa popularidade do rock no mercado radiofônico brasileiro - o fato do ritmo ter raras colocações nas 100 mais tocadas nas rádios e, ainda assim, abaixo do 50o. colocado - , os defensores da Rádio Cidade mais uma vez demonstram intolerância às críticas.
Diante de uma notícia, nas mídias sociais, de uma parceria entre uma rádio da Região dos Lagos e da Rádio Cidade, critiquei o fato de que a rádio só vai tirar ouvintes de outras emissoras, de pop e brega-popularesco, porque não vai atrair um público roqueiro. Com isso, os defensores da Rádio Cidade, de maneira reacionária, passaram a me criticar.
"Ele deve ter tomado um tarja preta", reclamou um internauta nervosinho, querendo dar a falsa impressão de que o nervosismo era eu (talvez ele saiba o nome do remédio tarja preta que ele tomou ao saber que o rock anda em baixa e os roqueiros não ouvem Rádio Cidade). Outros, irritados, não suportavam mais uma onda de discussões.
A onda de reacionarismo preocupa, sobretudo quando sabemos que, entre 2000 e 2006, a Rádio Cidade, até mais do que sua congênere paulista 89 FM (cujo proprietário é um político ligado à ditadura militar), virou laboratório de furiosos neocons, com o mesmo jeito jocoso e violento do antigo Comando de Caça aos Comunistas.
A Rádio Cidade era uma espécie de pré-vestibular para novos Bolsonaros, que adotavam uma rebeldia de fachada para esconder seu reacionarismo extremo. Era a ultradireita juvenil usando a "sonzeira" como trilha-sonora, enquanto defendia posturas "rebeldes" como fechar o Congresso Nacional e extinguir o Poder Legislativo, a pretexto de "combater a corrupção".
A emissora, antes uma simpática emissora pop, passou a usar o rock como fachada para desfazer todas as boas lições que Luiz Antônio Mello, sábia e arduamente, trouxe com a Fluminense FM. E, o que é pior, transformou a antiga locutora da Flu, Monika Venerabile, em caricatura de si mesma e numa das primeiras figuras neocon a animar seus ouvintes "coxinhas".
Eu mesmo fui vítima desse reacionarismo extremo, da "gente bonita" que vive na Barra da Tijuca e no Recreio dos Bandeirantes mas finge morar na Pavuna, gente que via a "cultura rock" de acordo com o próprio umbigo, pouco importando a realidade do público roqueiro no Brasil e no mundo, bem diferente do que pensam os "coxinhas" da Rádio Cidade e da paulista 89 FM.
O EXEMPLO DE TUTINHA
O ultradireitismo da Rádio Cidade é um perigo que não pode ser menosprezado. Como o próprio ultradireitismo da 89 FM também não. As rádios são famosas por domesticar o público de rock e por formar um público fanático de ultradireitistas "roqueiros" que mais parecem um cruzamento de skinheads com os "baixinhos da Xuxa".
A Rádio Cidade foi financiada pelo governo FHC por volta de 1995-1996 e a 89 FM recebeu dinheiro de Fernando Collor. Nos anos 90, as duas rádios transformaram o roqueiro, antes um tipo de gente pensante e criativa, num temperamental conservador, consumista e arrogante.
Dizem boatos que a Rádio Cidade adotou um modelo caricato e direitista de perfil rock para eliminar a influência dos últimos vestígios brizolistas no Rio de Janeiro, da mesma forma que a 89 FM criava uma base de apoio para José Serra e Geraldo Alckmin. Seus adeptos caem na gargalhada quando alguém lhes informa isso, mas gargalhadas são quase sempre uma forma subliminar de confissão.
As duas rádios moldam sua linguagem explicitamente na Jovem Pan 2, comandada por Tutinha que, às vésperas de fundir as duas Jovem Pan - a 1, AM, e a 2, FM - com a extinção do rádio AM, investiu numa equipe de jornalistas reacionários: Reinaldo Azevedo, José Neumanne Pinto, Rachel Sheherazade, entre outros.
A "turma" por enquanto se reúne na Jovem Pan 1 (AM), mas aos poucos migra para a Jovem Pan 2, pela transmissão comum de seus noticiários e pelo projeto de fundir as duas emissoras ou talvez até ficar somente a Jovem Pan 1, já que Tutinha manifestou estar cansado de rádios musicais.
E o que isso significa? Que a Jovem Pan, que serviu de modelo de linguagem da Rádio Cidade e a 89 FM, pode acender o reacionarismo das demais rádios. O rádio FM é cheio de emissoras reacionárias, controladas por políticos, latifundiários ou empresários "independentes" de perfil conservador.
É só ver alguns casos. A Transamérica é de propriedade de um banqueiro que recentemente anda fazendo parcerias com Ricardo Teixeira, da CBF. A extinta Beat 98 (hoje "Rádio Globo AM" FM), é dos donos da Rede Globo. A 89 FM é de propriedade de uma família que apoiou a ditadura militar, era ligada a Paulo Maluf e tem parcerias com o latifúndio paulista e com o PSDB estadual.
A Rádio Cidade "roqueira", por sua vez, foi um resultado dos surtos reacionários do Sistema Jornal do Brasil, um grupo de midia tradicionalmente bastante conservador, que defendeu o golpe militar de 1964 e integrou a Rede da Democracia com as Organizações Globo e os Diários Associados (os três grupos pediam a queda de João Goulart), mas por vezes adota posturas mais "moderadas".
Nesse vai-e-vem ideológico, a Rádio Cidade que nos anos 90 virou "roqueira" por impulso reacionário do Sistema JB, acabou depois isolada pelo próprio sistema quando este se moderou em 2001 (ano do desgaste político de FHC) e cujo caderno B dava mais destaque à Fluminense FM, enquanto a Cidade estava entregue à rede da malufista-alckminiana 89.
Para piorar, hoje o rock está em baixa devido à falta de renovação - ele está preso à mesmice barulheira dos anos 90 - e a Rádio Cidade e a 89 FM mostram-se mofadas, antiquadas, prisioneiras de suas próprias fórmulas (as de 1995-2006), enquanto a cultura rock escapa de seu controle, com debandada de fãs de bandas conhecidas e conceituadas.
Mais grave ainda: as duas rádios mostram seus defeitos de maneira mais evidente, principalmente com o trânsito escancarado de locutores sem especialização em cultura rock, vindos de rádios nada roqueiras e cuja visão preconceituosa os faz capazes de xingar, se preciso, a mãe do Ozzy Osbourne ou de agradecerem a Deus porque os nomes antigos do rock estão em boa parte mortos.
A primeira revelação do reacionarismo da Rádio Cidade e da 89 FM - que gerou uma polêmica feia na Internet, entre 2002 e 2005 - as derrubou em 2006. Incapazes de acompanhar a realidade da cultura rock, as duas rádios mais parecem o equivalente radiofônico do Restart, apesar do apetite reacionário comparável a de punks fascistas.
Só que, indiferentes aos rumos do tempo, as duas rádios podem preocupar a opinião pública pelo desprezo à realidade, presas naquilo que seu julgamento preconceituoso de seus departamentos comerciais determina que seja. Para a Cidade e a 89, a realidade não deve ser como é, mas como seus executivos e produtores pensam e desejam que seja.
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