Pesquisando a Caras, a Isto É Gente e até mesmo uma breve tentativa de lançar no Brasil a revista espanhola ¡Hola! - "Jacinto de Thormes" demais para nosso gosto - , nota-se que nossos empresários, executivos e profissionais liberais na casa dos 60 anos têm uma mania muito grande de parecerem mais velhos do que são.
Nascidos na década de 1950, década do surgimento do rock'n'roll, do movimento beat e de todo um questionamento sobre padrões e símbolos do "mundo adulto", esses homens ainda ficam presos a paradigmas que eram derrubados como que pelo avanço de um trator por Bill Haley, Chuck Berry e companhia.
Lendo as entrevistas de vários deles, nota-se que eles sofrem os efeitos de terem convivido demais com gente mais velha - sobretudo patrões e professores universitários com cerca de 20 anos de diferença - e, quando chegaram aos 50 ou 55 anos, acharam que "entraram no clube" a defender referenciais antigos que eles não entendem direito.
Eles passaram a ouvir, com a pressa com que um adolescente ouve punk rock, por exemplo, peças de música clássica e de jazz, no entanto sem saber a diferença entre um Mozart e um Frank Pourcel, entre um standard da canção de Hollywood dos anos 40 e um jazz experimental dos anos 1950.
Seu pedantismo "jazzista" e "erudito" não os faz irem além de sucessos manjados como "Cheek to Cheek" e "In the Mood", ou a sair de experiências acessíveis como as dos tenores populares Plácido Domingo e Luciano Pavarotti, mas mesmo assim eles, em seus paletós, se julgam, mesmo assim, especialistas de algo que não entendem profundamente.
Quem pode assumir bagagens e vivências de "gente mais antiga"? Quem pode entender os tempos passados? Basta apenas ter cabelo grisalho para saber dos segredos valiosos da Nova York dos anos 1940, dos vinhedos franceses do século XIX, e do antigo centro histórico de Roma? Definitivamente, não.
A meu ver, muitos desses homens de seus 60 anos estão na verdade envergonhados por que estão casados com mulheres bem mais jovens. Desfizeram seus casamentos anteriores porque eram workaholic ("trabalhólatras", se me permite algum neologismo em português), e as esposas de sua geração não aguentavam suas ausências prolongadas na vida familiar.
Daí talvez o certo constrangimento de ter como esposas moças 10, 15 ou 20 anos mais jovens - para não dizer uma diferença maior - e isso fazer com que eles reajam querendo soar "realmente maduros", mesmo num contexto bem diferente e menos favorável para homens de sua geração.
Paciência. Se, há até uns 50 anos atrás, homens de 60 anos puderam consistir numa geração em que predominava as mentes experientes, as lições de sabedoria e uma inteligência requintada, hoje eles sofrem problemas até quando tentam assumir uma bagagem erudita demais para o contexto atual.
Afinal, eles entraram na fase universitária na época do AI-5, auge da ditadura militar, e não poderiam desenvolver seu idealismo, a não ser dentro dos limites dos objetivos meramente técnicos e profissionalizantes. A geração também marcou o fenômeno yuppie, espécie de granfino festivo, que havia sido moda nos anos 80.
Chegando aos 50 anos, por volta da segunda metade da década de 2000, eles passaram a se vincular ideologicamente a referenciais dos mais velhos, mais por um capricho de status e de uma concepção que eles aprenderam de "maturidade" - inspirada nos "coroas" que eles apreciavam nos seriados de TV, desde os anos 1970 - do que de qualquer identificação com o passado.
Esse é o problema. Eles chegavam aos 50 ou 55 anos vendo a velhice de forma glamourizada. Ser cinquentão ou "coroa" é uma forma infantil de ser velho. Daí a desculpa de que, só por ter atingido etapas vitais - como experiência em cargos de comando, filhos crescidos e a própria aparência enrugada e grisalha - , poderiam ter 55 anos acreditando ter a bagagem vivencial de 80.
A ânsia deles em se apropriar de ícones do tempo de seus pais - como amigos de Pablo Picasso ou o típico cacoete de tratar o maestro Glenn Miller, falecido em 1944, como se fosse íntimo deles - ou de intelectuais mais velhos, como Millôr Fernandes e Norman Mailer, mostra um pouco essa forma "criança" dos "coroas" quererem ser idosos.
Só que é uma apropriação pedante e tendenciosa, feita mais para "agradar os mais velhos" e espantar o desconforto de serem "maridos de meninas". Criam, em suas esposas, uma dicotomia pós-moderna em que o Robert Young do seriado Papai Sabe Tudo (Father Knows Best), clássico estadunidense da TV dos anos 1950, encontra as "garôtas" (com circunflexo) de Alceu Pena, então sucesso de O Cruzeiro.
ENTENDER O PASSADO NÃO É PARA QUALQUER UM
Entender o passado não é impossível e pode alguém compreender com admirável fluência o que ocorreu décadas antes de seu nascimento. Mas isso não é uma questão de ser granfino, culto ou grisalho, mas fruto de uma busca e uma identificação natural com a busca do conhecimento, algo que sucessos em escritórios e consultórios não garantem.
Não é qualquer pessoa que tenha o faro de um Ruy Castro, nascido em 1948 mas fluente nos tempos 10 ou 20 anos anteriores ao seu nascimento, ou de um Umberto Eco especializado em Idade Média. Por outro lado, é forçar a barra acreditar que, só por ser empresário, médico ou economista de nome, tem em suas mãos os segredos de tempos que lhes são 20 ou 30 anos mais antigos.
Por isso mesmo, seria talvez mais cômodo que tais homens de 60 anos, se quiserem compreender o passado, apostarem na escolha mais segura, mas menos glamourosa, de tentar conhecer melhor a década de 80, enxergando o que viviam, acreditavam e curtiam os seus contemporâneos que estavam fora dos cursos de pós-graduação e dos ambientes corporativos e de liderança profissional.
Parece menos charmoso e até um tanto incômodo à primeira vista um homem de 60 anos, de razoável experiência profissional, ter que trocar as audições apressadas e pedantes de jazz, sem saber a diferença exata entre swing (jazz dançante) e o bebop (jazz instrumental sofisticado) e música clássica para audições mais atentas, por exemplo, do Rock Brasil.
A solução para esses homens é procurar recuperar a jovialidade, pensar no seu prazer na vida, irem a eventos mais joviais e não se preocuparem em passar para as pessoas uma erudição e uma sabedoria que nem eles próprios são capazes de compreender.
Talvez, para eles, o que importa não é forçar num aprimoramento cultural apenas para agradar patrões mais velhos e entrar no clube dos "maduros". Hoje a meia-idade é mais uma questão de reinventar modos de vida do que transmitir teorias de "maturidade vital". Deve-se aproveitar os contextos novos e não se reduzirem a plágios mornos dos idosos de ontem.
Portanto, seria melhor viver a vida, ouvir canções mais joviais, alegres e descontraídas, recuperar prazeres perdidos de quando eles ainda começaram a investir em suas profissões. Rir alto, ouvir músicas agitadas, irem sozinhos a um festival de música jovem, sem depender da companhia de filhos adolescentes, arejar as mentes.
A velhice precisará mais de mentes arejadas do que mentes descansadas, até porque forçar a barra com uma sabedoria e uma experiência feitas para impressionar os mais velhos não tornarão os homens de 60 anos psicologicamente mais relaxados, podendo até sobrecarregar demais as mentes e piorar as coisas.
Por isso é preciso viver a vida com mais prazer, descontração e menos formalidades, e aprender e transmitir o que se sabe, em vez de ensinar e entender o que não se sabe.
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