O desgaste do governo Jair Bolsonaro é imenso, mas o presidente extremo-direitista tenta mexer as peças.
Depois de trocar quatro integrantes da Comissão da Verdade na esperança de transformá-la na Comissão da Mentira, foi a vez da exoneração de Ricardo Galvão, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Ricardo Galvão havia reafirmado pesquisas sobre desmatamento que desagradaram Bolsonaro e seu ministro do meio ambiente, Ricardo Salles.
É mais uma baixa preocupante. Galvão é físico e atuava no INPE com profundo e absoluto respeito aos objetivos meramente técnicos da instituição.
Enquanto isso, o desgaste de Deltan Dallagnol, principal procurador da Operação Lava Jato, o colocou quase a perder.
Quase, porque a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, negou pedido do Supremo Tribunal Federal de afastar Deltan de suas funções.
A direita que assaltou o poder em 2016 tenta fazer o mesmo com o governo Jair Bolsonaro do que fez com o governo Michel Temer.
O temeroso governante saiu esnobando daqueles que gritaram "Fora Temer".
As esquerdas perderam o protagonismo de bobeira.
Se iludiram acolhendo paradigmas culturais de centro-direita, achando que eram valores inerentes ao progressismo sócio-cultural.
Acharam que funqueiros iriam trazer a cultura libertária através de seu rigor estético voltado ao mau gosto e da combinação do consumismo com a glamourização da pobreza e da ignorância.
Acharam que "médiuns espíritas" iriam trazer a paz mundial por meio da literatura fake e de uma caridade fajuta que só serve para promovê-los em detrimento dos mais necessitados.
Acharam que jogadores de futebol brasileiros ricos iriam mandar cartão vermelho para o neoliberalismo e levar o grito socialista para as arquibancadas.
Acharam que mulheres siliconadas que ostentam demais seus corpos objetificados iriam trazer a revolução feminista para o nosso país.
Achavam que velhos ídolos bregas reacionários simbolizavam, com seu vitimismo, a guevarização da cultura popular brasileira.
As esquerdas achavam que esses entes, patrocinados pela mídia venal, iriam trazer o socialismo por uma questão do raiar do Sol.
Se enganaram, porque eram paradigmas de centro-direita, voltados a uma simbologia conservadora que permitiu o golpe político de 2016.
Agora, as esquerdas ficam num grande impasse.
Como elas irão recuperar o protagonismo? Até que ponto podem obter alianças ou em que limites elas poderão ser feitas, mesmo dentro da necessidade de furar a bolha e negociar com não-esquerdistas?
Fora das esquerdas, temos gente como Reinaldo Azevedo deixando de cometer seus conhecidos erros e passando até a cometer acertos.
O xadrez político, cultural e ideológico torna-se mais complexo.
Mas as esquerdas precisam ter muito discernimento e muita, muita cautela.
Elas podem obter alianças fora do espectro esquerdista, conforme a necessidade da situação.
Mas daí a ver em qualquer um que bajule as esquerdas como um esquerdista em potencial é muito perigoso.
Situações como usar o pensamento desejoso para "mudar o pensamento" de um "médium de peruca" falecido desde 2002 são surreais e muito traiçoeiras.
O "médium de peruca" era reacionário até a medula mas seus seguidores tentam moldá-lo como um pretenso esquerdista através de falácias persistentes e desesperadas.
As esquerdas não podem cair nessa armadilha, idealizando fenômenos do conservadorismo cultural, religioso e esportivo que estão associados a uma suposta alegria do povo pobre.
É necessário um pouco de desconfiômetro. Em muitas situações, o pobre que parece sorrir é porque foi manipulado e enganado por oportunistas de plantão.
E certos conservadores que tentam cortejar as esquerdas com entusiasmo além da conta são perigosos usurpadores por trás de pretensos aliados das forças progressistas.
As esquerdas deveriam agir como aquela pessoa que desconfia de um estranho que acabou de conhecer e que, com entusiasmo exagerado, quer conhecer a casa o mais rápido possível.
As esquerdas não podem ver como um grande aliado um "alienígena" que lhe acolha com muita euforia.
O melhor aliado não é aquele que parte para o abraço no primeiro encontro ou que fica exaltando e concordando automaticamente com o que as esquerdas fazem ou pensam.
O melhor aliado é aquele que dá o apoio, ainda que discreto, nos momentos mais difíceis.
"Médiuns", funqueiros, cafonas, siliconadas etc só recorrem às esquerdas ou a elas se associam dentro dos limites da conveniência de interesses.
Na ocasião mais decisiva, eles abandonam as forças progressistas, e não raro as apunhalam pelas costas.
E foi dessa forma que as esquerdas perderam o protagonismo, confiando no "pacifismo dos médiuns" e na "liberdade dos funqueiros".
Devemos, sim, superar a polarização, mas com cuidado, porque mesmo no processo de combate à polarização existem muitos oportunistas.
Eles são os conservadores traiçoeiros que, num momento, se consideram "progressistas" ou "esquerdistas", mas em outro se dizem "nem de esquerda nem de direita". Esse discreto viracasaquismo é muito estranho.
Isso porque os pretensos aliados dos progressistas adotam isso conforme as circunstâncias, para entrar nos movimentos de esquerda pela porta dos fundos.
Se mascaram de "esquerdistas" numa vez, e de "isentos" noutra, sem despertar desconfiança.
Afinal, se eles fossem progressistas mesmo, seriam assim considerados, em vez de, em dadas ocasiões, usarem a máscara da neutralidade.
As esquerdas devem perceber que o critério do apoio aos movimentos progressistas não está em exibir pobres aparentemente felizes ou em apostar em supostas liberdades identitárias que nem de longe ameaçam os interesses dos barões da mídia.
Seria doloroso, mesmo para os esquerdistas, sair de zonas de conforto de posições tomadas há cerca de dez anos. Mas isso é urgente.
Seria necessário, portanto, novas estratégias de observação em como estabelecer alianças com as pessoas certas e não cair na armadilha de oportunistas que se fantasiam de "amigos da causa".
Com essa mudança de atitude, pode ser que as forças progressistas possam se recuperar, obtendo os apoios e as alianças certos, vindos de gente que pode apoiar as causas em jogo, ou mesmo parte delas, de maneira sincera e despretensiosa.
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