2005 foi o ano em que a intelectualidade "bacana" foi fazer trabalho free lancer para os barões da mídia.
Com uns mantendo, outros planejando sair e outros fora da mídia hegemônica, eles usavam as tendências musicais "populares demais" (brega-popularesco) para fazer proselitismo na mídia de esquerda.
A armação, que pegou as esquerdas desprevenidas e derrubou as versões impressas de Caros Amigos e Fórum, tinha dois objetivos.
Um é, usando tendências comerciais tidas como "populares" pela mídia hegemônica para enfraquecer as classes populares reduzindo a cultura popular a formas caricaturais e meramente mercantilistas.
Outro é usar os ídolos "populares demais" para abocanhar as verbas estatais da Lei Rouanet, atraindo a mídia direitista para lançar sua discurseira moralista contra o parasitismo estatal.
Havia pregadores diversos.
O livro Eu Não Sou Cachorro, Não, de Paulo César de Araújo, queridinho da mídia venal, era considerado "bíblia" pela intelectualidade "bacana".
Pedro Alexandre Sanches ainda tinha como patrão-colega Otávio Frias Filho, antes do ambicioso crítico musical virar "embaixador da Folha de São Paulo" nos periódicos de esquerda.
O cineasta Breno Silveira, que na MTV Brasil não era especializado em breguices mas em pop-rock nacional, lançou Os Dois Filhos de Francisco, biografia dramatizada da dupla Zezé di Camargo & Luciano.
Bem antes de Zezé se revelar um direitista ranzinza, apoiador de Aécio e responsável por comentários indelicados sobre a ditadura militar e a morte de Marielle Franco (ele questionou a comoção popular em favor da vereadora), ele era queridinho das esquerdas fashion.
Havia um proselitismo para empurrar Zezé di Camargo & Luciano para as esquerdas, com aquela conversa "ninguém é obrigado a gostar, mas a aceitar a dupla". Os irmãos tiveram seus quinze minutos de fama gravando com artistas de MPB e aparecendo ao lado de intelectuais de esquerda.
Saída da mesma Rede Brasil Sul (RBS) que projetou Augusto Nunes, a cineasta Denise Garcia lançou o documentário Sou Feia Mas Tô Na Moda, apostando no mito da "periferia legal" ou na "pobreza linda" através do foco de intérpretes femininas do "funk".
O "funk" se preparava para ser empurrado goela abaixo, como chá de losna na boca de criança, nas agendas das esquerdas.
No entanto, o "funk" havia passado por uma bem-sucedida parceria com as Organizações Globo, num casamento feliz (que existe até hoje) no qual o estilo aparecia em tudo quanto era atração ou veículo controlado pelos irmãos Marinho.
Em 2005, José Padilha tinha uma atuação mais discreta. Ele estava envolvido em documentários aparentemente corretos, com temáticas sociais voltadas ao povo pobre.
Em 2007, com o prolongamento do proselitismo midiático do "popular demais", incluindo um proselitismo insistente na mídia de esquerda, José Padilha passou a adotar um discurso voltado ao moralismo direitista.
Lançando o policialesco Tropa de Elite, Padilha, que participou da fundação do Instituto Millenium (clube de intelectuais direitistas ligados à mídia oligárquica), ele redescobriu o "funk de raiz".
Ele deu um empurrãozinho para a fundação da APAFUNK, Associação de Profissionais e Amigos do Funk, instituição suspeita de receber verbas de George Soros e da Fundação Ford.
Padilha colocou na trilha-sonora do filme a música "Rap das Armas", esquecido sucesso de "funk de raiz" de MC Júnior & MC Leonardo.
MC Leonardo, então, foi apadrinhado pela antropóloga Adriana Facina (braço-direito de Hermano Vianna, o que significa que ela é ligada ao grupo intelectual apadrinhado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso) e virou presidente da APAFUNK.
Com isso, se reforçou o lado "politizado" do "funk", com um suposto marxismo que parece um arremedo bolado em Washington, e que se tornou a pauta das temáticas "criminais" que dominaram o Brasil.
Nessa época, Lula era alvo de supostas investigações do "escândalo do mensalão", e o "popular demais" era uma cortina de fumaça para distrair as classes populares com o papo do suposto engajamento da "cultura do mau gosto".
Distraindo as classes populares, iniciava-se o discurso de desconstrução da popularidade de Lula, embora sob o aparato de uma intelectualidade "solidária" a ele, mas composta de membros da intelectualidade orgânica vinda da mídia hegemônica.
Durante anos, esse discurso todo colou e a intelectualidade "bacana" conseguiu enganar com sua falsa solidariedade ao esquerdismo, que persiste, em parte, até hoje.
E José Padilha chegou a receber, de setores das esquerdas, uma certa complacência, para não dizer admiração.
É porque as pautas sobre os problemas da violência nas favelas se tornaram difusas e, portanto, bastante confusas.
Padilha era confundido com um esquerdista, sendo tratado como um "esquerdista que surtou".
Mas Padilha foi um dos fundadores do Instituto Millenium, o clube de intelectuais de direita que serviu de inspiração para o Movimento Brasil Livre (ou Movimento Me Livre do Brasil).
O MBL é considerado, aliás, o "Instituto Millenium com fraldas".
A pauta sobre a violência só começou a ser destrinchada diante de episódios como a intervenção militar nas favelas cariocas ou o abuso da violência policial que matou pobres inocentes.
Até lá, até mesmo uma personagem glamourizada como Bibi Perigosa seria tida como "empoderada" pelas esquerdas médias, se ela tivesse sido lançada em 2005.
Bibi Perigosa foi interpretada pela mesma Juliana Paes que apoiou Aécio Neves em 2014, participou dos protestos contra Dilma Rousseff e integra a comissão de "coxinhas famosos" que sonha com a prisão do ex-presidente Lula.
E vemos José Padilha na sua recente empreitada, O Mecanismo, seriado do canal de streaming Netflix, baseado na Operação Lava Jato.
Que José Padilha afirmou ser admirador de Sérgio Moro e que faria uma produção, como co-roteirista, sob o ponto de vista favorável à operação, já esperávamos que fosse.
A propósito, Padilha e Moro fazem aniversário no mesmo dia, 01º de agosto. Têm diferença etária de cinco anos, tendo o cineasta nascido em 1967 e o juiz paranaense, em 1972.
O que não se esperava era que o seriado fosse apelar demais, investindo em fake news com tamanha grosseria contra Lula e Dilma Rousseff.
Falou-se em desonestidade intelectual de José Padilha, ou seja, o fato dele aproveitar a criação de um seriado de televisão para espalhar mentiras.
Um dos momentos mais constrangedores foi usar um ator que interpreta o personagem do ex-presidente Lula para dizer uma expressão lançada por Romero Jucá: "estancar a sangria".
A expressão veio de um telefonema de Jucá com o ex-senador Sérgio Machado, que traçava os planos do golpe político de 2016, poucos meses antes do impeachment que tirou Dilma do poder.
Padilha achou "bobagem" discutir o assunto e se enrolou ao tentar explicar o seriado.
Ele disse que o seriado era "ficção" e "dramatização", embora oficialmente O Mecanismo se anuncie "baseado em fatos reais".
O "engajado" cineasta alegou que "estancar a sangria" é uma gíria comum, como se quisesse fugir das acusações de comparar Romero Jucá com o ex-presidente Lula.
O co-roteirista Anthony McCarten disse que "não distorceu nem desfigurou" informação alguma e que apenas "preencheu responsavelmente" os "buracos" da narrativa.
O problema é que os "buracos" foram preenchidos de forma irresponsável, direcionando a narrativa para um anti-petismo em níveis meramente panfletários e intolerantes.
O Antagonista, portal fascista comandado por Diogo Mainardi e Mário Sabino (que chegou a ser definido pela Veja como o "novo Machado de Assis" (?!)) adorou o filme e adorou ainda mais ao saber que Dilma detestou o seriado, por razões óbvias.
Já existe um movimento organizado para boicotar O Mecanismo na Internet.
Ele mancha a reputação do canal Netflix, que surgiu como alternativa para a decadência das TVs por assinatura, cada vez mais voltadas à mesmice e niveladas ao padrão rasteiro da TV aberta.
O Mecanismo tenta realimentar a narrativa golpista de Polícia Federal - A Lei é Para Todos (sic), longa-metragem também inspirado na Operação Lava Jato.
O golpismo político pode seguir em frente, talvez tentando inverter o famoso ditado "Os cães ladram, mas a caravana passa".
A turnê do ex-presidente Lula pelos Estados da Região Sul revelou o inverso: "A caravana passa, mas os cães ladram, mordem e atiram pedras".
A impopularidade do golpismo político de 2016 é notória. E vai ter curso sobre o golpe de 2016 na Sorbonne, na França, para desespero de Fernando Henrique Cardoso e dos remanescentes da Escola Superior de Guerra dos períodos golpistas e ditatoriais.
O problema é que os golpistas não sabem o que é povo brasileiro. E mandam a polícia eliminar pobres inocentes pensando que são criminosos. Lamentável.
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