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CONFLITOS ENTRE AS ESQUERDAS E OS PUXADORES DE TAPETES


O fato recente do Duplo Expresso e seu "documento bombástico" com estranhas marcas d'água mostra os conflitos internos existentes nas esquerdas.

Evidentemente, surge a preocupação de resolver divergências e retomar a união, ainda mais com o alto risco do ex-presidente Lula ser preso.

Unir é necessário, mas sempre temos que tomar cautela. Afinal, quem realmente é nosso aliado?

Há muita gente que aparece como "boa esquerdista", paga chope para os amigos, oferece a visibilidade necessária, até o momento em que vai puxar o tapete.

Há quem pareça "solidário em tudo": quer ver Lula de volta à presidência, odeia a Rede Globo, esculhamba Sérgio Moro, grita "Fora Temer" e define o PSDB como partido decadente.

Mas, por baixo dos panos, insere causas e procedimentos estranhos aqui e ali.

Na Cultura, prega a bregalização, transformando o povo pobre em caricatura de si mesmo porque é melhor pobre dançar o "funk" do que pedir reforma agrária.

Na Economia, cria desordens internas que, entre outras coisas, acabam pondo em risco a nossa soberania, oferecendo nosso patrimônio a empresas estrangeiras.

Na Educação criam conflitos que permitem que universidades públicas mais uma vez sejam ameaçadas de privatização.

O inimigo interno é uma novidade no Brasil. A forma com que ele se chega a muitas pessoas é tão habilidosa que o nível de desconfiança chega a ser o menor possível, para não dizer nulo.

Eu já larguei a religião do Espiritismo porque muitas pessoas informaram sobre essa realidade.

A religião fundada por Allan Kardec foi empastelada no Brasil, com seu conteúdo original substituído por devaneios católicos medievais.

Isso causou uma série de crises e já levou um "médium" aos tribunais, em 1944, por causa das obras fake que usavam o nome de Humberto de Campos.

Mas, assim como hoje, a Justiça é seletiva, e o tal "médium" foi posto na impunidade e hoje ele é "santificado" por uma grande legião de incautos.

Graças a esse sujeito, o Espiritismo no Brasil fugiu completamente da essência do original francês e virou um engodo religioso de falsas mediunidades e conservadorismo moral e religioso.

As crises provocadas com isso, quando os fiéis seguidores de Kardec reagiram com indignação, chegaram ao auge nos anos 1970 e a solução da conciliação foi a pior possível.

Naquela época se optou pela união, mas da forma bastante equivocada.

Uniram-se os espíritas genuínos com os traidores de Kardec que, prometendo resgatar os ensinamentos do Espiritismo francês, vestiram a máscara de "kardecistas autênticos".

Foi nessa época que os dois "médiuns" mais famosos, o que foi julgado em 1944 e outro que expressou homofobia recentemente, viveram seus momentos áureos, ganhando inclusive a blindagem da Rede Globo.

Os genuínos adeptos da Doutrina Espírita acharam que a conciliação era possível e, confundindo perdão com permissividade, aceitaram a atuação dos traidores que prometeram "se corrigir".

Nada foi corrigido e a traição cresceu ainda mais, e o Espiritismo virou uma confusão doutrinária, onde conceitos originais e outros empastelados se misturaram, contradizendo entre si.

"Médiuns" farsantes passaram a fazer palestras, vejam só, sobre "como reconhecer um falso médium".

Obras fake eram publicadas em quantidades industriais, ofendendo as memórias dos mortos, mesmo quando as mensagens envolvem supostos ensinamentos cristãos.

Isso mostra o quanto temos que tomar muito cuidado com a necessidade de união.

Os conflitos e crises recentes, nas esquerdas, se deram quando um aparente aliado, Romulus Maia, passou a atacar as esquerdas, dos blogues progressistas a parlamentares de coragem e atuação como Paulo Pimenta e Wadih Damous.

Não se trata de gente como Marta Suplicy ou Fernando Gabeira, antes um eminente símbolo das esquerdas que ultimamente andou apoiando o MBL e a intervenção militar.

Se trata de gente que "é amiga mesmo" mas que insere nas veias das esquerdas ideias e procedimentos estranhos.

Quem não se lembra de Pedro Alexandre Sanches esculhambando Chico Buarque, chamando-o de "coronel da Fazenda Modelo"?

O farofafeiro, que nunca apresentou uma ideia própria de esquerda e vivia papagaiando os esquerdismos dos outros, agora tenta ganhar as esquerdas para si entrevistando pesos-pesados da MPB autêntica, como Aldir Blanc e Egberto Gismonti.

E isso depois de empurrar para as Viradas Culturais patrocinadas pelo PT ídolos bregas dos anos 1970 e 1990 patrocinados pela mídia venal e pelas grandes gravadoras.

O "bom esquerdista" Pedro Sanches tanto fez pela bregalização que ele acabou abrindo o microfone para gente reacionária como Rodrigo Constantino, Reinaldo Azevedo e outros.

Sanches, com aquele papo de empurrar a bregalização nas esquerdas, deixou os esquerdistas em situação vexatória no que se diz à pauta cultural e transformou inexpressivos jornalistas reaças em pretensos paladinos da "cultura popular de verdade", estes que nunca ligaram para o povo pobre.

Daí o aspecto surreal, em níveis buñuelianos: esquerdistas defendendo coisas caricatas como MC Créu e direitistas hidrófobos e reacionários defendendo Cartola e Jackson do Pandeiro como a verdadeira cultura do povo pobre.

Ou de lançar bregas emergentes como falso guevarismo musical e que, duas semanas depois, apareceriam nas capas de Veja e Caras e nas telas da Rede Globo.

Evidentemente, a busca por visibilidade e protagonismo desnorteia as esquerdas.

Elas ficam surdas em muitos momentos, pois setores das próprias esquerdas adotam posturas estranhas à pauta progressista.

E não se trata de um ponto de vista mais inflexível. Mesmo considerando divergências e aspectos mais flexíveis, essas posturas ainda assim se consideram estranhas.

Como, por exemplo, definir como "feminismo" a moda das mulheres "turbinadas", usando como desculpa para esse recreio, fundamentalmente machista, das mulheres-objeto o pretexto da "liberdade do corpo".

Esse falso empoderamento prevaleceu durante anos nas pautas das feministas de esquerda, antes que episódios como estupros coletivos, assédios violentos etc chamassem a atenção para o problema.

Aqui durante muito tempo as esquerdas acharam a prostituição o máximo, e, sob a desculpa de defenderem o lado humano das prostitutas, preferiram defender a prostituição e condenar as prostitutas.

As prostitutas acabaram sendo escravas da própria prostituição, sob a desculpa de que isso era "libertário".

E aí isso criava um contraste. Enquanto no Brasil, em que as periferias são transformadas em Disneylândias dos subúrbios, em Miamis pseudo-cubanas, a prostituição era vista como um "paraíso de empoderamento e emancipação", lá fora o que se via era tragédia.

Eu mesmo li relatos de prostitutas estrangeiras que viveram o pesadelo da violência de seus fregueses e cafetões, e de como o ofício trouxe mais traumas do que orgulho ou emancipação.

No Brasil, havia aquela fantasia: imagina-se que as prostitutas só teriam chefes mulheres, as cafetinas, e que elas chutariam os homens no menor sinal de agressão.

Quanta ingenuidade. E essa fantasia toda é difundida por gente que se diz instruída e acumula diplomas de pós-graduação.

O "funk" também é outro problema. As esquerdas sentem no "funk" uma espécie de "paixão não-correspondida".

É aquela história que se vê nas comédias estudantis: o nerd que se apaixona pela garota mais linda da escola e ela não dá bola para ele.

Aí a garota pede para o nerd lavar o automóvel que ela diz ser do pai dela e ele pensa que ela está apaixonada por ele.

Mas ela depois revela que o automóvel é do namorado dela e que ele vai usar o carro para levá-la ao baile da noite seguinte.

O "funk" nunca foi de esquerda. Seu discurso "libertário" foi construído numa combinação de muita falácia, muitas meias-verdades, muito wishful thinking, muito etnocentrismo e doses imensas de puro marketing.

O bom observador sabe que o "funk", antes de ser empurrado para as esquerdas, marcou presença em tudo quanto era veículo das Organizações Globo.

Era uma aparição totalitária: era "funk" da novela das nove ao canal Futura, incluindo até personagens criados por encomenda para o já anti-petista Casseta & Planeta.

A ideia era botar na mente do espectador médio da Globo que o "funk" estava por "todos os lados", desde os núcleos suburbanos das novelas das nove até os eventos de moda que viravam notícia na revista da corporação dos Marinho, a Quem Acontece.

Até a comédia Sob Nova Direção era aconselhada a promover o "funk" como "música para trintões".

A presença do "funk" na Globo não era um enfrentamento por parte do "funk" nos espaços da grande mídia, nem uma apropriação da Globo do sucesso de um ritmo.

Da forma como foi feita, a aliança foi clara, mesmo. Para desespero das esquerdas, traídas pelo apelo populista dos funqueiros.

Pediu-se para as esquerdas se unirem pelo "funk", sob a desculpa de ser a "última palavra em rebelião popular".

Mas o "funk" trabalhava as classes populares de uma forma um tanto perniciosa.

Glamourizava a pobreza, a ignorância e o caráter grotesco das classes populares. Falando em "ruptura do preconceito", o "funk" foi o que mais estimulou a imagem preconceituosa e pejorativa das classes pobres diante das elites.

O "funk" também colocava o consumismo acima da cidadania. E, no discurso, herdou a retórica pseudo-esquerdista que Cabo Anselmo pregou há 55 anos.

O "funk" chegou até a ir longe nas traições à esquerda do que Cabo Anselmo, da maneira explícita e com provas.

Mas aí baixa o "espírito de Sérgio Moro" em certos setores das esquerdas e elas acabam chamando os funqueiros para se mobilizar ao lado delas, acreditando na busca de maior visibilidade.

Eu já dei exemplos dessas traições: o DJ Rômulo Costa, da Furacão 2000, que atuou na passeata de Copacabana em 2016, tem relações com profissionais da Rede Globo e políticos cariocas interessados na queda da presidenta Dilma Rousseff.

Ou seja, Rômulo Costa, que nunca foi esquerdista um segundo sequer, estava na verdade a serviço dos artífices do golpe, procurando sobrepôr o barulho do "funk" naqueles últimos apelos antes da votação da abertura do impeachment.

Outro exemplo foi a Liga do Funk, comandada por Bruno Ramos.

Conforme descrevi antes, a Liga do Funk participou de uma passeata contra a Rede Globo, em São Paulo, em março de 2016.

Quatro meses depois, a mesma Liga do Funk, ao lado da equipe do canal de "funk" Kondzilla, exibido no YouTube, foi gravar reportagem para o Fantástico da mesma Rede Globo.

Notem os contextos: a manifestação anti-Globo (acusada de incitar o povo a pedir "Fora Dilma") contou com a participação de uma organização de funqueiros. Dilma ainda estava no governo.

Pouco tempo depois, eles mesmos aceitaram participar de um programa da Rede Globo, o Fantástico, que exibiu a gravação em outubro daquele mesmo ano de 2016. Dilma já havia sido expulsa do poder em definitivo, no fim de agosto.

Vale lembrar que o Fantástico é um jornalístico, portanto, sob "jurisdição" de Ali Kamel, e que havia também atuado nas "denúncias de corrupção" atribuídas tendenciosamente ao PT.

É esse jogo duplo que se deve levar em conta quando se pensa em unir as esquerdas.

O inimigo interno muitas vezes é um falso amigo que mantém o tempo todo o seu teatro de pretensa solidariedade e demora muito tempo a desembarcar.

A lição que os espíritas, no Brasil, têm dessa utopia da conciliação fácil - interpretando mal sua crença no que chamam de "perdoar os inimigos" - , teve seu desfecho mês passado.

Um "médium" que se ascendeu há mais de 40 anos, beneficiado por uma solução conciliatória, e que durante anos vendeu a falsa imagem de "pacifista, filantropo e humanista", resolveu mostrar sua verdadeira face.

Fez comentários rancorosos contra o marxismo, o PT e a ideologia de gênero e exaltou figuras como Sérgio Moro, definido desejosamente pelo "médium" como "presidente da República de Curitiba".

Como se o "médium" quisesse que Moro governasse o país.

O tal "médium" sempre foi assim, reacionário, mas durante muito tempo as esquerdas espíritas estavam complacentes com ele, por causa da fachada da "caridade", embora até esta tenha sido descrita como "condenável" pelo insuspeito jornalista José Herculano Pires.

Afinal, essa "caridade" nunca trouxe grandes resultados para os mais necessitados, embora, em contrapartida, rendesse mais publicidade, promoção pessoal e prêmios para o suposto filantropo.

O Brasil é um país conservador e mesmo as esquerdas progressistas ainda possuem resíduos desse conservadorismo. É herança da educação paternal, religiosa e escolar que tivemos.

Hoje problemas desafiam até mesmo a hipótese de união das esquerdas, afinal, embora ela seja necessária, mesmo assim ela deve ser tratada com muita cautela.

A questão de tomarmos cuidado com os inimigos internos é algo que não deve ser ignorado a pretexto de esquecermos as divergências.

Porque existe uma grande diferença entre pessoas que divergem de forma saudável e os inimigos internos que possuem divergências ameaçadoras, mas que fingem concordar com tudo e todos.

Da maneira como ocorre no Brasil, as esquerdas precisam agir como carneiros que precisam discernir a ovelha negra de um coiote.

A situação é muito mais complexa do que ver um Fernando Gabeira, símbolo das esquerdas e da luta contra a ditadura militar, estar entrosado com o golpismo político.

Afinal, até que ponto podemos acreditar num antigo ex-político da ARENA, o baiano Mário Kertèsz, que como dublê de radiojornalista, "astro-rei" da Rádio Metrópole FM, quer forjar protagonismo nacional entrevistando o ex-presidente Lula?

Kertèsz é um sujeito que havia sido desmascarado pelo meu ex-professor na UFBA, o ativista negro Fernando Conceição, em trabalhos de jornalismo investigativo.

Ex-prefeito de Salvador, Kertèsz havia se tornado um usurpador das esquerdas na capital baiana.

Salvador é um dos redutos de forças progressistas, se contrapondo com redutos de gente mais reacionária que são Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre.

São Paulo e Porto Alegre ainda têm movimentos esquerdistas fortes, embora minoritários. O Rio de Janeiro, bem menos, embora seja ainda mais superestimado como se a esquerda fosse maioria no Estado.

Daí que, em Salvador, Kertèsz sempre se empenhou em usar os movimentos sociais para vincular à sua imagem, ele que é um sujeito no íntimo reacionário, machista, elitista, privatista e neoliberal. Ele age como se ele se achasse "dono" das esquerdas na Bahia.

Será que as esquerdas baianas, em troca de visibilidade, teriam que aceitar o apoio tendencioso da Rádio Metrópole, que pertence a uma parcela da grande mídia que, como a Isto É, Band e Folha, parecem "mais imparciais" mas sofreram surtos reacionários dos mais chocantes?

Ou será que devemos lutar por uma mídia alternativa própria? A TV 247, o canal de O Cafezinho e Conversa Afiada, são suficientes num contexto em que até a EBC está nas mãos dos golpistas?

É preciso um debate e, mais do que a união entre pessoas realmente solidárias, devemos ficar vigilantes porque os inimigos internos estão aí, exagerando no afeto, nos abraços e comprando nossa credulidade vendendo visibilidade ou rodadas de cerveja.

Isso porque a atuação de inimigos internos sempre irá influenciar nos conflitos internos nas esquerdas.

Querer abafar as divergências no sentido de manter as raposas no galinheiro a pretexto de uma suposta solidariedade é sempre um risco, por mais que haja uma estabilidade forçada.

Essa estabilidade forçada sempre explode em divergências aqui e ali, porque o inimigo interno representa não uma diferença pontual de abordagem ou ponto de vista, mas uma diferença comprometedora para os interesses progressistas, por mais diversos que sejam.

Quantos agentes dos barões da mídia, dos latifundiários, das multinacionais, dos rentistas e outros grupos elitistas e reacionários vestem a capa de "sinceros adeptos do esquerdismo"?

Eles não devem ser confundidos com direitistas ou centristas arrependidos que passam a ingressar na causa esquerdista por uma sincera identificação pessoal e ideológica.

Daí o problema. Os conflitos nas esquerdas só serão resolvidos quando se perceberem a que nível se encontram as divergências.

As soluções devem ser tomadas para que não se afastem do apoio pessoas com divergências pequenas enquanto se acolhem os inimigos internos a puxarem o tapete no momento decisivo.

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