Há exatos seis anos eu abandonei a chamada "religião espírita" e não tenho o menor interesse em voltar atrás.
Ninguém vai me ver indo a uma instituição do tipo para voltar, feito um bebê chorão, aos braços dessa doutrina que há muitíssimo tempo rasgou os ensinamentos originais da matriz francesa.
O que me chama a atenção é que essa dita "religião do amor", esse "espiritismo de novela da Globo" que ainda seduz muita gente ingênua, sempre se sintoniza com contextos onde há o ódio e a violência.
E não se trata da "sintonia" do médico aos enfermos, porque em nenhum momento a "intervenção espírita" significou melhoria e nem mesmo algum interesse ou esforço de melhoria.
Isso se explica por um fato que poucas pessoas, pouquíssimas, percebem: a desinformação com o que se fez com o legado do professor Leon Hippolyte Denizard Rivail, famoso pedagogo francês que adotou o pseudônimo de Allan Kardec.
No Brasil, o que se fez com esse legado foi abolir os conceitos lógicos e substitui-los por velhos valores católicos que vieram do período jesuíta do século XVI e tinham essência medieval.
Os críticos desse processo definem essa gravíssima traição doutrinária como "deturpação".
A situação é extremamente vergonhosa e quase nenhum brasileiro sabe o quanto essa religião se rebaixou a tanta desonestidade doutrinária, a tanta traição e a tanta falsidade intelectual.
Produz-se obras fake usando nomes de mortos, os quais o mais famoso, envolvendo o hoje esquecido escritor Humberto de Campos, rendeu até em processo judicial que resultou na impunidade.
O responsável pela apropriação foi um "médium" muitíssimo conhecido e, infelizmente, muitíssimo adorado a ponto de muita gente o definir como "espírito de luz".
Mas, observando com atenção a trajetória deste sujeito, que não mediu escrúpulos em trair, com gosto, os ensinamentos originais de Kardec, esse "médium" era uma síntese das espertezas que hoje vemos em Aécio Neves e Luciano Huck.
De Aécio, de quem era conterrâneo, o "médium" é comparado pelo arrivismo e pela forma espertalhona de passar por cima de escândalos e processos criminais, e pela blindagem que o figurão religioso, falecido após o "penta", recebe da Rede Globo de Televisão.
De Luciano Huck, o "médium" também é comparado pela astúcia de passar por cima de escândalos, mas a ênfase se volta para a suposta caridade, mais um espetáculo que mais produz adoração e sensacionalismo do que resultados sociais concretos.
A "caridade" é usada como escudo para que os tais "médiuns espíritas", que causam estranheza pelo culto à personalidade que os envolve, cometerem seus abusos e traições doutrinárias.
Só que é uma "caridade" que, relatam os espíritas autênticos, nunca produziu grandes melhorias sociais. Se produzissem, o Brasil não estaria na situação caótica de hoje.
E para quem acha que a comparação com Aécio e Huck é "mimimi", os dois, cada um em separado, visitaram o "médium" no final da vida e quem esteve perto garante que a visita rendeu não só os habituais elogios e gentilezas, mas muita, muita cumplicidade.
A sintonia dos ditos espíritas, no Brasil, com forças retrógradas e com o conservadorismo social, cultural e político, se dá porque a traição doutrinária abriu caminho para tantos retrocessos.
Há analistas que chegaram a comparar esse espiritismo empastelado com o "funk", por dois aspectos: ambos se autopromoveram às custas da antiga repressão policial e pela glamourização e domesticação da imagem do povo pobre.
Essa imagem adocicada do povo pobre pegou desprevenidos setores das esquerdas brasileiras, que durante anos atuaram em complacência a essa doutrina mentirosa e fraudulenta.
Mas a máscara caiu quando um outro "médium espírita", que costumava fazer turismo pelo mundo, como um Barão de Munchausen da fé religiosa, mostrou quem realmente era num evento em Goiânia.
Rompendo com os depoimentos melífluos e a oratória dramatizada que o consagraram, esse "médium", rabugento e ranzinza, despejou comentários rancorosos contra o PT, a ideologia de gênero e o marxismo.
O "médium", nascido na Bahia, também elogiou a Operação Lava Jato e a pessoa do juiz Sérgio Moro, apelidando-o, desejosamente, de "presidente da República de Curitiba". Em 2016, o "médium" ofendeu refugiados do Oriente Médio, atribuindo-lhes, sem provas, uma reencarnação como tiranos.
Espíritas autênticos chegaram a publicar uma moção de repúdio a esse "médium", tido como "humanista" e "líder pacifista", mas que expressou pontos de vista anti-humanitários.
Atualmente, uma revista sobre o "médium" baiano, cheia de mentiras apologéticas, está nas bancas. Antes um volume com o "médium" mineiro era publicado.
Aliás, a sintonia com os cenários retrógrados se dá em muitos aspectos.
O Rio Grande do Sul mostrou seu reacionarismo justamente depois que o "médium" passou a palestrar por suas cidades, inclusive Porto Alegre.
A sociedade gaúcha que diz "eu te amo" a esse "médium" é a mesma que, divertidamente, apedreja os ônibus da caravana do PT, sob os gritos de "não pode parar, não pode parar".
E o mercado editorial, marcado por revistas reacionárias? As revistas com "médiuns" coexistem com revistas sobre psicopatas e chefes nazi-fascistas, sem que representem um contraponto a eles.
Nas redes sociais, os "médiuns" são adorados pelos mesmos internautas que despejam mensagens de ódio em seus comentários e postagens.
E o que são as fake news diante de um contexto em que muitos definem como "verdadeiras" as obras fake supostamente ditadas pelos mortos?
Um falso Olavo Bilac que nem de longe lembra o original, com falhas de expressão poéticas das mais vergonhosas.
E um Humberto de Campos que parece outro na obra dita "espiritual".
O pior é que a editora que publica essas obras fake tem sempre um espaço cativo e grandiloquente nas bienais do livro, e exerce um lobby no mercado editorial (com ajuda da Globo) de tal forma que as obras originais de Humberto é que estão fora de catálogo.
A farra dos fakes do além, iniciada com um livro poético de 1932, é tal que, no reduto das fake news, as mídias sociais, novas obras fake atribuídas aos mortos continuam sendo produzidas.
Há até um novo "médium" que trouxe "novas" mensagens de intelectuais alemães que, no entanto, escrevem como se fossem youtubers.
Imagine uma Hannah Arendt escrevendo como se fosse uma sub-Larissa Manoela e defendendo uma patriotada em prol do Brasil como se fosse uma tiete do Galvão Bueno!
E muita gente acredita nessas fraudes só por causa das "mensagens positivas" e das "lições de vida".
O mais grave: segundo especialistas, o que muitos consideram a "maior caridade" do "médium" de Minas Gerais é uma perversidade na qual cartas fake atribuídas a mortos não-famosos seriam uma forma dele se promover às custas das tragédias familiares e alimentar o sensacionalismo da imprensa.
O que é tanta sintonia dos ditos espíritas, desse "espiritismo de novela" com os cenários do ódio, a ponto de elogiar as manifestações golpistas de 2016 até hoje?
Que "amor" devemos esperar dessa religião? Nenhum, a não ser o verbo AMORDAÇAR. Para uma religião que faz apologia ao sofrimento humano, recomendando para que aceitemos as desgraças em silêncio e sem reclamar, isso faz sentido.
Dessa religião, estou definitivamente fora.
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