Depois que se descobriu, entre tantos incidentes, que o "funk" é aliado da mídia hegemônica que diz se opor, nota-se muitas estranhezas sobre a narrativa "progressista" que se atribui oficialmente ao gênero.
A narrativa, por incrível que pareça, não se deu para valer quando uma Bia Abramo, filha de Perseu Abramo e "contaminada" pelos ranços da Folha de São Paulo, em 2001.
Aquilo foi um ensaio. Mas o artigo "O funk e a juventude pobre carioca" cometeu uma gafe grosseira.
Bia, diante do processo movido por profissionais de Enfermagem ofendidas pelas baixarias da siliconada "Enfermeira do Funk", preferiu agir contra as enfermeiras de verdade, em clara afronta contra os movimentos sociais.
Detalhe: a Enfermeira do Funk era empresariada por ninguém menos que Alexandre Frota, um dos maiores apoiadores do "funk", mas também um dos maiores militantes da queda do governo Dilma Rousseff e um dos artífices do golpe político de 2016.
É o mesmo ex-ator que andou divulgando a Escola Sem Partido, de Magno Malta e Miguel Najib, para o ministro da Educação do governo temeroso, José Mendonça Filho.
Apesar dessa gafe, o artigo não repercutiu e o "funk", para se projetar, tinha que fazer uma parceria da pesada com a mídia hegemônica, com ênfase no Grupo Folha e nas Organizações Globo.
Não foi uma questão de relação "enfrentamento" X "apropriação", que tanto se atribui à "conflituosa" (?) presença do "funk" nos espaços da grande mídia hegemônica.
Foi uma relação de cumplicidade, mesmo. A Globo daria visibilidade aos funqueiros e a Folha, um verniz mais "intelectual" e "ativista".
Consta-se que a imagem de "ativismo social, político e cultural" do "funk", aquele papo de "cultura das periferias" e coisa e tal, foi uma narrativa criada pelo Projeto Folha.
Aquelas falsas associações à Contracultura, ao punk, ao Modernismo, à Tropicália etc eram plantadas pelos jornalistas não-esquerdistas de Otávio Frias Filho.
Entre eles o hoje "de esquerda" Pedro Alexandre Sanches, queridinho da intelectualidade "bacana", por ser o maior ícone da mesma.
Isso foi em 2003. Já ocorria a debandada dos últimos jornalistas de esquerda que estavam na Folha. Marilene Felinto e José Arbex Jr. já haviam desembarcado do jornal.
Os que ficavam tinham um duplo serviço. Aliás, triplo. Esculhambavam o governo Lula, elogiavam o "funk" e isolavam o que restava de esquerdismo no caderno Mais!, que "morria" aos poucos.
No terreno "global", sabe-se que, em 2003, com Roberto Marinho doente, morrendo naquele ano, as Organizações Globo já eram controladas pelos seus três filhos.
Eles, para "oxigenar" a corporação veio com tudo: desde consolidar a "religião" do espiritismo, já desfigurado em relação ao original francês, até a glamourização da pobreza através do "funk".
E foi aí que o "funk" se propagou de vez, em tudo quanto era atração, em tudo quanto era veículo das Organizações Globo.
Com o Rômulo Costa tendo escolhido, com gosto, ninguém menos que Luciano Huck para ser o "embaixador do funk".
Huck é o "midas" moderno, que faz transformar em "jargão universal" uma gíria privativa de jovens riquinhos que frequentavam boates noturnas, a gíria "balada", associada à ideia de "vida noturna", gíria que, à maneira das roupas "Use Huck", tem origem sombria.
No caso, a gíria "balada" se originou da palavra "bala", eufemismo para comprimidos alucinógenos consumidos pela juventude clubber, precursora dos "coxinhas" atuais.
Mas a Globo também usou reforços para difundir o "funk".
Permitiu que o cineasta José Padilha (membro do Instituto Millenium e apoiador da Operação Lava Jato), com seu filme Tropa de Elite, o primeiro, ressuscitasse o sucesso "Rap das Armas", de MC Júnior & MC Leonardo.
O sucesso repercutiu de tal forma que Padilha praticamente "batizou" a APAFUNK (Associação de Amigos e Profissionais do Funk), com MC Leonardo tornando-se primeiro presidente.
A narrativa "social" do "funk" passava a trabalhar com clichês trazidos pelo mesmo discurso usado no evento Criança Esperança.
Era uma narrativa que só foi empurrada para a pauta esquerdista por prometer uma abordagem "mais positiva" das populações pobres.
Afinal, alguns aspectos do discurso conservador já eram facilmente observáveis na retórica funqueira.
A glamourização da pobreza, através do "orgulho de ser pobre", que de maneira distorcida "institucionalizava" as ações paliativas de sobrevivência do povo pobre.
Assim, sob a desculpa de defender prostitutas, favelados, camelôs, pirateiros etc, se defendia a prostituição, a favela, o subemprego e a pirataria em detrimento do povo pobre, que gostaria de sair dessas ações improvisadas e não depender mais delas.
A narrativa foi durante anos vinculada, de maneira equivocada, pelas forças progressistas, através das chamadas "esquerdas médias", conhecidas também como "esquerdas fashion" ou "esquerdas havaianas".
Ampliou-se a associação do "funk" ao esquerdismo, que no entanto aponta falhas aqui e ali.
Como na narrativa dos funqueiros em colocar o consumismo acima da cidadania, a espetacularização acima dos direitos humanos.
Era uma gororoba retórica, na qual as "musas" do gênero defendiam a imagem machista e hipersexualizada da mulher como suposto empoderamento.
Usava-se a hipersexualização sob a desculpa da "liberdade do corpo" e a imagem de mulher-objeto era trabalhada como um suposto jogo de "dominação" (?!) dos machistas.
O ufanismo das favelas também era estranho. Na prática, pedia-se para o povo pobre "não sair das favelas" e elas "nunca melhorassem".
Pedia, via "funk ostentação", que o povo pobre deixe de pedir saneamento, moradias dignas e melhores condições de vida para pedir carros de luxo e tênis importados.
A desculpa usada é a "inserção do povo pobre" nas novas conquistas econômicas do governo do PT.
Interpretação distorcida dos avanços sociais obtidos. O "funk" veio com a retórica de "nova classe média" que depois saiu derrubada por muitos analistas realmente de esquerda.
Há uma série de estranhezas na retórica "progressista" dos funqueiros, que até para alegarem "apoio" a Lula e Dilma Rousseff se comportam como se estivessem forçando a barra, misturando coitadismo com triunfalismo.
Primeiro, a que interesse tem em promover "feminismo" com mulheres-objetos ou em dizer que morar em casas irregulares e vulneráveis é "emancipação social" e colocar o consumismo vazio como sinônimo de "emancipação econômica" do povo pobre?
Segundo, não seria uma forma de o "funk" promover, à maneira de Cabo Anselmo com suas pautas "militares" no passado, de criar uma cortina de fumaça para a ação dos verdadeiros movimentos sociais?
E que enfrentamento fazem na mídia hegemônica, se nenhum clima de tensão é criado quando os funqueiros aparecem na mídia venal?
E que apropriação se atribui à mídia hegemônica ao "funk" se este surgiu sob as condições sociais e psicológicas que a mídia hegemônica, desde a ditadura militar, inseriu nas comunidades pobres?
A cada ano crescem fatos que comprovam a associação entre "funk" e mídia hegemônica de tal forma que virou establishment.
Alguns propagandistas do "funk", como a antropóloga Adriana Facina (do grupo ligado ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso) e Bruno Ramos, da Liga do Funk, tentam tirar o corpo fora.
Tentam atribuir a "terceiros" a degradação cultural e profissional do "funk", ou o envolvimento de funqueiros com a mídia hegemônica.
Mas a lógica mostra que isso não é verdade.
O "funk" surgiu assim, degradado, aplicando regras da dita reforma trabalhista de Temer até quando esta nem era proposta nas "pautas-bombas" do então deputado Eduardo Cunha.
O "funk" agiu associado à grande mídia, aos barões da mídia, só faltando os irmãos Marinho fazerem trenzinho do "funk" com Otávio Frias Filho.
Com MC Guimê na Veja, Huck apoiando o "funk", Jojo Toddynho visitando Sílvio Santos, Valesca falando com Danilo Gentili, Liga do Funk comendo do prato em que cuspiu ao gravar programa da Globo, tudo isso derruba o suposto esquerdismo do "funk".
Mas as coisas só estarão mais claras depois das eleições presidenciais de 2018, quando um candidato da plutocracia for eleito.
Aí se verá, com as esquerdas enfraquecidas, em que lado realmente estarão os funqueiros.
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