O clima de ansiedade de uma parcela de brasileiros parece sugerir que nosso país está prestes a se tornar uma nação desenvolvida e uma das mais poderosas do mundo. O relato parece maravilhoso, mas é preocupante, pois nosso país ainda está social e culturalmente defasado, atrasado demais até mesmo para se tornar um país desenvolvido considerado ainda problemático.
Isso não é bom porque, na prática, a expectativa se refere apenas à parcela privilegiada da população, com muito poder aquisitivo, prestígio e com posição vantajosa dentro do status quo. E o Brasil acaba sendo visto mais como um parque de diversões do mundo do que uma nação prestes a se tornar realmente próspera.
Temos uma elite autoritária que quer a "democracia" para ela mesma. Ela só admite uma suposta diversidade se ela for a protagonista de todo o processo social e que o sistema de valores seja preservado, com papéis pré-determinados para os vários segmentos sociais. Vide, por exemplo, a apologia às favelas, rompendo com uma visão realista que definia esses ambientes como degradantes.
Desde que as elites se preocuparam com o prolongamento do AI-5, que iria causar sérios problemas a médio ou longo prazo - amostras disso foi o escândalo causado com o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, nos bastidores da política - , houve um empenho em padronizar o "espírito" brasileiro nos moldes ao mesmo tempo liberais e, na essência, funcionalmente conservadores.
E aí vemos que a Faria Lima passou a exercer um poder paralelo, criando um culturalismo que muita gente acredita ter surgido como se fosse pela ação da Mãe Natureza, mas que resultou de um planejamento estratégico nos escritórios empresariais do Itaim Bibi e outras regiões similares. Era um culturalismo que, ao mesmo tempo, pudesse trazer relativa liberdade popular, empoderamento das elites, visão paternalista de ajuda ao próximo, anestesia social e precarização cultural.
A ideia é fazer crescer o poder da elite civil que apoiou o golpe militar de 1964 mas que, cerca de dez anos depois, começou a perceber que a repressão poderia ir longe demais, o que atrapalharia até mesmo as classes dominantes de renovar seu poder e seus privilégios. Afinal, as Forças Armadas são uma instituição estatal, e a burguesia é uma classe associada a interesses privados, voltados à sua concentração e acúmulo de dinheiro.
Por isso, com o passar dos anos vimos a evolução de uma elite que, em 1964, defendeu a ação drástica da queda de João Goulart por um golpe militar, com o objetivo de "limpar o caminho" para a burguesia desenvolver seu poder pleno de paz social. Vendo que a ditadura militar poderia causar problemas graves com sua ação coercitiva, a geração dos filhos das famílias golpistas dos anos 1960 se ascendeu para mudar o foco, com um planejamento empresarial para moldar o sistema de valores nas caraterísticas que hoje conhecemos.
Com a ênfase no neoliberalismo econômico, respaldada pela precarização cultural pela bregalização e pelo obscurantismo religioso assistencialista - como as "ações sociais" do Espiritismo brasileiro e da Legião da Boa Vontade na tentativa de iludir a população e ofuscar as atividades de caráter transformador da Teologia da Libertação - , a burguesia desenvolveu um modelo de Brasil marcado pelas limitações reais de emancipação social, com uma população em maioria resignada e valores sociais que permitissem o enriquecimento das elites através da hierarquia institucional e empresarial.
Depois de um período de redemocratização, entre 1985 e 1989, que ameaçava o retorno dos "fantasmas" da Era Jango, com a volta do senso crítico e das manifestações culturais mais arrojadas, 1990 representou a prática das concessões que José Sarney e Antônio Carlos Magalhães deram para empresários e políticos, degradando a mídia e criando uma espécie de "coronelismo de colarinho" para fazer decair a cultura brasileira como um todo.
E aí se consolidou tanto um sistema de valores moderada, mas solidamente conservador, que sobreviveu até sobre governos progressistas entre 2002 e 2016, com as esquerdas médias obtendo os "brinquedos culturais", ou seja, valores e personalidades próprios da direita mas que, representando uma simbologia social "positiva", enganaram muita gente, abrindo o caminho para o golpismo cultural de 2016, na medida em que as forças reacionárias encontraram um palco para condenar a imbecilização cultural das esquerdas.
Com o período golpista de 2016-2022, as elites do atraso foram aos poucos se repaginando, virando a "elite do bom atraso", agora uma burguesia tão "positiva" que nem se define como burguesa, afinal, os netos das elites golpistas de 1964 receberam um país todo para eles, podendo se dar ao luxo de "substituir" o povo brasileiro, enquanto a necropolítica faz exterminar índios, mulheres, proletários, camponeses, comunidade LGBTQIA+ e outros cidadãos-problema que estiverem no caminho.
Depois desse inverno golpista, pelo qual a participação de Jair Bolsonaro foi superestimada - ele apenas foi o garçom que serviu o cardápio maligno de Michel Temer - , a burguesia ilustrada resolveu bancar a pretensa boazinha e, depois de procurar candidatos no Renova BR, encontrou, curiosamente, em Lula o representante de seus interesses megalomaníacos de se achar a elite mais poderosa do Brasil e, talvez, do mundo.
Diante disso, a festa da "inclusão social" de Lula acaba sendo uma festa da exclusão. Somente as pessoas ligadas ao hedonismo desenfreado, de um lado, e ao conservadorismo social "não-violento", de outro, é que conseguirão as benesses do Lulismo 3.0, depois que Lula passou a adotar um peleguismo político, deixando as pautas trabalhistas para última hora enquanto ele se perdia nas viagens ao exterior em 2023 e nos discursos cheios de gafes, em 2024.
Por isso é que não é todo o Brasil que passará a se tornar uma nação desenvolvida. Aliás, o Brasil ainda não se tornará desenvolvido, apenas ganhará uma falsa reputação neste sentido para que a burguesia ilustrada possa ter acesso livre para o resto do planeta, transformando suas vidas num turismo sem fim, convertendo o nosso país no parque de diversões para essa classe.
Enquanto isso, os excluídos da vida real continuam sofrendo e sendo explorados para garantir o prazer e a liberdade de uns "predestinados" que, somente eles, acham que podem representar um "Brasil único". Desta forma, lembramos da Revolução dos Bichos (Animal Farm) de George Orwell, que consagrou a seguinte frase: "Todos são iguais, mas uns são mais iguais do que outros".
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