Ed Motta teve cara e coragem para sacudir um país medíocre. É certo que muita gente não gostou, definiu ele como "arrogante", criou petição para ele deixar o Brasil etc etc, mas a verdade é que a polêmica que o músico carioca criou foi um belo ato de sacudir o país que há muito tempo está acomodado em seus problemas, aceitos com submissão bovina.
A polêmica também abre as feridas da crise da Música Popular Brasileira, que vive atolada no marasmo, indo para o fundo do poço porque a MPB autêntica, acomodada em homenagens intermináveis, sem investir em novas propostas e aceitando ser passada na perna pelo brega-popularesco, que estagnou por não ter o que dizer.
Tudo começou quando Ed Motta, agradecendo ao apoio dos fãs brasileiros, escreveu um comunicado, sobre a realidade da música brasileira que o fez optar por fazer uma turnê na Europa (ele tocou até na cidade inglesa de Leeds, das bandas Wedding Present. Lush e Kaiser Chiefs e local de um famoso álbum ao vivo do The Who). Diz o comunicado:
"OBS = conforme venho avisando aqui nos últimos 3 anos, eu agradeço e fico honrado em ser prestigiado pela comunidade brasileira, mas é importante frisar, não tem músicas em português no repertório, eu não falo em português no show... Preciso me comunicar de forma que todos compreendam, o inglês é a língua universal, então pelo amor de Deus, não venha com um grupo de brasuca berrando "Manuel" porque não tem, e muito menos gritar "fala português Ed"... O mundo inteiro fala inglês, não é possível que o imigrante brasileiro não saiba um básico de inglês. A divulgação da gravadora, dos promotores é maciça no mundo Europeu, e não na comunidade brasileira. Verdade seja dita, que meu público brasileiro de verdade na Europa, é um pessoal mais culto, informado, essas pessoas nunca gritaram nada, o negócio é que vai uma turma mais simplória que nunca me acompanhou no Brasil, público de sertanejo, axé, pagode, que vem beber cerveja barata com camiseta apertada tipo jogador de futebol, com aquele relógio branco, e começa gritar nome de time. Não gaste seu dinheiro, e nem a paciência alheia atrapalhando um trabalho que é realizado com seriedade cirúrgica, esse não é um show para matar a saudade do Brasil, esse é um show internacional. Que desagradável ter que toda vez dar explicações, e ter que escrever esse texto infame..."
A recusa de Ed Motta de adotar a língua portuguesa, preferindo cantar e se comunicar em inglês para a plateia, causou revolta nos internautas, que o classificaram de "arrogante". As pessoas também se indignaram quando Ed definiu os fãs da mediocridade musical de "turma simplória (...), público de sertanejo, axé, pagode", e pediram para que Ed optasse por deixar o Brasil.
Ed Motta respondeu boa parte dos ataques, admitindo, num dos comentários em defesa do músico, que "não tem mais medo da burrice". Ele afirmou, entre outras coisas, que os brasileiros não estão acostumados a uma sala de concertos e estão consumindo "soda cáustica sonora".
O músico, sobrinho de Tim Maia, é um dos críticos ferozes da imbecilização musical que domina o país e que eu mesmo tive uma trabalheira para desmontar uma blindagem de intelectuais "bacanas", que queriam um Brasil brega, drogado, bêbado e prostituído, eu com uns blogues, o pessoal com documentários e monografias.
Recentemente, Ed Motta, de forma bem coerente, reprovou o "tributo a Tim Maia" dos cantores Ivete Sangalo e Criolo, sugerindo que o artista mais adequado para homenagear o tio seria Cláudio Zoli, pela vivência e identificação com a proposta musical lançada pelo falecido soulman carioca.
Pode ser um trabalho incômodo, que gera muita tensão e conflito e ainda deixa a pessoa vulnerável à arrogância extrema de uns internautas frustrados que fazem trolagem e cyberbullying para se vingar contra aqueles que não pensam em favor do "estabelecido".
Mas é preciso desmontar essa multidão reaça que espalha ofensas pela Internet e ter coragem para fazer prevalecer a coerência, a lógica dos fatos e outros valores verdadeiros que andam muito em baixa hoje.
A atitude de Ed Motta mostra que a "manada bovina", que aceita todas as coisas quando "vindas de cima" (da política, do entretenimento, da tecnocracia), mas reage com fúria contra quem não compartilha de seus valores míopes.
Eu mesmo escrevi um comentário no Facebook apoiando Ed Motta por ter cara e coragem de zelar por seus valores e reagir contra a acomodação desse país. Ele é, portanto, um dos poucos artistas de MPB que não se rebaixa a cantor de restaurante e ficar fazendo fundo musical para a bebedeira. Aqui está o comentário que eu mesmo escrevi:
"Parabéns pelo comentário, Ed Motta. Tem que passar o dedo na ferida mesmo, enfrentar a manada bovina!! Você tem um trabalho a zelar e uma dedicação enorme, e o pessoal só indo a seus shows para fazer selfie para dizer que estava lá. É o tipo de pessoal que tanto faz se vai ao seu show ou se vai ao de Chitãozinho & Xororó (argh!), porque o que importa é o narcisismo dessa "turminha simplória", que só quer fazer selfie e gritar "u-huuu". É preciso sacudir esse país, porque está acomodado mesmo. E parabéns sobre seu comentário a respeito do tributo ao Tim Maia. Infelizmente, a música de qualidade, brasileira ou não, é maltratada pela ação de muitos oportunistas, que só querem pegar carona na cauda do cometa. Ed, continue com seu trabalho, faça o que realmente gosta. Abraço."
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