Era uma vez uma elite de blogueiros que acha que está fazendo uma revolução na Internet, e acredita que o papel impresso era jagunço dos barões da grande mídia e, por isso, está condenado à pena capital, enquanto a Internet fará a sua revolução total.
Sou de esquerda, mas tenho que admitir que uma parte influente das esquerdas, sobretudo as chamadas "esquerdas médias", grupo que mistura setores pouco corajosos do esquerdismo e pseudo-esquerdistas (como um Pedro Alexandre Sanches e um Eugênio Arantes Raggi que mal conseguem esconder seus bicos de tucano), criou um mundo da fantasia para si mesma.
Vejo coisas surreais. Esquerdas apoiando incondicionalmente os funqueiros que as apunhalam pelas costas e vão fazer a festa abraçados aos barões da grande mídia. Feministas que querem transformar as mulheres de classe média em castiças, enquanto reforça a obsessão sexual das mulheres das "periferias". E gente que, em vez de cesta básica, luta por um cigarrinho de maconha na sua mesa.
Não é preciso pensar muito por que os Rodrigo Constantino, Rachel Sheherazade e Lobão da vida estão em alta, com todo seu reacionarismo neo-medieval. As esquerdas deram a deixa, preferindo um conto de fadas ao mesmo tempo tecnocrático e popularesco, que nem de longe representa uma proposta real de melhoria de vida para as classes trabalhadoras.
Felizes com o curtirativismo dos patinadores de dedo dos celulares e tabletes, os esquerdistas médios acreditam que a simples queda nas vendas de jornalões e revistonas da grande mídia será a decadência do baronato midiático, e que a falência da Editora Abril é uma simples questão de rasgar uns exemplares impressos da revista Veja.
Os esquerdistas confiam no maniqueísmo Internet-esquerda e Papel-direita. Blogosfera é sempre revoucionária, imprensa escrita é reacionária. E aí chegam alguns "profetas de botequim" anunciando que o papel morrerá, e que o cemitério da imprensa escrita já tem reservados jazigos para o baronato midiático.
Alto lá. Essa visão tecnocrática que a Internet é revolucionária é mito, da mesma forma que achar que a revolução do planeta acontecerá com o clique de um mouse. Grande tolice, se observarmos que as mídias sociais não são necessariamente progressistas e que a maioria dos internautas é mesmo ideologicamente conservadora.
Os esquerdistas ficam comemorando porque agora só se leem livros e jornais pelo tablete. Grande ilusão. As pessoas, em sua maioria, só ficam "passeando" rapidamente pelos textos. Daí entender por que os leitores da mídia esquerdista, que leem seus periódicos às pressas, custaram a identificar ideias neoliberais do pseudo-esquerdista Pedro Alexandre Sanches, discípulo não-assumido de Francis Fukuyama.
O que observo nas ruas é o pessoal patinando com os dedos nos tabletes e celulares. A impressão que se tem é que as pessoas só clicam uma letra, "k", várias vezes para dizer que acharam alguma coisa engraçada. Mas isso, para muitos, é trabalhoso, porque na maioria das vezes a única coisa que fazem é "curtir" a mensagem que lhe agrada, apertando o desenho da mãozinha com o polegar para cima.
Essa conversa de novas mídias digitais as esquerdas festejam como se fossem ideias próprias delas, mas ela é claramente apoiada por um Carlos Alberto di Franco, um dos "colegas" dos barões midiáticos (nesse plano midiático, jornalistas chamam patrões de "colegas"), colunista do Estadão (ultraconservador), membro do Instituto Millenium (reacionário) e da seita Opus Dei (medieval).
Querer fazer revolução bolivariana com o clique de um mouse, tendo como aliado um membro da Opus Dei e que serve assumidamente o baronato midiático, é um grande contrasenso. Da mesma forma que achar que os barões da grande mídia não passam de uns monstrinhos de papel.
Enquanto isso, os esquerdistas parecem falar para si mesmos. Concentram-se demais no noticiário político enquanto acolhem funqueiros que vivem em lua-de-mel com os barões da mídia. Apoiam um feminismo que mais parece fazer um acordo de coexistência em separado do machismo. Preferem o espetáculo a qualidade de vida. E acham que a Internet em si vai causar a revolução.
Mas não vai. O único recurso possível de transformação social está nas mentes das pessoas. A Internet fornece apenas os instrumentos, mas, assim como as melhores obras de Arquitetura e Engenharia não partem de tesouras, réguas nem compassos, o ativismo social não vem do clique de um mouse, mas da preocupação de alguém em encontrar um espaço maior para mostrar suas ideias.
Quanto ao papel impresso, seria perder a graça se ele em si decaísse. O que vai decair é o baronato midiático, que possui todas as suas trincheiras digitais, desafiando a blogosfera progressista. Mas essa decadência não será porque o papel ficou obsoleto (ele não ficará), mas porque o reacionarismo midiático pega pesado demais.
Deixemos Johann Gutenberg e sua maravilhosa invenção, o tipógrafo, origem da imprensa escrita, em paz. Eles não são cúmplices do golpismo midiático. O papel é inocente de todas as acusações de colaboração com os barões da grande mídia. O baronato midiático apenas jogou suas palavras em cima de folhas de papel, como joga também em cima de arquivos htm lidos em celulares e tabletes.
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